Reencarnação e Psicoterapia: como abordar eticamente as crenças espirituais dos pacientes que buscam psicoterapia? - Por Danielle Flöter
Segundo Data Folha 37% das pessoas no
Brasil acreditam em reencarnação e conforme World Values Survey esta crença é
professada por grande parte da população mundial, que naturalmente podem
procurar psicoterapia
A crença na reencarnação – envolve um
ciclo contínuo de aprendizado e evolução através das vidas sucessivas – é
encontrada ao longo da história humana em diferentes épocas e culturas. Deste
ponto de vista, as dificuldades são transitórias e podem ser superadas quando
suas lições que as adversidades trazem são absorvidas.
O psicólogo clínico e doutor em
Neurociência e Comportamento pela USP, Julio Peres, publicou há dois dias o
artigo: “Should psychotherapy consider reincarnation?" no Journal of
Nervous and Mental Disease (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22297317).
“Há um crescente reconhecimento da
necessidade de se levar em conta o ambiente cultural e os sistemas de crenças
dos pacientes na psicoterapia. Respeitar as opiniões e realidades subjetivas do
paciente é uma necessidade terapêutica e um dever ético, mesmo que os
profissionais não compartilhem das mesmas crenças”, explica.
Em todo o mundo há um grande número de
pessoas que crêem na reencarnação. Segundo dados do World Values Survey, tal
crença é professada por 22,6% da população nos países nórdicos, 27% na Europa
Ocidental, 20,2% na Europa Oriental; já nos Estados Unidos o número chega a 27%
(Gallup, 2003) e no Brasil a 37% (Data Folha, 2007).
Parte importante da
cultura, as crenças religiosas têm papel importante na formação de juízos e no
processamento de informações, auxiliando muitas pessoas a organizarem ou
compreenderem eventos dolorosos, caóticos e imprevisíveis que podem gerar
sintomas diversos como Fobias Específicas e Transtorno de Estresse
Pós-Traumático.
A inclusão de “problemas religiosos ou
espirituais” como categoria diagnóstica no DSM-IV (American Psychiatric
Association, 1994) reconhece que os temas religiosos e espirituais podem ser
foco da consulta psiquiátrica/psicológica.
“Estar confortável para abordar com
o paciente temas sobre espiritualidade e religiosidade como a reencarnação é o
primeiro de uma série de passos para que o processo terapêutico siga as
diretrizes éticas”, postula o psicólogo clínico.
“A integração da crença
reencarnacionista durante a psicoterapia requer profissionalismo, conhecimento
e capacidade de alinhar as informações coletadas sobre os valores do paciente
para o benefício do seu processo terapêutico. Questionamentos como psicólogos e
psiquiatras devem discutir reencarnação com seus pacientes?, quais são os
limites profissionais quando temas religiosos e/ou espirituais são trazidos?
foram esclarecidos”, afirma Julio Peres.
Recentemente um artigo no The New York
Times (Lisa Miller) afirmou que o interesse na reencarnação está em ascensão, e
os responsáveis pela divulgação não são monges ou teólogos, mas terapeutas.
“Esta notícia nos indica uma abertura terapêutica saudável, mas também uma
preocupação com ‘falsos-terapeutas’ que não possuem um treinamento clínico
adequado para conduzir a psicoterapia”, ressalta Julio Peres.
“Atribuir
significados aos sintomas de ansiedade, desajuste, fobia específica ou estresse
pós-traumático, alinhados aos conteúdo de supostas vidas passadas – se essa for
a crença do paciente – podem favorecer a atenuação ou libertação dos sintomas.”
As práticas religiosas que envolvem a
reencarnação, por exemplo, desempenham um papel ativo no desenvolvimento de
mecanismos saudáveis de enfrentamento por refugiados tibetanos. Não tão
distante, uma engenheira de 38 anos e mãe de três filhos, se sentia incapaz de
se relacionar com um deles.
“Ela não conseguia expressar afeto e evitava o
contato com essa criança, sem compreender as causas deste distanciamento. Por
acreditar na reencarnação e no fato que ‘somos um pai ou um filho nesta vida
por alguma razão’, buscou algumas abordagens psicoterápicas até sentir que sua
crença em relação à reencarnação era aceita. Ao sentir confortável para expor
suas dificuldades com seu filho relacionando-as com o que acreditava, a
paciente conseguiu se ouvir, gerar novos comportamentos e um equilíbrio na
relação com o filho durante o processo terapêutico”, exemplifica Julio Peres.
“Porém, para que isso acontecesse foi preciso entender a relação entre os sintomas
apresentados por ela, as crenças na reencarnação e o significado da evolução
espiritual para a paciente.”
O Conselho Federal de Psicologia (CFP),
em nota pública sobre Psicologia e religiosidade no exercício profissional à
sociedade e aos psicólogos, esclarece que “Não existe oposição entre Psicologia
e religiosidade, pelo contrário, a Psicologia é uma ciência que reconhece que a
religiosidade e a fé estão presentes na cultura e participam na constituição da
dimensão subjetiva de cada um de nós.”
http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/noticias/noticia_120228_001.html. Portanto,
assim como qualquer pessoa pode procurar tratamento psicológico alinhado aos
seus valores e crenças, a reencarnação deve ser levada em conta pelos
psicoterapeutas, que devem procurar formação adequada em abordagens coerentes e
eficazes sem misticismo ou práticas divinatórias.
“As informações obtidas na
psicoterapia devem ser sobre o que os pacientes acreditam, o que exige
conhecimento de estratégias objetivas para otimizar o enfrentamento das
dificuldades com base neste sistema de crenças”, ressalta Julio Peres,
psicólogo clínico e doutor em Neurociência e Comportamento pela USP.
O artigo: “Should psychotherapy consider reincarnation?" é a primeira publicação
científica sobre a interface equilibrada entre reencarnação e psicoterapia, que
também oferece contribuições ponderadas em tópicos que discutem os riscos e as
contraindicações.
Curriculum Julio Peres
Psicólogo clínico e Doutor em
Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia da Universidade de
São Paulo. Fez Pós-doutorado no Center for Spirituality and the Mind,
University of Pennsylvania e na Radiologia Clínica - Diagnóstico de Imagem pela
UNIFESP. Autor de estudos que investigaram os efeitos neurobiológicos da
psicoterapia através da neuroimagem funcional (Psychological Medicine 2007 e
Journal of Psychiatric Research 2011). Pesquisador do Programa de Saúde,
Espiritualidade e Religiosidade (PROSER) do Instituto de Psiquiatria da
Universidade de São Paulo e Professor Titular de Psicotraumatologia Clínica do
Hospital Pérola Byington. Autor de artigos científicos sobre psicoterapia,
trauma psicológico, espiritualidade/religiosidade, reencarnação, resiliência,
superação e dos livros "Trauma e Superação: o que a Psicologia, a
Neurociência e a Espiritualidade ensinam" editora ROCA
(www.julioperes.com.br), e "Neuroimaging for Clinicians: Combining
Research and Practice" Ed. InTech
(http://www.intechweb.org/books/show/title/neuroimaging-for-clinicians-combining-research-and-practice).
Fonte: http://www.segs.com.br
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