Uma nova linguagem acadêmica - Por Adriana Natali
Pressionadas pelos avanços tecnológicos, as universidades começam a aceitar a defesa de teses em diversas plataformas; a questão é como fazer um bom uso desse processo
Se antes a imagem que a academia projetava era a de um rosto sisudo e quase autoritário, com distintos senhores confabulando a respeito de seus saberes, hoje é possível dizer que essa representação passa perto de uma pessoa jovem e conectada. Com a democratização do acesso ao ensino superior e a proliferação das novas tecnologias, era quase inevitável: a linguagem acadêmica está mudando.
Para conhecer a consequência desse processo, entretanto, ainda é preciso tempo, mas a representação máxima do conhecimento, ou seja, a formulação de teses acadêmicas, tem se beneficiado dessas novas possibilidades. Ao mesmo tempo que estudam o fenômeno social, as universidades se colocam na vanguarda de seus experimentos, com a permissão para que seus alunos apresentem dissertações em forma de blogs, livros, vídeos digitais ou via skype.
Tanto em pesquisas como no próprio ensino, é possível verificar, cada vez mais, a incorporação dessas novas tecnologias. Um dos exemplos concretos é o aumento na oferta de cursos a distância, mas, uma vez que os alunos chamados "nativos digitais" (nascidos depois dos anos 80) dominam as novidades tecnológicas, a academia passa a ser parte integrante desse processo, inserindo, crítica e reflexivamente, a apropriação e utilização destas novas linguagens no cotidiano do ensino, da pesquisa e da extensão.
Hoje é possível assistir a apresentações finais de TCCs, teses e dissertações por meio de vídeos digitais, fotografias, power point e até skype, por exemplo. Além disso, a grande maioria dos trabalhos é disponibilizada na internet. "Isso significa uma acessibilidade sem limites, incomparável com o formato tradicional do exemplar impresso nas mãos de poucos professores e na estante de uma biblioteca", afirma Paulo Cesar Duque Estrada, pró-reitor de pós-graduação e pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Apesar disso, segundo ele, acessibilidade não significa garantia imediata de maior entendimento do público em geral. "Quem recebe a informação terá de possuir capacidade para processá-las, ou seja, ainda não se inventou uma tecnologia que substitua o processo de formação acadêmica por meio do qual se adquire a necessária capacidade de pensar com rigor e, assim, se tornar um pesquisador ou pesquisadora", avalia.
Neste contexto, há duas linhas a serem pensadas, de acordo com a coordenadora do curso de letras da PUC de Minas Gerais (PUC-MG), Juliana Alves de Assis. O primeiro é que o uso de recursos tecnológicos pode, sim, tornar a apresentação mais dinâmica e interativa. O segundo é que há pesquisas que tomam a tecnologia e as práticas discursivas em que ela é empregada como objeto de estudo. Neste caso, o uso da tecnologia em questão pode ser imprescindível à compreensão do próprio objeto de pesquisa. "As tecnologias fazem parte de nosso cotidiano, das práticas sociais das quais participamos. Nessa medida, são importantes tanto como ferramentas para os eventos de interação do domínio acadêmico quanto como objetos de estudo", explica a professora.
O pesquisador é um dos que mais utilizam novas formas de tecnologia em seus trabalhos. Os sites e programas ligados à internet, os mecanismos para armazenamento e trabalho com dados coletados, tudo isso passa a ser mais rápido. "A depender da área do conhecimento, são indispensáveis recursos como imagens, vídeos, arquivos de som. Desse modo, a utilização de tecnologia poderia não apenas facilitar as apresentações, mas, principalmente, proporcionar-lhes maior qualidade de reprodução", afirma Mauro Dunder, doutorando em letras pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Bandeirante (Uniban). "Mas no que diz respeito a apresentações de trabalhos, a academia não se livrará tão cedo do apego que tem a determinadas tradições", completa.
Pedro Jacobi, professor da Faculdade de Educação e do programa de pós-graduação em ciência ambiental (Procam) da USP, concorda. Para ele, utilizar novas tecnologias não é tão simples, já que existe um ritual a se cumprir e um tempo disponível para apresentação. Mas ele se diz favorável a todo tipo de experimentação que possa complementar, de forma criativa, uma apresentação, assim como a transmissão online das defesas, o que abre espaço para um público muito mais amplo. "Tive a oportunidade de ver um orientando meu utilizar, na sua defesa, material em vídeo. O mais importante é analisar a qualidade do produto final. A academia ainda tem uma ritualística muito pouco criativa que dialoga quase nada com as novas mídias digitais", afirma.
Muitos docentes acreditam que as tecnologias devem servir ao conteúdo e não o contrário. Uma excelente ideia, por exemplo, não pode se tornar coadjuvante para um espetáculo de recursos tecnológicos ou que esse espetáculo esconda um vazio teórico. É necessário saber empregar a melhor linguagem tecnológica para que o conceito seja bem compreendido e a aprendizagem, favorecida. "O investimento em uma apresentação performática do ponto de vista tecnológico deve ser usado como ferramenta a serviço da elucidação dos tópicos centrais do trabalho. Esse deve ser o aspecto central a ser levado em consideração pelo aluno", defende Paulo Gomes Cardim, reitor do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. "Às vezes, até um power point atrapalha. Já vi muitas apresentações pirotécnicas inúteis e dispersivas. Em muitos casos, nada supera um bom debate", completa André Azevedo da Fonseca, coordenador do curso de comunicação social da Universidade de Uberaba (Uniube), em Minas Gerais.
Ele defende a ideia de que todos os trabalhos devem ser publicados na internet, o que tende a inspirar uma responsabilidade crescente nos alunos. "Por um lado, os estudantes se sentem mais motivados, pois, em vez de serem engavetadas, as suas produções intelectuais são publicadas e podem contribuir para a visibilidade profissional. Por outro lado, a publicação na web faz com que os alunos evitem o "copy/paste" [copia e cola] ou a simples má vontade, pois a visibilidade do trabalho facilita a denúncia", diz o professor.
Esse processo pode ainda ser facilitador do trabalho dos professores e alunos, na medida em que propicia a participação de um número maior de pessoas, sem restrição de tempo, espaço ou recursos e dá mais agilidade na busca de informação, com mais pessoas pesquisando conjuntamente. Além disso, podem ser replicadas indefinidamente. "A simulação ou a gravação de experiências, por exemplo, diminui a necessidade de laboratórios, materiais, professores e alunos presentes para realizar e/ou observar o que se está estudando", diz a professora do departamento de letras da PUC do Rio de Janeiro, Violeta Quental, para quem a tecnologia sempre auxilia o pesquisador, seja ela o lápis ou o computador, já que surge da pesquisa, muitas vezes dentro da própria academia. "Nesse sentido, o pesquisador é totalmente aberto ao uso da tecnologia. No entanto, ainda há muito a pensar em relação a uma nova linguagem na academia, a uma substituição completa da linguagem verbal por outras linguagens", afirma.
Consultora de educação a distância, a professora Márcia Augusta Marinho Petrone acredita que, se houverem aulas com boas questões, material contextualizado, desafios interessantes e criativos, a manutenção da mesma lógica "tecnoeducacional" nos projetos de conclusão de curso será natural.
"Os recursos podem tornar mais dinâmicos os processos, mais profundas as buscas de informação, mas o que dará a efetividade no processo educativo é a qualidade de como é desenvolvido o programa, de como o professor conduz os problemas, os temas escolhidos de interesse, a participação diversificada dos alunos, a busca das soluções criativas e importantes para a comunidade", explica a professora, para quem ainda é muito tímido o uso dessas tecnologias dentro das instituições. "Nos locais nos quais se formam professores, por exemplo, dificilmente vê-se o uso de tecnologias. Logo, não é de se espantar que os alunos usem muita tecnologia, mas fora da sala de aula. Certamente temos muitas experiências de sucesso e precisamos continuar a estudar, pesquisar, participar e promover a entrada de novos conhecimentos na escola", diz.
Para ela, o contexto de cada instituição de ensino, de seu corpo discente e até do docente, apresenta diferentes realidades, e isso precisa ser considerado. "Eu diria que nos cursos de pós será efetivamente mais fácil utilizar a tecnologia para exames, teses e bancas finais. A videoconferência suportaria facilmente essa situação e certamente os alunos não teriam dificuldades", diz.
Estimular o uso desses recursos durante todo o processo educativo do curso também é importante. Na PUC do Rio Grande do Sul, diferentes unidades acadêmicas dispõem de espaços educativos equipados para permitir o acesso e a inserção dos futuros profissionais na 'realidade tecnológica'. "Por conta disso, as apresentações dos trabalhos acadêmicos, em qualquer curso, podem envolver desde as tecnologias de suporte convencionais ao trabalho de sala de aula, como projetores multimídia e computador com acesso à internet, até a utilização de sofisticados recursos computacionais de simulação, ou mesmo a inserção de contatos virtuais síncronos, também via internet (skype) e/ou outras ferramentas de EAD, com professores ou especialistas, ou, ainda, integrantes de bancas examinadoras que não se façam presentes no campus, no momento das defesas", explica a diretora da Faculdade de Educação da PUC-RS, Marília Costa Morosini.
Quando os canais de acesso à informação são chancelados pela universidade, amplia-se o alcance da produção desses conhecimentos e as condições para a sua compreensão e entendimento por um maior número de receptores, não só da área acadêmica. "O papel da academia é também produzir ciência e tecnologia, estendendo à sociedade os frutos do seu trabalho, e não apenas disseminar o conhecimento historicamente acumulado pela humanidade no espaço restrito da sala de aula", diz Morosini.
Embora experiências como essas estejam sendo realizadas, o professor de sociolinguística da USP Luiz Antonio da Silva acredita que o acesso a esses recursos pelas instituições ainda é pequeno, principalmente nas universidades públicas. "Ainda assim, creio que a academia não deva ficar alheia às inovações tecnológicas, tomando o devido cuidado para não usar sem uma finalidade definida, isto é, apenas para parecer moderno", diz o professor, que orienta o aluno Artarxerxes Tiago Tácito Modesto, doutorando em letras pela USP, "um dos alunos que possuem experiências mais inovadoras com relação ao uso de novas tecnologias em apresentações finais de trabalhos", descreve.
Em sua dissertação de doutorado, ainda em curso, Modesto pretende utilizar conversas realizadas online e, como apoio, apresentar data show para exibir gráficos e emoticons (figuras usadas em ferramentas de bate-papo), entre outros elementos discursivos, além de, "quem sabe", fazer uma demonstração em tempo real dos fenômenos analisados na pesquisa, através da interação eletrônica. "Não acredito que os trabalhos tradicionais estejam com os dias contados. Afinal, as novas tecnologias não vieram substituir a episteme, mas sim conferir novas maneiras de se chegar até ela. Acredito numa simbiose natural entre os meios de divulgação tradicionais e os inovadores. Não há melhor ou pior, apenas maneiras diferentes de divulgar os resultados da investigação", diz o aluno.
Fonte: http://revistaensinosuperior.uol.com.br
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