Arte via correio - Por Elton Alisson
O Museu de Arte Contemporânea (MAC) da Universidade de São Paulo (USP) guarda em seu acervo a mais importante coleção de arte conceitual internacional no Brasil.
Composta por obras de artistas europeus, especialmente do leste da Europa, que são extremamente importantes hoje no cenário de arte contemporânea mundial, o acervo foi formado pelo MAC USP por meio da atuação da instituição como um dos destinatários de uma rede de arte postal que artistas latino-americanos e europeus estabeleceram pelo correio nas décadas de 1960 e 1970, quando seus países enfrentavam regimes ditatoriais.
A constatação foi feita por Maria Cristina Machado Freire, professora associada e vice-diretora do MAC USP, por meio de pesquisas que realizou nos últimos anos no acervo do museu, com apoio da FAPESP.
De 1997 a 1999, por meio do projeto intitulado “A estética do processo. Arte conceitual no acervo do Museu de Arte Contemporânea da USP: levantamento e pesquisa”, Freire começou a investigar a coleção de obras de arte conceitual do MAC USP, que compreende as décadas de 1960 e 1970 e estava esquecida dentro da instituição.
No decorrer da pesquisa, ela percebeu que havia uma forte presença no acervo de trabalhos de artistas de países como Tchecoslováquia, Hungria, Polônia, Iugoslávia e Alemanha Oriental e achou que isso representava um dado bastante importante e merecia uma investigação mais aprofundada.
Com base nessa descoberta, em 2005, por meio do Projeto Temático: “Lugares e modos críticos da arte contemporânea nos museus”, também financiado pela FAPESP, a pesquisadora começou a fazer um levantamento de todos os artistas do acervo do museu que eram naturais dos antigos países socialistas do Leste Europeu e a analisar as relações e as questões comuns de suas obras com as dos artistas da América Latina.
Freire identificou que os artistas das duas regiões utilizavam o correio como um meio privilegiado para furar o bloqueio da censura e da repressão impostas pelos regimes ditatoriais que enfrentavam nas décadas de 1960 e 1970 e estabelecer uma rede de arte postal e de troca de informações artísticas.
E que algumas instituições, como o MAC, operaram nesse circuito alternativo de comunicação como destinatário e ponto de encontro de trabalhos enviados de todo o mundo, que chegavam ao museu público e universitário pelo correio.
“Nessa época, o MAC organizava exposições internacionais e nacionais a partir de editais ou convocatórias feitas pelo correio. O museu enviava cartas para artistas do mundo inteiro, convidando-os para participar de suas exposições, e eles enviavam seus trabalhos pelo correio simplesmente por solidariedade e para estar participando de um sistema de troca de informações artísticas, alheio ao mercado de arte, da mídia e dos centros artísticos hegemônicos, que hoje já não existe mais”, disse Freire à Agência FAPESP.
Segundo Freire, o MAC se tornou durante a ditadura o centralizador de obras de arte conceitual de artistas de todo o mundo, formando o mais importante acervo do gênero no país, especialmente pelo pioneirismo e vanguardismo da instituição.
“Nos anos 1960 e 1970, quando a arte passava por um momento de redefinição, em que não só a pintura, escultura, desenho e gravura – as chamadas belas-artes – mas o corpo em performance, as instalações e a fotografia também passaram a ser reconhecidos como tal, o MAC foi um dos primeiros museus de arte contemporânea brasileira a acolher todas essas novas perspectivas de arte”, disse.
À frente do museu, em 1970, estava Walter Zanini, que foi o primeiro diretor da instituição e se empenhava para realizar exposições de qualidade e que não demandassem muito recurso. Para isso, ele convidava os artistas por meio de uma rede de arte postal, que viabilizou a participação de muitos artistas europeus, sobretudo do Leste da Europa, nas exposições.
“Os trabalhos desses artistas que temos no acervo do MAC é extremamente importante não só pela importância deles hoje no cenário da arte contemporânea mundial, como pelo tipo de poética que eles realizaram nas décadas de 1960 e 1970. Hoje, seria impossível para o museu adquirir algumas dessas obras, que foram doadas pelos artistas na época”, disse Freire.
Redes alternativas
Entre as obras presentes na coleção de arte conceitual do museu estão fotografias de performance e ações de artistas usando o próprio corpo, que foi um meio bastante privilegiado de expressão utilizado tanto por artistas do Leste Europeu como os da América Latina nos “anos de chumbo”, quando os meio de reprodução eram limitados ou proibidos.
“Na época, até os mimeógrafos eram controlados. A fotografia despontava como um meio de se reproduzir e distribuir mais facilmente pelo correio as obras que os artistas estavam fazendo, muitas vezes, de forma clandestina”, disse Freire.
Algumas dessas obras estão reunidas na exposição Redes Alternativas, sob a curadoria da pesquisadora, que está em cartaz no MAC USP.
Derivada do Projeto Temático, a mostra apresenta 40 trabalhos de artistas latino-americanos e do Leste Europeu que se valeram, direta ou indiretamente, da fotografia como expressão metafórica de liberdade.
Entre os trabalhos selecionados para a exposição estão a obra Veículo, de 1973, do artista polonês Krzysztof Wodiczko, e Flagelação, do tcheco Petr Stembra.
Antes de São Paulo, esse recorte do acervo do MAC USP foi apresentado em Stuttgart, na Alemanha, em 2009, como parte da exposição internacional: Subversive Practices. Art under Conditions of political repression 60’s – 80s South America/Europe.
A exposição Redes Alternativas ficará aberta até 18 de dezembro no MAC USP, que está situado na R. da Praça do Relógio, nº 160, na Cidade Universitária, em São Paulo, e poderá ser vista pelo público nas terças e quintas, das 10h às 20h, e às quartas, sextas, sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h. A entrada é franca.
Mais informações: www.mac.usp.br
Fonte: http://agencia.fapesp.br
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