As religiões e o enigma da morte - Por Francisco José da Silva
A morte é uma das questões fundamentais da vida humana. O grande mistério que nos ronda e que dá sentido a nossa vida. A morte não diz respeito apenas ao fim físico, mas a possibilidade do nada existencial. Os grandes filósofos como Sócrates, Epicuro, Schopenhauer, também se dedicaram à reflexão sobre a morte, mas nem sempre de forma unânime. Todas as religiões têm alguma explicação para o fato da morte e dela tiram ensinamentos morais e espirituais.
As religiões primitivas sempre viram a morte como uma porta de entrada para a dimensão espiritual. Isso é patente na religião dos antepassados na China, nos xamanismos, nas religiões animistas etc. Na Índia, é evidente o reconhecimento de uma vida pós-morte na ideia de transmigração e reencarnação (Hinduísmo), apesar de o Budismo propor a cessação das encarnações (Samsara) através da iluminação e do Nirvana.
Entre as religiões orientais destaca-se a do Egito antigo, que criou todo um cerimonial e uma arquitetura sobre a morte, como vemos no “Livro dos Mortos” e nas Pirâmides. O culto aos mortos sempre fez parte da religião egípcia, a crença na vida pós-morte é algo característico em sua religião, prova disso é o mito de Isis e Osíris. Entre os gregos, a morte é vista como uma passagem para o mundo das sombras, o Hades. Hermes era o deus conhecido como psicopompo, aquele que conduzia as almas ao mundo dos mortos. Os gregos fizeram da morte um grande tema de suas tragédias, como a Antígona, na qual a personagem procura garantir o direito às honras fúnebres de seu irmão. Por culpa do rei, que o considerava inimigo, Antígona enfrenta as leis humanas em nome de um direito anterior e divino que garante a seu irmão uma morte digna e funerais.
O Judaísmo, por sua vez, encara a morte como fruto da desobediência ao mandamento divino. A morte é fruto do pecado. Segundo o relato do Gênesis (cap.3), era permitido comer de todos os frutos do paraíso, exceto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Caso dela comessem, morreriam. A serpente conseguiu, então, seduzir Eva, e ela comeu e ofereceu a Adão.
Assim, em Eva e Adão todos pecaram e tiveram como pagamento a morte (Rm 5,12) e, com isso, fomos privados da árvore da vida (Gen cap.3, 22). Tal texto, que parece fábula infantil, na verdade revela a compreensão mítica da condição humana, a qual sem a referência ao Absoluto torna-se incapaz de encontrar critérios para o agir.
O conhecimento, por si mesmo, segundo o mito do Gênesis, não dá conta de orientar nossas ações – na verdade, nos conduz à “hybris” e à morte, ao orgulho e prepotência de ser auto-suficiente. Alguns textos do Antigo Testamento transparecem uma visão pessimista da vida e apontam para a morte como fim. Como exemplo disso podemos citar o livro de Jó e o Eclesiastes (cap.1).
Para o Cristianismo, o sacrifício de Cristo vence a morte na medida em que sua ressurreição é o sinal de sua vitória. Segundo a liturgia cristã, o batismo e a eucaristia são como que uma forma de morte ritual, na qual somos mortos com Cristo para depois ressuscitarmos com ele (1Cor 11,17-34). Paulo deixa claro que a ressurreição de Cristo é o cerne de nossa fé, sem a qual esta é vã (1Cor 15,17). A morte finalmente foi vencida em Cristo e todos somos herdeiros dele (Ap 1, 9-20).
O Reino de Deus é, pois, o reino onde, no lugar da fome, temos a partilha, no lugar do assassinato de crianças (aborto) teremos a vida dos inocentes, no lugar da miséria teremos a solidariedade, no lugar da violência, o amor ao próximo, no lugar da corrupção política teremos o poder como serviço a todos. Enfim, o Reino de Cristo é o reino da vida em abundância, de vida plena, celebrado na Eucaristia, o grande memorial de sua morte, mas, sobretudo, de sua vida em favor de todos.
Francisco José da Silva é professor de Filosofia da Universidade Federal do Ceará.
fonte: http://www.opovo.com.br/
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