Hare krishna versão light – Por Maria Laura Neves


Gustavo Dauster é formado em Economia e sua mulher, Rhiannon, é astrofísica. Eles entoam o mantra 1.728 vezes por dia






Todos os dias, o economista Gustavo Dauster, de 39 anos, acorda antes do nascer do sol. Depois de tomar banho, faz orações em um altar na sala de seu apartamento, em Brasília. Em voz baixa, ele entoa o mantra Hare krishna/Hare krishna/Krishna krishna/Hare hare/Hare rama/Rama rama/Hare hare. As palavras, que ele repete quase mil vezes, evocam a adoração ao deus que é considerado a fonte de todo o prazer por seus devotos. Às 8 horas, enquanto lê os jornais, Gustavo faz o desjejum, do qual exclui alimentos de origem animal. Depois de comer, termina as orações. Ao todo, são 1.728 mantras entoados todas as manhãs.

Daí em diante, o dia de Gustavo se parece com o de qualquer profissional liberal. Vai para a academia de ginástica, faz musculação e corre na esteira. Formado pela Universidade Charter Oak, em Connecticut, nos Estados Unidos, ele trabalha em uma consultoria empresarial em sociedade com o pai, Jorio Dauster, ex-diplomata e ex-presidente da Vale do Rio Doce. Gustavo ainda administra duas ONGs: uma que edita livros hare krishna e outra que fornece alimentos naturais para as escolas de Alto Paraíso, em Goiás. “Minha qualidade de vida aumentou muito depois que entrei para o movimento: a alimentação, o físico e a mente melhoraram. Tenho hábitos mais saudáveis e acredito que meu trabalho é muito menos egoísta do que no passado”, afirma Gustavo.

Casado com Rhiannon Dauster, de 32 anos, uma astrofísica nascida no País de Gales e também hare krishna, ele se diz “encontrado e realizado”. Gustavo nunca raspou o cabelo nem saiu pelas ruas de Brasília vestido com as roupas indianas que os hare krishnas usavam. Batizado numa Igreja Católica, filho de um ateu convicto, Gustavo não freqüentou nenhum ritual religioso até 1996, quando entrou para a doutrina que segue hoje. Ele simboliza a nova cara do movimento hare krishna no Brasil formado por empresários, funcionários de grandes empresas, profissionais liberais e até cientistas – gente que não abandonou a profissão para vender incenso nos semáforos. “Nós continuamos a conversar sobre negócios e compartilhamos livros”, diz o pai, Jorio.

Na década de 70, quando começou a se propagar pelo mundo, o movimento hare krishna exigia que seus devotos seguissem normas rígidas. Os seguidores moravam dentro dos templos, usavam roupas típicas (saris para as mulheres e dotins para os homens) e pintavam o rosto e outras partes do corpo com a tilaka, uma areia dos rios sagrados da Índia. Para sustentar os templos, vendiam livros e incensos nas ruas. Sexo, só para se reproduzir.

Hoje, o conceito de hare krishna está em discussão. Para alguns líderes, basta cantar o mantra para o indivíduo ser considerado parte do movimento. Outros dizem que os vegetarianos já estão no caminho para a salvação. O único consenso é ser – ou se considerar – um devoto de Krishna, um dos deuses do hinduísmo. As estimativas apontam para 15 mil devotos no Brasil em comparação a cerca de 3 mil no início da década de 80. O número vem crescendo desde que algumas restrições começaram a ser abolidas. Além da menor rigidez, outros fatores contribuem para que o movimento atraia novos seguidores. A busca de uma espiritualidade diferente das religiões tradicionais é o mais evidente. “Existe uma aura de mistério, de exótico, na cultura indiana”, diz Silas Guerriero, antropólogo e professor da pós-graduação em Ciências da Religião da PUC-SP e autor de uma pesquisa sobre os hare krishnas. O hinduísmo é antimaterialista e prega a busca espiritual interna, porque Deus estaria dentro de cada um, idéias que atraem muitos ocidentais.

O movimento hare krishna foi fundado pelo indiano Bhaktivedanta Swami Srila Prabhupada, um intelectual indiano que recebeu de seu guru espiritual a missão de pregar o mantra hare krishna entre os ocidentais. Prabhupada teria desembarcado em Nova York em 1965, sem nenhum dinheiro. Trazia apenas oito livros sagrados em um baú. Viveu de favor com imigrantes indianos e com hippies. Em 1966, Prabhupada fundou a Sociedade Internacional da Consciência de Krishna. “Quando viu que os hippies viviam em ambientes sujos e estavam morrendo por causa de doenças e das drogas, ele criou algumas das regras que seguimos até hoje”, diz o mineiro Robson Luiz Costa, de 43 anos, ex-monge e um dos primeiros a entrar para o movimento no Brasil. Costa diz que parou de usar drogas depois que aderiu à religião.

Prabhupada pregava ensinamentos do “Bhagavad Gita”, um poema do livro sagrado indiano Mahabharata, que conta a história da Índia por meio de lendas. E exigia dos iniciados dedicação integral. “Assim como em outras seitas, os devotos hare krishnas largavam a vida anterior e adquiriam uma identidade nova: mudavam as roupas e o nome e iam morar dentro dos templos”, diz Guerriero.

Fonte: http://revistaepoca.globo.com



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