Algo de novo na religião? - Por Carlos Pompe


O novo diretor da Administração Estatal para os Assuntos Religiosos da China, Wang Zuoan, anunciou, dia 14 de janeiro: “O Partido Comunista Chinês (PCC) começou a encarar a religião numa perspectiva mais positiva”. Disse que o país aprendeu com os erros da antiga União Soviética e dos países que formavam o Pacto de Varsóvia. Não disse, ou o Global Times (jornal do grupo Diário do Povo, órgão oficial do PCC), que divulgou sua entrevista, não informou quais foram esses erros e nem o que mudou na religião para que seja encarada mais positivamente.

Segundo Wang Zuoan, “a influência da cultura ocidental na China, incluindo o cristianismo, aumentou muito” e “é normal que a religião se desenvolva durante o processo de modernização”. A religião com mais adeptos naquele país é o budismo, seguida do islamismo (juntas, 60 milhões de seguidores) e do cristianismo (cerca de 20 milhões, dos quais dois terços protestantes). As informações que nos chegaram são muito resumidas. O tratamento dado à religião pelos governos que se propunham a construção do socialismo foi diferenciado e muito variado ao longo dos anos. A política dos soviéticos para o setor não era a mesma dos albaneses, que não coincidia com a dos cubanos, com a dos vietnamitas ou com a dos coreanos (a informação do Global Times não faz referências a Cuba, Vietnã ou Coreia do Norte).

O dirigente chinês considera normal o desenvolvimento da religião “durante o processo de modernização”. Não é esse o pensamento esposado pelos marxistas. Para Marx, Engels, Lenin e seus seguidores materialistas dialéticos, a religião é uma forma histórica de consciência social que vai se tornando desnecessária conforme evoluem os conhecimentos científicos e progride a civilização. Na sociedade dividida em classes antagônicas, a religião é, no geral, utilizada como instrumento da classe opressora para a defesa da mansidão das massas diante das injustiças sociais e de remetimento da solução de seus problemas, sociais ou naturais (como um terremoto), para forças sobre-humanas. A existência de setores progressistas organizados nas religiões institucionais e a atuação progressista e, mesmo, revolucionária de alguns religiosos são impotentes para mudar as características essenciais da religião.

Do ponto de vista filosófico (Wang Zuoan é formado em filosofia), continuam válidas estas palavras leninistas do Materialismo e empiriocriticismo: “Se existe uma verdade objetiva (como pensam os materialistas), se as ciências da natureza, refletindo o mundo exterior na ‘experiência’ humana, são as únicas capazes de nos dar a verdade objetiva, qualquer fideísmo é absolutamente refutado. Mas, se não há verdade objetiva, se a verdade (incluindo a verdade científica) é apenas uma forma organizadora da experiência humana, reconhece-se deste modo a premissa fundamental do clericalismo, abre-se-lhe a porta, arranja-se lugar para as ‘formas organizadoras’ da experiência religiosa”.
 
Os dirigentes chineses encontraram alguma mudança significativa na relação da religião com a política? Pelas notícias que a nós chegam, o dalai-lama continua, financiado pelo governo estadunidense, querendo retomar o poder no Tibete e tirar a região da influência chinesa. Líderes religiosos islâmicos incentivam atos assassinos de seus seguidores mais fanáticos. Sionistas mantêm a crença de ser um povo eleito, autorizado por Javé a cometer as maiores atrocidades contra palestinos e demais góis. Seguidores do papa Bento XVI são proibidos de recorrer ao aborto, usar contraceptivos (inclusive os protetores de doenças sexualmente transmissíveis, como a camisinha), e de realizar pesquisas com células-tronco, dentre outras desumanidades.

Mal Wang Zuoan anunciou sua visão da religião com uma “perspectiva mais positiva”, ocorreram, no dia 16, enfrentamentos entre cristãos e mulçumanos na cidade nigeriana de Khos, resultando na morte de quase 30 pessoas e 300 feridos. Os confrontos seriam o resultado da revolta de cristãos devido à construção de uma mesquita no bairro de Nassarawa Gwom. Parece que as palavras de Lucrécio, escritas no livro: Da Natureza, ainda antes de Cristo e de Maomé, continuam válidas: “Tão grandes males a religião persuadiu o homem a cometer”. Em Vitória da contrarrevolução em Viena, Karl Marx pontuou ser tarefa dos comunistas “extrair as lições corretas das lutas passadas, expô-las perante o povo, em primeiro lugar perante os operários, e levá-las na devida consideração nas lutas que estão por vir”. Seguido estas orientações o dirigente chinês talvez nos elucidasse sobre quais as transformações positivas que as religiões experimentaram recentemente, o que nos levaria a uma reavaliação da abordagem marxista do tema. Mas creio que isso ele não fará. Nem com reza brava.


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