Diálogo inter-religioso é desafio da sociedade - Por Muanamosi Matumona
Quando se fala tanto do diálogo e do encontro entre culturas e povos de todo o planeta, a religião não fica isenta destas mutações, que são próprias de todas as sociedades humanas.
Estas mudanças fornecem, naturalmente, um novo quadro antropológico e sociológico, levantando muitos problemas pertinentes e actuais que, naturalmente, interpelam ao homem. Para uns, as coisas complicam-se ainda mais, pois os encontros dos povos com algumas novidades de ordem religiosa têm provocado grandes e verdadeiros “choques”, a que os sociólogos chamam “choques das civilizações”, pois o fenómeno religioso abarca também a cultura.
Por isso, a “crise na esfera da religião”, por exemplo, implica também a “crise de identidade cultural”. Perante este dilema de conflitos e guerras entre as religiões, as instituições religiosas enveredam por outras vias, uma tarefa que não compete aos políticos. Como a religião exige uma sensibilidade própria (que talvez os políticos não a tenham), cabe aos líderes religiosos juntar esforços e ideias para encontrar soluções adequadas para que haja tolerância, harmonia e paz entre as religiões. Porém, a experiência e a própria história já deram indicações claras: o dossier não é nada pacífico. Exige uma compreensão e humildade séria para que o mesmo se transforme num processo de aproximação e de boa convivência entre homens e mulheres que não professam a mesma religião.
Insiste-se em reconhecer que a caminhada não é nada fácil, pois se o diálogo ecuménico, que põe em acção apenas os fiéis que acreditam em Jesus Cristo, não tem sido um “mar de rosas”, é fácil deduzir a complexidade de um processo que consiste em unir os que têm convicções e conteúdo de fé muito diferentes. E debatendo-se com este problema religioso, é toda a cultura que entra em “pânico”, uma vez que as crenças religiosas estruturam e fazem parte do universo cultural de qualquer povo. Daí, ao falar do encontro entre culturas e povos, fala-se também, e directamente, do encontro entre as religiões. Tudo isto veio à tona desde que a globalização, como fenómeno social, apareceu em grande. Por isso, quando se refere à globalização nas vertentes cultural, económica e política, deve-se referir também à “globalização das religiões”, pois não deixa de ser uma realidade que “aflige” a sociedade actual.
Mas o receio e as reticências sobre esta matéria não têm faltado quando é evocado o diálogo inter-religioso como a saída viável para estabelecer a harmonia entre as religiões, de modo a que a humanidade possa viver em paz. Se antes o homem sentia-se já muito inseguro perante a afirmação de grandes religiões, como o cristianismo, o budismo, o hinduísmo, o judaísmo e o islamismo, foi a 11 de Setembro de 2001 que a situação se agravou, confirmando que a religião pode ser também fonte de ódio, vingança, violência, divisão e morte.
O atentado histórico contra as famosas Torres Gémeas, nos Estados Unidos, perpetrado por Bin Laden e seus acólitos, mudou as relações entre os povos, culturas e religiões: o islamismo apareceu em grande como uma religião que aprova a violência, pois já se pode matar (sem problema de consciência), o homem em nome de “Alá”, e já se pode chamar infiéis aos que professam outro credo religioso, e já se pode reconhecer uma “guerra santa” entre gente de religiões diferentes. Porém, não foi este trágico evento que incentivou o diálogo entre várias religiões. Mas este acontecimento deu, apenas, outro sentido a este processo que visa a aproximação e a união entre todas as religiões, pois já há bastante que se registavam várias divergências entre as grandes religiões, que viviam na base de uma rivalidade invejável, quando ao mesmo tempo pregavam o amor a Deus e ao próximo. Que contradição!
E a Igreja Católica, considerada como o grande “depósito da fé” cristã, viveu também os efeitos negativos destas barreiras. Por isso, na década de 60, aquando do Concílio Vaticano II, a assembleia que veio mudar muita coisa no catolicismo romano, o problema do diálogo inter-religioso esteve à baila. Os padres conciliares quiseram encontrar mecanismo para ultrapassar, ou pelo menos diminuir, o conflito entre as religiões. Assim, aprovou a “Declaração Nostra aetate” - sobre a “ Igreja e as Religiões não cristãs” - um dos documentos que assinalou uma nova era na Igreja Católica. E a referida Declaração tem história: em meados de 1962, a pedido do Papa João XXIII, o Cardeal Bea elaborou uma nota sobre os judeus. O documento tinha apenas 42 linhas. Porém, o texto foi ampliado e surgiu em forma de declaração, que falava não só dos judeus, mas também dos muçulmanos e de outros.
Em pleno Concílio, o documento foi emendado e aprovado, em 11 de Outubro de 1965, frisando logo no primeiro parágrafo: “Hoje, que o género humano se torna cada vez mais unido, e aumentando as relações entre vários povos, considera primeiramente tudo aquilo que os homens têm de comum e os leva à convivência”. E termina assim: “Não podemos, porém, invocar Deus como Pai comum de todos, se nos recusamos a tratar como irmãos alguns homens, criados à Sua imagem. De tal maneira está ligada a relação do homem a Deus Pai e a sua relação aos outros homens seus irmãos, e a Escritura afirma ‘quem não ama o irmão não conhece a Deus’” (Nostra Aetate nº 5).
Na verdade, esta Declaração tem tido uma consideração muito forte entre os católicos, e não só, algo fundamental para incentivar todos a trabalhar a favor do diálogo inter-religioso, uma empreitada assumida por muitos, e que vai dando alguns frutos, embora com dificuldades. O importante é que não haja mais guerra em nome de Deus.
Fonte: http://jornaldeangola.sapo.ao
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