Filmes para Eternidade
A Missão
A pesquisa histórica não está restrita apenas á análise documental. Uma das técnicas mais utilizadas é a análise histórica oriunda dos meios de comunicação, mais precisamente da análise filmográfica como meio de obtenção de uma “visão da época”. Nesse sentido, analisamos o filme: “A Missão”.
Título Original: The Mission
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 125 minutos
Ano de Lançamento (Inglaterra): 1986
Estúdio: Enigma Productions / Kingsmere Productions Ltd. / Goldcrest Films International
Distribuição: Warner Bros.
Direção: Roland Joffé
Roteiro: Robert Bolt
Produção: Fernando Ghia e David Puttnam
Música: Ennio Morricone
Fotografia: Chris Menges
Desenho de Produção: Stuart Craig
Direção de Arte: John King e George Richardson
Figurino: Enrico Sabbatini
Edição: Jim Clark
Sinopse
No final do século XVIII, Mendoza, um mercador de escravos, entra em conflito pessoal e familiar após assassinar seu irmão em um duelo pela traição deste com sua noiva. Em crise de consciência, Mendoza aceita a penitência imposta pelo padre jesuíta Gabriel: ir viver no meio dos índios que outrora havia perseguido e aprisionado. Ao ser aceito pelos índios, Mendoza encontra uma nova disposição de vida e abraça a causa jesuíta, tornando-se um noviço. Com a chegada do representante do papa para sentenciar sobre a permanência ou não da missão entre os índios, revela-se a disputa política e econômica entre Portugal, Espanha e a Igreja na questão do comércio escravista indígena e a posse das terras.
Análise
O pano de fundo ou background do filme é a disputa que se deu no plano político entre os interesses de Portugal, Espanha e Roma no período entre os séculos XVII e XVIII[i] envolvendo demarcações territoriais e os privilégios[ii] da Igreja na Europa e nas colônias. A ação evangelizadora e inquisidora da Companhia de Jesus[iii] interferiam nos interesses econômicos e políticos internos, tanto nos países católicos, quanto em suas colônias na América do Sul. A Reforma Protestante[iv] e o acirramento do Mercantilismo[v], adotado por esses países, afetavam diretamente os interesses dos jesuítas de converter os “selvagens para a causa de Cristo[vi]”. Para narrar este conflito, o diretor escolhe como cenário a saga dos jesuítas que viveram na fronteira entre o Brasil, a Argentina e o Uruguai, na região de Foz do Iguaçu, onde se estabeleceram os Sete Povos das Missões[vii]. De forma lírica, tendo a música, sons da floresta e o ruído das armas como elemento de contraposição interno e externo, a trama se desenrola revelando as contraposições: irmão contra irmão, religiosos contra religiosos, os interesses de Portugal e Espanha e a Santa Sé contra os interesses dos jesuítas, tendo os índios como vítimas permanentes: pela exploração, escravização, despojamento de sua cultura e perda da liberdade e posse das terras. A forma narrativa de subversão do tempo, utilizando a técnica de rememoração através do texto (a história é contada através da carta enviada pelo representante de Roma ao Vaticano) merece um destaque à parte. Por ser uma religião da palavra e da escrita[viii] a forma é, por si só, uma homenagem ao Catolicismo, dentro de sua expressão e configuração. Não há julgamentos ou posicionamentos ideológicos que tentam impor um ponto de vista ao expectador. Há a história e seus destinos, controlados e não controlados por homens e instituições. Significativo também é o retorno dos índios para a floresta, demonstrando claramente que a questão está, ainda, em aberto.
Por fim, o esmero da produção, a sutileza da trama, a forma didática de tratar um tema complexo e a pesquisa histórica conferem ao filme um status de grandeza. Isso ficou plenamente demonstrado no elenco de primeira linha do cinema mundial como Robert De Niro, Jeremy Irons e Liam Neeson. Os figurinos reproduzem de forma fiel o período histórico. O roteiro produzido pelo premiado Robert Bolt contou com a consultoria do médico paraguaio, Luiz Rolon, ambientalista e criador do museu Mborore[ix]. As locações realizadas nas regiões do entorno das cataratas do Iguaçu foram um elemento a mais para tornar a narrativa cinematográfica fidedigna. A música de Ennio Morricone é algo à parte, dada a sua grandiosidade, merecendo uma análise em separado.
Índice Bibliográfico
ALVES-MAZZOTTI, Jean. & GEWANDSZNAJDER, Francis. O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo, PIONEIRA, 1998.
ARAUJO, Inácio. Cinema: Mundo em movimento. São Paulo, SCIPIONE, 1995.
CLOUSE, Robert G; PIERARD, Richard V; YAMAUCHI, Edwin. Dois Reinos: A igreja e a cultura ao longo dos séculos. São Paulo, CULTURA CRISTÃ, 2003. p. 207-255.
DUDLEY, Andrew J. As principais teorias do cinema: uma introdução. Rio de Janeiro, JORGE ZAHAR EDITOR LTDA, 1989.
ELWELL, Walter A. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. III Vols. São Paulo, VIDA NOVA, 1990.
FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro, PAZ E TERRA, 1992.
QUEIROGA, Onélia Setúbal Rocha de. A origem do Estado Moderno. João Pessoa, EDITORA UNIVERSITÁRIA/UFPB, 1998.
KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia. São Paulo, EDUSC, 2001.
SANTIDRIÁN, Pedro R. (Org). Breve dicionário de pensadores cristãos. Aparecida, SANTUÁRIO, 1997.
SIMON, Mário. Os Sete Povos das Missões: Trágica Experiência. Santo Ângelo, FUNDAMES, 1984.
VIANNA, Hélio. História das fronteiras do Brasil. Rio de Janeiro, BIBLIOTECA MILITAR, 1949.
KÜNG, Hans. Religiões do mundo: em busca de pontos comuns. Campinas, VERUS EDITORA, 2004.
KUHNEN, Alceu. As origens da Igreja no Brasil: 1500-1552. Bauru, EDUSC, 2005.
Notas
[i] O período histórico preciso do filme é a questão da discussão do Tratado de Madrid de 1750 que buscava redividir os territórios espanhóis e portugueses visando corrigir o Tratado de Tordesilhas. Para uma visão histórica desse tema, ver: VIANNA, 1949.
[ii] Esses privilégios eram oriundos de acordos e tratados estabelecidos entre Portugal, Espanha e Roma como o Padroado Régio, instrumento jurídico religioso utilizado pela Igreja. Para maiores informações, ver: KUHNEN, 2005. p. 11-28.
[iii] Ordem Religiosa Católica Romana estabelecida com o fim de fortalecer a Igreja, inicialmente contra o Protestantismo. Para uma ampliação de sua biografia, ver: SANTIDRIÁN, p. 353-356.
[iv] Denomina-se Reforma Protestante o movimento iniciado por Martinho Lutero com a pregação das noventa e cinco teses sobre a urgência de reforma da Igreja Católica, a natureza da penitência, a autoridade papal, e as indulgências. Para uma ampliação desse tema, ver: CLOUSE, 2003. p. 207-255.
[v] Conforme Queiroga, o mercantilismo “é a transferência do interesse do lucro capitalista para a política. O Estado procede como se estivesse única e exclusivamente integrado por empresários capitalistas.” In: QUEIROGA, 1998. p. 32
[vi] A catequese era a forma de atuação conversional dos jesuítas. Esta consistia no batismo e na aceitação formal da recitação dos sacramentos. Para uma ampliação sobre o tema, ver: ELWELL, Vol. I, 1990. p. 253.
[vii] Designa a região situada a noroeste do atual estado do Rio Grande do Sul, na atual fronteira entre o Brasil e a Argentina, a leste do vale do Rio Uruguai, palco da empreitada dos Jesuítas autônoma às potências colonizadoras européias, com o declarado objetivo de criar um estado eclesiástico subordinado diretamente à Igreja Católica. Para uma ampliação desse tema, ver: SIMON, 1984.
[viii] O Catolicismo, oriundo da grande tradição judaico-cristã, compartilha com outras religiões a característica de ser a religião do livro e da palavra, expressão que quer denotar sua centralidade em torno da palavra escrita e falada. Para um aprofundamento do tema, ver: KÜNG, 2004. p. 212-247.
[ix] O museu Mborore foi fundado por Luís Honório Rolón, médico paraguaio que residiu por mais de 20 anos em Puerto Iguazú, e morreu em 1992. Ele foi principal responsável pela criação do Parque Provincial de Urugua-Í, uma reserva com 84 mil hectares localizada ao lado do Parque Nacional del Iguazú. Para maiores informações sobre o museu, acessar: http://www.h2foz.com.br/outros/museus/index.php
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