'Formação de professor ficou para trás porque não dá voto', diz diretora da USP – Por Fernanda Calgaro

Para Sonia Penin, falta articulação melhor entre as diversas instituições, como o governo e as universidades (Foto: Jornal da USP)


Para Sonia Penin, carência fica evidente após avaliações, como o Enem. Diretora da Faculdade de Educação rebate críticas do governador. A formação de professores mereceu menos atenção dos governos do que a parte de infraestrutura das escolas porque não tem o mesmo peso eleitoral, avalia a professora Sonia Penin, diretora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. “Com as avaliações de ensino, como o Enem, essa questão fica mais evidente”, afirma. Ao rebater as críticas do governo do estado de São Paulo aos cursos de pedagogia ela diz que “pensamentos simplistas não levam a nada". Leia a seguir trechos da entrevista ao G1.

G1 - Durante o anúncio de um pacote de medidas para reforçar a formação de professores da rede estadual, o governador de São Paulo, José Serra, disse que a parte de infraestrutura deixou de ser o problema da educação no estado. Segundo ele, a questão agora está dentro da sala de aula.

Sonia Penin - O que dá voto é o cimento, são as coisas materiais. Formação continuada não dá voto, por isso ficou para trás. Agora, concordo que essa parte de infraestrutura já não está naquele nível [ruim] que se tinha antes, apesar de os problemas continuarem em locais mais carentes. Mas [a parte de formação de professores] realmente foi ficando para trás ao longo dos anos no país todo, porque não aparecia. E agora com as avaliações de ensino, como o Enem, essa questão fica evidente e é colocada em debate e na mídia. O direito não é acesso à educação somente, mas o acesso à educação de qualidade. E esse é um desafio da sociedade brasileira inteira.

G1 – Serra atribuiu a má qualidade da educação à inadequação dos cursos de pedagogia, além do corporativismo inadequado e da rigidez das leis. Como avalia essa crítica à academia?

Penin - É inaceitável e lamento essa política de usar essa máxima de que a melhor defesa é o ataque. Não é bom para o governo nem para nenhuma instituição. Me admira e é inaceitável fazer uma afirmação colocando como problema só uma questão, no caso os cursos de pedagogia, e não se falar nada sobre a própria instituição empregadora. Na equação “má qualidade da educação” têm que ser colocadas todas as questões para nós sermos justos e podermos trabalhar de uma forma adequada. No caso da instituição empregadora, por exemplo, devem ser incluídas nessa equação questões como a alta rotatividade dos professores, a falta de professores, os alunos que não têm aulas seguidas, 40% dos professores são temporários, sem concurso, e o número de aulas assistidas pelos alunos é baixo.

G1 - Como vê a criação de uma escola de formação de professores pelo governo estadual?

Penin - A formação continuada de professores é uma obrigação da instituição empregadora. Mas tem um problema porque o professor vai fazer esse o curso antes de entrar na sala de aula. No entanto, é na sala de aula que ele terá problemas e precisará de interlocutores para discuti-los. A aprendizagem tem que ser o ensino baseado em problemas, que só serão encontrados dentro da sala de aula, nas dificuldades do dia-a-dia, sobretudo nessas escolas maiores, com uma diversidade maior e salas numerosas.

G1 - Acha então que o curso poderá ter pouco efeito?

Penin - A questão é que os problemas estão lá na escola e o professor precisa ter um interlocutor. Nada contra fazer o curso antes, mas tem que continuar [a capacitação] durante. Os cursos de especialização devem estar ligados à realidade. É assim como temos tentado fazer nossos estágios na faculdade. São estágios que começam junto com a teorização, para que tenhamos a teorização em cima de problemas concretos.

G1 - O governo pretende exigir que o professor aprovado em concurso faça também uma nova prova após o curso de formação. É necessário esse segundo exame?

Penin - Se os professores forem concursados e se as provas de concurso forem bem elaboradas, elas deverão fazer o papel desse curso. Isso não significa que não deva existir curso de especialização. A única notícia boa aí é que haverá curso regular e sistemático de especialização.

G1 - Outra crítica do governador foi em relação aos temas das teses acadêmicas, que teriam pouca aplicação prática. O que acha disso?

Penin - Há teses de todos os tipos, como em qualquer outro país. Nem toda tese tem efeito prático. A universidade deve produzir conhecimento novo e uma parte é, sim, para resolver problemas práticos. Mas o avanço do conhecimento da humanidade também se faz sobre coisas que não há o resultado na prática por muitos e muitos anos à frente. A universidade tem que criar conhecimentos novos, alguns deles respondendo de forma mais prática à sociedade, mas não necessariamente só isso. E essas teses também são tão válidas e importantes quanto aquelas que têm uma aplicação imediata. Esses pensamentos simplistas não levam a nada. E não é disso que precisamos.

G1 - Entre as propostas previstas no projeto de lei enviado à Assembleia está a criação de duas jornadas de trabalho: de 40 horas e de 12 horas, além da criação de 50 mil vagas na rede. Qual é a importância disso?

Penin - A jornada de 40 horas é ótima porque é uma forma de assegurar o professor numa escola. É um avanço fundamental, porque a rotatividade de professor precisa parar. Um fato que as pesquisas mostram, essas que ele [Serra] está dizendo que não servem para nada, é que a permanência do professor na escola é um fator de melhoria de qualidade. E a criação de vagas efetivas é essencial para diminuir o número de professores temporários. É inadmissível que 40% dos professores sejam temporários. Isso dificulta a criação de vínculos com o aluno.

G1 – Qual é caminho para conseguir uma educação de qualidade?
Penin - É preciso haver uma articulação e cooperação das diversas instituições, como o governo, instituições de ensino e sindicatos. É um desserviço jogar um contra os outros ou só expor o problema do outro. É um caminho inadequado, perverso, que não ajuda a enfrentar o problema como precisa ser enfrentado. Em todos os níveis e instituições há problemas. Agora, se em vez de começar a resolver, jogar para o outro, só atrasamos o processo de uma revolução educacional de que precisamos.

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