Games agora são forma de arte, mas qual a responsabilidade deles? - Por Seth Schiesel
“Como livros, peças de teatro e filmes protegidos que os precederam, os videogames comunicam ideias –e até mesmo mensagens sociais– por meio de muitos elementos literários familiares (como personagens, diálogos, trama e música) e por meio de características próprias do meio (como a interação do jogador com o mundo virtual)”, escreveu o ministro Antonin Scalia em nome da Suprema Corte na segunda-feira, em um caso que nasceu do esforço da Califórnia de proibir a venda de videogames violentos para menores. “Isso basta para conferir a proteção da Primeira Emenda.”
Bem, eu estou feliz por termos cuidado disso. Não é toda década que uma nova mídia se junta à palavra escrita e falada como membro da classe especial de empreendimento protegido, que consideramos vital para o funcionamento de uma sociedade democrática e pluralista. A última grande foi o cinema, há cerca de 60 anos.
Como Scalia apontou, a Suprema Corte considerou originalmente os filmes para cinema como indignos da proteção da Primeira Emenda (liberdade de expressão) Em 1915, a corte decidiu que os Estados podiam censurar os filmes, porque os filmes podiam ser “usados para o mal”. Foi apenas em 1952 que a corte concedeu reconhecimento constitucional aos filmes. (Vale notar que, historicamente, a televisão não recebeu plena proteção da Primeira Emenda, porque a televisão usa bandas de transmissão públicas.)
E agora os videogames –por mais vulgares, grosseiros, enojantes e indefensáveis que frequentemente sejam– finalmente foram plenamente reconhecidos como um elemento digno de nossa cultura.
É claro que aqueles entre nós que de fato jogam videogames já tinham percebido isso há muito tempo. Nós sabíamos que os videogames mais importantes não eram apenas uma questão de tecnologia ou coordenação neuromuscular, mas de encontrar novas formas de explorar e pensar tanto os relacionamentos humanos quanto o mundo mais amplo à nossa volta.
Nem todos os games permitem isso. Nem mesmo a maioria deles. A maioria dos videogames –como a maioria de qualquer meio– é lixo insípido. Mas é claro que o lixo insípido de uma pessoa –sejam livros, filmes, programas de TV ou games– é a obra-prima de outra. O sentido é que como princípio básico, essas decisões sobre valor e importância devem ser deixadas por conta do indivíduo e protegidas dos políticos. É disso que trata a Primeira Emenda.
A decisão de segunda-feira invalidou a lei da Califórnia que pretendia regular a venda de videogames violentos para crianças. Como uma pessoa que joga centenas de horas de videogames violentos a cada ano, eu certamente reconheço que muitos são extremamente impróprios para crianças. Seria inconcebível permitir a uma criança pequena passar horas assistindo, muito menos controlando, as cenas sangrentas de alguns jogos, assim como seria deixá-las assistir a um filme de tortura proibido para menores.
Em games como “Grand Theft Auto IV”, situado em uma versão satírica de Nova York, certamente há jovens de 16 anos que apenas embarcarão na selvagem onda de crime virtual. E também há jovens intelectual e emocionalmente precoces de 14 anos que apreciarão o alfinetar ao vazio americano contemporâneo, como visto pelos olhos de um imigrante dos Bálcãs chamado Niko Bellic.
Isso não significa que os varejistas devam vender de tudo para qualquer um. A indústria dos videogames adotou um sistema interno de classificação etária que é, no mínimo, tão eficaz quanto o sistema igualmente privado e voluntário dos filmes de Hollywood. É apenas responsabilidade de qualquer indústria de mídia dar aos pais informação a respeito do conteúdo violento e sexual de seus produtos. Mas como o tribunal julgou na segunda-feira, decidir a que ideias as crianças podem ser expostas não é o papel do governo.
É claro, eu fiquei lisonjeado por um artigo meu ter sido citado pelo ministro Samuel A. Alito Jr. em sua opinião concordante (acompanhada pelo ministro-chefe John G. Roberts Jr.). Eu concordo com a posição deles, e minha, de que as pessoas estão interagindo com videogames de uma forma cada vez mais interativa e natural. Mas apesar de terem se concentrado na ideia de que a maior interatividade pode tornar os jogos violentos mais perigosos, eu acredito que esse envolvimento pode tornar o jogador mais ciente das consequências potenciais de sua ação. Um jogador que pode imitar o movimento de um taco de beisebol para esmagar um crânio, uma possibilidade levantada por Alito (apesar de desconhecer esse jogo), pode se tornar mais consciente da brutalidade desse ato.
De modo prático, os pais devem ter um maior controle sobre o que seus filhos jogam em vez de que filmes assistem. Primeiro, o preço de US$ 60 dos principais jogos faz com que os pais estejam mais envolvidos nessas compras do que na compra de um ingresso de cinema. E com a morte das casas de diversões eletrônicas, quase todos os grandes jogos atualmente são jogados em casa. Assim, os pais devem saber o que seus filhos estão jogando.
Mas a verdadeira importância da decisão de segunda-feira não se apoia nos aspectos práticos. As leis tanto refletem quanto moldam as sociedades que as criam. Esta decisão reflete a sociedade em que os videogames já se tornaram a mais vibrante nova forma de entretenimento em décadas.
A verdadeira pergunta é como esta decisão molda a sociedade. A indústria do videogame há muito desfruta de sua postura adolescente de “eles não nos entendem”. Isso levou os criadores de jogos, assim como adolescentes ressentidos, a agirem de certos modos, promovendo, por exemplo, alguns jogos antissociais sem nenhuma redenção.
Agora que o setor finalmente conseguiu o que pedia, ele não pode mais se passar por uma vítima discriminada, incompreendida. É hora de crescer e mostrar ao mundo o que é possível fazer com sua nova respeitabilidade. O setor a usará para acobertar o lixo colocado no mercado, ou se erguerá à altura da oportunidade e responsabilidade que lhe foi concedida?
O tribunal decidiu que videogames são arte. Agora cabe a projetistas, programadores, artistas, roteiristas e executivos mostrar que arte eles podem produzir.
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