A literatura é perigosa, diz Péter Esterházy - Por Daniel Benevides

Péter Esterházy, húngaro frequentemente cotado para o Nobel, vem para a Flip sem "nenhuma expectativa concreta, só um desorientado e bom pressentimento".


Autor prolífico, com mais de 30 títulos na bagagem, teve dois de seus livros traduzidos no Brasil diretamente do húngaro, ambos pelo estudioso Paulo Schiller: "Uma Mulher" e, agora, "Os Verbos Auxiliares do Coração".


São textos em que a ficção se mistura a elementos autobiográficos, num jogo permanente entre a linguagem e a memória.


Em "Os Verbos Auxiliares do Coração", escrito logo após a morte da mãe do autor, há pelo menos três eixos narrativos, que convivem às vezes numa mesma página, graficamente dividida em dois blocos: um maior, com o relato propriamente dito, e um menor, colocado abaixo.


Este surge como uma nota de rodapé rebelde, que não se aceita como tal e ainda desafia o texto principal, ao qual se relaciona de maneira quase sempre enigmática.


O escritor húngaro Péter Esterházy
O escritor húngaro Péter Esterházy

Filho da alta aristocracia, formado em matemática e devoto do futebol, Esterházy, 61, viveu as consequências do domínio soviético (1947-1989) e, por isso, vê a literatura como tendo "sempre relação com a liberdade. Quanto mais fraca democracia, mais força ganha esse papel".


A seguir, trechos da entrevista feita por e-mail com auxílio da tradutora Lorena Vicini, que verteu as perguntas para o alemão (única língua que o escritor fala, além do húngaro) e depois as respostas para o português:


Folha - O sr. declarou que passou a juventude lendo e jogando futebol. Que tipo de leitor era e em que posição jogava?


Péter Esterházy - Eu jogava com a número oito. Era aquele que nem chuta para o gol nem marca direito. Joguei na quarta divisão, mas era inteligente. Como leitor sou melhor. Sou realmente um leitor dedicado. Devoro tudo.


Muitos escritores atuais tendem a levar a narrativa ao limite do ensaio ou da autobiografia. Como o sr. vê o quadro geral da literatura atual?


Sim, eu busco não fazer distinção entre ficção e não ficção. E tento extrair tudo da linguagem. Não creio que haja uma direção principal na literatura. Apesar disso, às vezes acho que existe um novo temor, o temor da complexidade. Se isso é verdade, não é um acontecimento agradável.


Como escritor, o senhor ainda se considera um pedreiro, que empilha um tijolo de texto sobre o outro, como disse certa vez? Diria que esse aspecto lúdico é essencial em sua obra?


Acredito que sim. Isso significa que o trabalho é algo muito importante. Pensamentos muito perspicazes podem ser formulados sobre o ato de escrever, mas isso vale de muito pouco ou nada --o importante é o fazer.


Uma frase recorrente em "Os Verbos Auxiliares do Coração" é "Toda expressão é suave demais". No contexto, parece dizer que a literatura não dá conta da solidão, a crueldade e a morte.


As palavras são sempre insuficientes e nós podemos sempre tomá-las como esperança. Mas contra a morte elas não ajudam. Talvez possam servir contra a dor que se sente em relação à morte. Mas a literatura não é um meio de curar a dor, como uma aspirina contra a dor de cabeça. A literatura não é prática, mas perigosa.


Está escrevendo algum livro novo? Quais são seus próximos planos?


Planejo um pequeno livro, com o título provisório "Histórias Simples [Singelas]". E estou escrevendo um texto de oratório para o compositor Péter Eötvös. Vai ser um oratório balbuciante.


OS VERBOS AUXILIARES DO CORAÇÃO
AUTOR Péter Esterházy
EDITORA Cosac Naify
TRADUÇÃO Paulo Schiller

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Negociar e acomodar identidade religiosa na esfera pública"

Pesquisa científica comprova os benefícios do Johrei

Por que o Ocidente despreza o Islã