Resistência artística pela crença na música - Por Jomo Fortunato



Mamukueno [José Matias]




A historiografia da Música Popular Angolana, sobretudo aquela que se estende ao longo da época colonial, regista nomes de autores e compositores que, embora com escassa obra produzida - consequência da postura no mercado, peculiaridades subjectivas e contextos de edição - são dignos de referência histórica, pelo sucesso alcançado nos “tops” da época.

São conhecidos os casos de Prado Paím, autor do clássico “Bartolomeu” e disco de ouro em 1974, Jacinto Lima, Pascoal Fredson, Dikembé, exímio tocador de kissanji e autor de muitas canções interpretadas pelo cantor Urbano de Castro, Ferreira do Nascimento, Venâncio Muhongo e Mamukueno, dentre outros autores e compositores, que o passado da música regista.

A temática das canções que têm resistido ao longo da história da Música Popular Angolana evoca situações que decorrem de conflitos cuja natureza e espaço de ocorrência se projectam, fundamentalmente, nos “musseques”: o filho desaparecido no mar, a garota de mini-saia, o assédio sexual entre o patrão e a criada, os conflitos conjugais, a infidelidade amorosa, a condição da lavadeira, o feitiço e o enfeitiçado, o lamento da infância (consubstanciado na frustração do autor não ter ido à escola), a concretização da praga anunciada, e o lamento de morte, de amigo ou familiar próximo, são temas frequentes nas canções angolanas.

“Ueza Kungiambela”, um clássico de Mamukueno, é uma canção que lamenta a morte do seu pai, por assassinato, (Ueza Kungiambela, papá mugiba... vieram me dizer, que mataram o meu pai), são os versos iniciais desta canção.


Percurso de Mamukueno

Mamukueno, nome artístico de José Matias, começou a sua carreira musical em 1965, a tocar dikanza (reco-reco) numa turma, pequenas agremiações musicais, de bairro, que se emancipavam dos grupos de Carnaval.

Filho de Matias Domingos e de Maria Miguel, “Mamukueno” nasceu a 5 de Outubro de 1946, em Luanda, cidade onde iniciou a sua carreira musical. Em 1966, integra o grupo teatral “Estrela Negra”, como vocalista principal, com Paixão El Óscar, (puíta), Paquete (tambores) e Arnaldo Van-Dúnem (conhecido por Cascadura, harmónica,) e foi com este grupo que Mamukueno fez a sua primeira aparição pública nos palcos do Cine Ambriz, num período em que cumpria o serviço militar obrigatório, no exército colonial português.

De 1968 a 1970, funda o conjunto “Mamukueno e o seus Kubanzas”, uma formação musical que incluía o não menos célebre Ressurreição (tambores), músico imortalizado por Elias dia Kimuezo), Mário (guitarra ritmo), Jomar (dikanza), iniciando, a partir de 1970, a sua carreira a solo, inaugurada num espectáculo realizado no Cinema S. João.

Mamukeuno era presença frequente no N’gola Cine, Kutonokas, Kussunguila e Tamar. Em 1971, grava, pela editora Valentim de Carvalho, o seu primeiro single, “Ueza Kunguiambela”, seguindo-se outras gravações, perfazendo um total de sete singles.

Em 1972, Mamukueno interrompe a carreira musical para cumprir o serviço militar obrigatório, no exército colonial português, não se desligando totalmente da música. É assim que participa em concertos de pequena dimensão, essencialmente para militares, incluindo espectáculos nas festas municipais, como as da Nossa Senhora do Monte, na Huíla, isto até 1974, ano em que abandona o serviço militar.

Em 1974, fora da música, exerce a profissão de pintor de automóveis. Mas nunca deixou de compor músicas. Participava em algumas actividades culturais e de entretenimento, tais como o “Dia do Trabalhador”, no Ngola Cine, e nas festas da empresa em que trabalhava.

Em 1979, abandona a profissão de pintor de automóveis e integra os “Diamantes Negros”, um grupo musical da então Secretaria de Estado da Cultura de Angola, com Baião (guitarra solo), Nelinho (guitarra baixo), Betinho Feijó (Guitarra ritmo), Massikoka (teclas), Jesus Paulo Diogo (saxofone), Fausto, Mick (trompete) e Sabalo (trombone de vara), com Mamukueno, Dina Santos e Santocas na prestação vocal.

A primeira digressão de Mamukueno para o exterior do país ocorre em 1980, quando foi a S. Tomé e Príncipe, seguindo depois para Portugal, República Democrática Alemã, Cuba e URSS.

Com a extinção dos “Diamantes Negros”, Mamukueno integra o conjunto “Semba Tropical”, com o qual realiza importantes digressões no exterior, incluindo Londres, onde, em 1983, participa na gravação de um disco, seguindo-se depois a sua integração no projecto musical “Canto Livre de Angola”, no Brasil, realizado nas cidades do Rio de Janeiro, S. Paulo e Baía.

Depois de uma pausa involuntária na sua carreira, em 1985, Mamukueno retoma aos palcos, em 1990, ano em que recebe o Diploma de Mérito pelo Centro de Espiritualidade e Cultura “Monsenhor Cónego Manuel das Neves”.

Discografia do artista


No dia 30 de Outubro de 2005, surge a homenagem, pela Rádio Nacional de Angola, (programa “Poeira no Quintal”) e é lançado, em simultâneo, com a chancela desta estação emissora, o CD “Memórias de Mamukueno”, uma compilação das principais canções do cantor e compositor, gravadas, maioritariamente, na época colonial.

A reedição do CD “Ueza Kuguiambela” (vieram me dizer), acontece em Junho de 2006, e recebe, dois anos depois, uma Menção Honrosa, pela Rádio Escola, outorgada pela participação no Festival Som de Verão. Em 2009 surge o single promocional Tambu Lenu (recebam) com quatro faixas musicais.

O disco “Tambulenu”, editado depois com 12 músicas, teve a participação dos músicos Caló Pascoal, Pedrito, Betinho Feijó, Joãozinho Morgado e Chalita. No CD “Ueza Kungiambela”, com dez faixas, predomina o género semba, com participações de Nanutu, Dodó Miranda, DJ Mania, Caló Pascoal, Yeyé Júnior, Chalita.

Mamukueno revisitou a canção “Ueza Kunguiambela”, com novos arranjos, numa reedição que se revelou um sucesso. O cantor gravou, ainda na época colonial, com os Jovens Prenda, Ndimba Ngola e Corvos. Tem, resistido porque acredita na música.

Fonte: http://jornaldeangola.sapo.ao

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