Livros que Clio Recomenda III
Embora não se tenha referências exatas sobre as origens da história, há que se perceber a sua inequívoca e permanente existência entre nós. Basta folhear clássicos como a Ilíada e a Odisséia em que Homero narra feitos gloriosos de semideuses, os quais, apesar de antecederem a escrita, foram resgatados pelo próprio tempo.
Assim, o livro: Idéias de História-Tradição e Inovação de Maquiavel a Herder, organizado pelo Prof. Marcos Antonio Lopes, do departamento de Ciências Sociais da UEL, articula a discussão entre o moderno conceito de história tendo como norte a obra de renomados pensadores europeus que viveram no período do Renascimento e o início do Iluminismo. Entre eles, Voltaire, Bodin, Guicciardini, Vico, Rousseau e Montesquieu. Com isso, será possível ao leitor comparar uma concepção antiga de história com uma moderna e, conseqüentemente, a construção desta última.
Para o organizador, “os textos aqui reunidos demonstram como os horizontes teóricos da História se dilatam e se contraem em diferentes direções quando se perfilam ou se contrapõem alguns dos mais importantes pensadores da Época Moderna.
Os Modernos detinham sobre as suas idéias uma propriedade intelectual apenas parcial. Muitas delas foram visões residuais de um passado distante, acrescidas de poucas novidades”. Assinala ainda que “em meio ao processo de apropriação e conversão, é natural supor que muitas outras concepções sobre a História entrassem em cena como aspetos de autêntica originalidade, pelo trabalho da imaginação criativa e do poder de expressão de algumas mentes iluminadas, como foram as dos clássicos aqui retratados”.
Trata-se de uma obra imprescindível para pesquisadores da área de História e das Ciências Humanas em geral, os quais encontrarão aqui as diversas veredas imaginariamente construídas por Clio.
Idéias de História – tradição e inovação de Maquiavel a Herder
Marcos Antônio Lopes (organizador)
EDUEL 336 páginas - 16 X 23 cm
Mais informações:
Telefones (43) 3371-4691 e (43) 3371-4673 e ainda pelo e-mail livraria-uel@uel.br
Entrevista com o autor
Por tratar-se de autor conhecido no meio acadêmico, a Editora da Universidade Estadual de Londrina, realizou uma entrevista com o Prof. Marcos Antônio Lopes que é doutor em História pela USP e professor do Depto. de Ciências Sociais da UEL, organizou a obra Idéias de História: Tradição e Inovação, de Maquiavel a Herder que foi lançado em julho/2007 no XXIV Simpósio Nacional de História, realizado em Porto Alegre e na Bienal do Rio de Janeiro em 2007. O autor fala da concepção do livro e das origens da historiografia contemporânea. Além deste livro o Professor Marcos Lopes publicou também: A imagem da realeza: simbolismo monárquico no Antigo Regime, Editora Ática-1994; O Absolutismo: política e sociedade na Época Moderna, 1996, Editora Brasiliense; O Político na modernidade: moral e virtude nos espelhos de príncipes da Idade Clássica, 1997, Editora Loyola; Para ler os clássicos do pensamento político: um guia historiográfico, Editora FGV, 2003, entre outros.
Eduel — Qual a temática e os objetivos do livro Idéias de História?
Marcos Antônio Lopes — O livro aborda aspectos do pensamento histórico de grandes autores que, ao conceberem os seus sistemas filosóficos, incluíram a História em seus respectivos campos de reflexão. Nomes como Maquiavel, Giambatista Vico, Montesquieu e David Hume, dentre outros, dão títulos aos 12 capítulos da obra, escritos por especialistas de diferentes instituições brasileiras como UnB, USP, UFMG, Unicamp, UFSC, UEL, entre outras. A obra pretende divulgar e fortalecer um gênero de pesquisa em História que, para os temas em foco, possui apenas uma escassa tradição no Brasil.
Eduel — Como surgiu a idéia do livro?
Lopes — Em primeiro lugar, do prazer de fazer livros. Mas, há também outras motivações, como as obrigações impostas pelo ofício, que lhe cobram o compromisso de divulgar suas pesquisas e, em certas conjunturas mais favoráveis, também os trabalhos de seus colegas, para que não fiquem entregues às considerações gastronômicas das traças, e sob o efeito de outras ações corrosivas do tempo. Em síntese, de tempos em tempos, a “liturgia do cargo” lhe convida a realizar empreendimentos como este.
Eduel — Como definir a História da Historiografia?
Lopes — Não há uma definição, porque os interesses dos historiadores que lidam com este gênero de História são muito diversificados, como também são diversificados os métodos que utilizam para realizar as suas análises. Mas, se não há “uma” História da Historiografia, dada à variedade de influências teóricas, ela possui um elemento de base, que são as obras de pensamento histórico: os textos de Heródoto, de Tucídides, de Voltaire, de Hume, de Vieira, de Varnhagen, de Capistrano, de Sérgio Buarque, enfim, qualquer obra sobre a qual seja possível refletir acerca das concepções de História.
Eduel — Onde e quando situar o surgimento da História da Historiografia?
Lopes — A História é um elemento de base da cultura ocidental, ou seja, um de seus patrimônios culturais mais antigos. Isso significa que sempre se escreveu História; inclusive no Brasil, e desde os primeiros anos da colonização. No século XIX, por exemplo, o Brasil teve grandes historiadores, que fundaram o que podemos chamar de Historiografia brasileira, porque suas pesquisas passaram a contar com elementos de base comum, como o apoio de documentos e um conjunto de técnicas para interpretá-los, o que ficou conhecido com o “método histórico”. Dito isso, cabe lembrar que, se fala com freqüência em História da Historiografia, quase sempre é de forma imprecisa e equivocada. Isso porque algumas análises parecem avalizar o argumento de que sempre houve escolas de pensamento histórico perfeitamente organizadas e, dentro destas, autênticas e bem definidas linhas de pesquisa. Ora, se a História é mesmo um antigo componente da cultura ocidental, o mesmo não se pode afirmar quanto à Historiografia, que remete a noções bem mais recentes.
Eduel — Ao que parece, há algumas sutilezas por detrás do conceito “Historiografia”?
Lopes — É o que parece. Por isso mesmo alguns autores consideram que se pode falar com propriedade em Historiografia apenas naquilo que diz respeito a uma forma de saber organizado por determinadas técnicas reconhecidas como aparato teórico-metodológico comum a um grupo de especialistas, ou seja, a uma restrita comunidade de profissionais. Mas isso também não autoriza falar em termos muito genéricos como, se de um dado momento a outro, passasse a existir uma “historiografia latino-americana” ou uma “historiografia européia”. Várias são as peculiaridades nacionais que, ainda hoje, distinguem os traços característicos das pesquisas produzidas no Brasil, no México, na Espanha, em Portugal, na Inglaterra, Alemanha ou França. Entretanto, desde os inícios do século XIX que se estabeleceu, em alguns países da Europa, uma “concepção média” do que deveria ser a pesquisa histórica. Dos meados aos fins do século XIX esse “padrão médio” já era perceptível por toda parte, o que tornava possível à identificação de traços comuns no trabalho de historiadores dos dois lados do Atlântico.
Eduel — O processo de constituição da Historiografia contemporânea foi concomitante à institucionalização da História como um campo de ensino, ou seja, como uma disciplina universitária?
Lopes — A primeira cátedra de História de que se tem notícia foi criada em Mayence, na Alemanha, no ano de 1504. A partir deste marco, até o século XVIII, iniciativas do mesmo gênero foram tomadas em diferentes pontos. Mas isso não resultou na plena institucionalização da História e do historiador. Foi apenas nos inícios do século XIX que professores de algumas Universidades européias, notadamente na Alemanha e na França, deixaram de reconhecer na História um gênero literário destinado a dar exemplos de ações aos homens públicos, ou a servir para a interpretação das leis gerais do progresso humano, numa perspectiva denominada “Filosofia da História”. A partir de então, a História foi transformada em um campo disciplinar autônomo, numa matéria de domínio quase exclusivo de profissionais especializados, que punham em prática técnicas de pesquisa reconhecidas por seus pares. Assim é que, a rigor, o que se reconhece anacronicamente como Historiografia, até os finais do século XVIII era uma Babel de opiniões que, se possuía objetos históricos em comum, quase nada tinha que unificasse tecnicamente as formas de abordagem de tais objetos.
Eduel — Isso significa que a figura do historiador é uma realidade relativamente recente?
Lopes — De modo algum. Historiadores existem desde Heródoto, e mesmo desde antes dele. Se parece fora de propósito falar em Historiografia para séculos anteriores ao XIX, o mesmo não é verdade quando se fala em historiadores do mundo antigo, da Idade Média, do Renascimento, dos séculos XVII e XVIII. Esses historiadores eram “intelectuais” ou, como preferem alguns autores atuais — atendo-se ao anacronismo da expressão, por se tratar a palavra “intelectual” de um neologismo dos finais do século XIX —, homens de letras das mais diversas ocupações: clérigos, juristas, bibliotecários, filósofos, embaixadores e, até mesmo, historiógrafos, ou seja, os historiadores oficiais encarregados de escrever a história das cidades, das linhagens aristocráticas e das casas reinantes. Figuras como Maquiavel, à época dos Médici, e Voltaire, no reinado de Luís XV, desempenharam esse ofício.
Eduel — Há algum outro projeto editorial em curso?
Lopes — Recentemente, concluí um livro que desenvolve o tema das idéias e crenças em torno da realeza sagrada nos séculos XVI e XVII. Também estou trabalhando em dois pequenos livros. Antigüidades Modernas é parte de minha pesquisa de pós-doutorado. Trata-se de abordagem da Teologia Política do padre Antônio Vieira. Preparo ainda Altas Cavalarias: Dom Quixote e seus precursores, ensaio dedicado à literatura cortesã medieval e a seus desdobramentos nos séculos XVI e XVII. Nestes textos, além das concepções autorais acerca da História, procuro focar temas como a exemplaridade das ações dos personagens baseadas em valores como a bravura e o heroísmo, as leis de honra e outras questões relativas ao imaginário político.
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