Na China, a fé é dividida entre duas autoridades - Por Didi Kirsten Taltow
Uma mistura estranhamente agradável de música barroca italiana e tradicional chinesa corria pela Catedral Sul em recente noite de domingo, enquanto o grupo musical Sacabuche e músicos de Pequim executavam um tributo artístico ao padre jesuíta Matteo Ricci, que morreu há 400 anos nesta cidade.
A união e briga do trombone e o violino do século 15 com o instrumento de cordas antigo zheng e o sheng, que soam mais poderosos no final da composição de Huang Ruo, de Nova York, pareciam espelhar o conflito dentro da igreja católica neste Natal. A igreja “patriótica” estatal e o Vaticano estão novamente brigando pela consciência dos fiéis. O Vaticano, na semana passada, acusou as autoridades religiosas chinesas de “intolerância intransigente” e os chineses rejeitaram a acusação como “arbitrária e rude”.
Séculos após a morte do primeiro missionário de sucesso de Roma na China, o Estado chinês ainda discute a alegação do Vaticano de deter valores “universais” e está determinado a controlar o impacto do catolicismo em casa. Muitos padres e fiéis católicos sentem-se divididos, obrigados, e muitas vezes desejosos, de seguir Pequim, mas também querendo seguir Roma. A China cortou laços com o Vaticano pouco depois da revolução de 1949, estabelecendo uma igreja nacional, a Associação Católica Patriótica Chinesa, em 1957.
O Vaticano não reconhece a igreja “patriótica” e, em vez disso, trabalha secretamente com padres chineses -com sucesso crescente. Aparentemente, 85% dos padres na igreja estatal reconhecem em privado a autoridade espiritual do papa, disse Meng Weina, católica e fundadora da Huiling, organização para doentes mentais financiada por organizações da igreja do exterior.
O catolicismo está prosperando aqui. Desde 2004, cerca de 100.000 chineses entraram para a Igreja anualmente, e 300 novas igrejas foram construídas, elevando o total para 6.300, de acordo com números oficiais. Foram consagrados 25 novos bispos. A igreja estatal diz que há mais de 6 milhões de católicos. Alguns especialistas acreditam que o número verdadeiro seja o dobro quando a igreja clandestina é incluída.
Muitos católicos comuns se sentem mal com a cisão entre Pequim e Roma e parecem confortáveis com a mistura pragmática dos dois. Nos últimos anos, a igreja estatal tacitamente procurou se adequar e cooperar, ordenando bispos após consultas discretas com o Vaticano. Uma exceção foi a nomeação em 2006 de Joseph Ma Yinglin como bispo de Kunming, na província de Yunnan, no sudoeste. O Vaticano automaticamente excomungou o bispo Ma, por ser ordenado sem a aprovação do papa.
Depois, em novembro, as autoridades religiosas chinesas ordenaram Joseph Guo Jincai como bispo de Chengde, agindo sem a aprovação do Vaticano pela primeira vez em quatro anos. As tensões cresceram neste mês, quando a igreja estatal reuniu-se no 8º Congresso Nacional de Representantes Católicos e selecionou um novo líder para os bispos chineses -o mesmo bispo Ma.
Muitos católicos viram os movimentos como uma série de insultos calculados. O Vaticano disse que Pequim havia forçado os bispos a tomarem parte no congresso e acusou o governo chinês de “um desejo persistente de controlar a área mais íntima das vidas dos cidadãos, ou seja, sua consciência”.
Ao menos um bispo, Joseph Li Liangui, parece ter se recusado a participar do congresso e desapareceu, de acordo com a Union of Catholic Asian News, o serviço de notícias católico asiático. Alguns católicos que ouviram falar de seu desaparecimento acreditam que ele esteja escondido. Eles também dizem que Wei Jingyi, bispo clandestino da diocese de Qiqihar, emitiu uma carta pastoral em apoio às críticas do Vaticano e chamando os chineses católicos a se unirem a ele.
Na quarta-feira, o governo contra-atacou.
A declaração do Vaticano foi “imprudente e sem base” afirmou a agência de notícias oficial Nenhuma. E ela citou um porta-voz da administração estatal de assuntos religiosos: “As organizações religiosas chinesas precisam receber ‘uma autorização majestosa’ ou uma ‘aprovação graciosa’ de um grupo estrangeiro para eleger sua liderança?”
Meng está pedindo que os católicos “chorem” pela igreja neste Natal.
“Chorem por nossa igreja que foi dividida, chorem pelos bispos que participaram do encontro, chorem por nossas próprias fraquezas, pela mordaça do nosso governo, por como a Santa Sé e as autoridades religiosas não puderam encontrar uma solução por décadas”, disse ela em uma declaração na Internet.
Contudo, ela também criticou Roma por não entender que muitos católicos chineses encontraram uma via satisfatória para sua devoção por meio da igreja estatal. “A Santa Sé está fixada na igreja clandestina e não vê como a sociedade chinesa já é bastante pluralista”, disse ela, exortando maior cooperação entre os dois lados.
Ela previu dificuldades adiante. “Para nós católicos, este Natal vai ser muito diferente. O governo vai nos observar de perto”. No último domingo, na Catedral Sul estatal, onde Matteo Ricci pregou, as conquistas dos católicos chineses estavam à vista. Cerca de 500 pessoas tinham se reunido para um batismo em massa de 167 novos convertidos.
Os batismos também ocorreram na Catedral Leste e Norte de Pequim. O reverendo Justin Liu Zhe, capelão assistente da Catedral Sul, disse que cerca de 400 pessoas foram batizadas na cidade naquele dia. Depois, Wang Yunpeng, 22, com vestes brancas curtas como todos os novos membros da igreja, encontrava-se do lado de fora da igreja, no vento frio, com sua guia religiosa e “irmã”, Jenny Jiang, celebrando seu novo status.
“A igreja me dá uma direção na vida que não consigo nem colocar em palavras. É uma sensação que eu não tenho em nenhum outro lugar”, disse ela. Outra “irmã” -cada convertido era acompanhado por uma “irmã” ou “irmão”- confidenciou que era seguidora de Roma. “Ouço Roma”, disse ela pedindo anonimato por causa da delicadeza do assunto. “Mas estou aqui porque esta é a nossa igreja local e queremos estar aqui.”
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