A corrupção acadêmica e a crise financeira


Muitas pessoas que viram meu documentário "Trabalho Interno" (2010) acharam que a parte mais perturbadora é a revelação sobre amplos conflitos de interesses em universidades e institutos de estudos e entre pesquisadores acadêmicos. 

Espectadores que assistiram às minhas entrevistas com eminentes professores universitários ficaram estarrecidos com o que saiu da boca deles.

Mas não deveríamos ter ficado surpresos. Nas duas últimas décadas, médicos já comprovaram de modo substancial a influência que o dinheiro pode exercer num campo supostamente objetivo e científico. De modo geral, as escolas de medicina e os periódicos médicos vêm reagindo bem, aderindo às exigências de transparência.

Os cursos de pós-graduação em economia, as faculdades de administração, as de direito e as de ciência política vêm reagindo de modo muito diferente. Nos últimos 30 anos, parcelas importantes do mundo acadêmico americano foram deterioradas, convertendo-se em atividades do tipo "pay to play" (pague para participar).

Hoje em dia, se você vir um célebre professor de economia depondo no Congresso ou escrevendo um artigo, são boas as chances de ele ou ela ter sido pago por alguém com grande interesse no que está em debate. Na maior parte das vezes esses professores não revelam esses conflitos de interesse. Além disso, na maior parte do tempo suas universidades se fazem de desentendidas.

Meia dúzia de firmas de consultoria, vários birôs de palestrantes e diversos grupos de lobby de setores diferentes mantêm grandes redes de acadêmicos de aluguel, com o objetivo de defender os interesses desses grupos em discussões sobre políticas e regulamentação.

Os principais setores envolvidos são energia, telecomunicações, saúde, agronegócio e, sem dúvida, o setor de serviços financeiros.

Alguns exemplos: o economista Glenn Hubbard virou reitor da Columbia Business School em 2004, pouco depois de deixar o governo George W. Bush (2001-09), no qual trabalhou no Departamento do Tesouro e foi o primeiro presidente do Conselho de Assessores Econômicos do presidente, entre 2001 e 2003.

Boa parte de seu trabalho acadêmico é dedicado à política fiscal. Num resumo justo de suas posições intelectuais, pode-se dizer que ele jamais viu um imposto que tenha gostado de ver aprovado e em vigor. Em novembro de 2004, ele escreveu um artigo espantoso em coautoria com William C. Dudley, então economista-chefe do banco de investimentos Goldman Sachs.

O artigo em questão, "Como os Mercados de Capitais Elevam a Performance Econômica e Facilitam a Geração de Empregos", merece ser citado. Vale lembrar que estamos em novembro de 2004, com a bolha já bem encaminhada:

"Os mercados de capital têm ajudado a tornar o mercado imobiliário menos volátil. 'Arrochos de crédito' do tipo que, periodicamente, fecharam a oferta de recursos aos compradores da casa própria [...] são coisas do passado."

Hubbard se negou a dizer se foi pago ou não para escrever o artigo. E se negou a me fornecer sua declaração mais recente de conflitos de interesse financeiros com o governo, documento que não pudemos obter de outra forma porque a Casa Branca o destruiu.

Hubbard recebeu US$ 100 mil para depor na defesa criminal dos dois gerentes do fundo hedge (de alto risco) Bear Stearns, processados por envolvimento com a bolha; eles foram absolvidos. No ano passado, Hubbard se tornou assessor econômico sênior da campanha presidencial de Mitt Romney, o pré-candidato republicano à Presidência dos EUA.

RABO PRESO

Outro economista, Larry Summers, já ocupou quase todos os cargos governamentais importantes na área econômica. Secretário do Tesouro sob o presidente Bill Clinton (1993-2001), em 2009 ele se tornou diretor do Conselho Econômico Nacional na administração Barack Obama.

Embora seja sensato em relação a muitas questões, Summers cometeu uma sucessão bem documentada de erros e concessões. E seus pontos de vista sobre o setor financeiro dificilmente seriam distinguidos dos de, digamos, Lloyd Blankfein (chefe do Goldman Sachs) ou Jamie Dimon (presidente do banco JPMorgan).

A maior parte de nossas informações sobre Summers vem de sua declaração obrigatória de conflitos de interesse, exigida pelo governo. De acordo com a declaração dada em 2009 por Summers, sua fortuna líquida estava calculada entre US$ 17 milhões e US$ 39 milhões. Seus recebimentos totais no ano antes de ingressar no governo chegaram a quase US$ 8 milhões. O Goldman Sachs pagou a Summers US$ 135 mil por um discurso.

Larry Summers é um homem com o rabo preso, que deve a maior parte de sua fortuna e boa parte de seu sucesso político à indústria de serviços financeiros e que esteve envolvido em algumas das decisões de política econômica mais desastrosas da última metade de século. Na administração Obama, Summers se opôs à adoção de medidas fortes para punir banqueiros ou limitar a receita deles.

A universidade de Harvard ainda não exige que Larry Summers divulgue seus envolvimentos com o setor financeiro. Tanto Harvard quanto Summers negaram meus pedidos de informação.

O problema da corrupção acadêmica hoje está tão profundamente entrincheirado que essas disciplinas e essas universidades importantes estão gravemente comprometidas, e qualquer pessoa que pensasse em se opor à tendência ficaria racionalmente muito assustada.

COMEDIMENTO

Considere a seguinte situação: você é estudante de doutorado ou um membro júnior do corpo docente que estuda a possibilidade de fazer pesquisas sobre, digamos, as estruturas de pagamento aos profissionais que assumem riscos nos serviços financeiros, ou sobre o impacto potencial das exigências de divulgação pública de informações sobre o mercado de "credit default swaps", instrumentos financeiros que funciona como um seguro contra calotes. O reitor de sua universidade é... Larry Summers. O chefe de seu departamento é... Glenn Hubbard.

Ou você está no MIT (Massachusetts Institute of Technology) e quer estudar o declínio dos pagamentos de impostos de pessoas jurídicas. A reitora do MIT é Susan Hockfield, que faz parte do conselho de direção da General Electric, uma empresa que vem conseguindo evitar o pagamento de quase todos os impostos corporativos há vários anos.

Até que ponto essas forças de fato afetam as pesquisas acadêmicas e as políticas das universidades? As evidências das quais dispomos sugerem que o efeito é grande. Os comentários sobre a crise financeira proferidos por economistas na academia têm sido bastante comedidos. É verdade que existem algumas exceções notáveis. Na maior parte do tempo, porém, o silêncio tem sido ensurdecedor.


Como é possível que um setor inteiro seja estruturado de modo que funcionários sejam encorajados a saquear e destruir suas próprias firmas? Por que a desregulamentação e a teoria econômica fracassaram tão espetacularmente?

O lançamento do documentário "Trabalho Interno" claramente mexeu com sensibilidades que foram tocadas por essas questões. Fui contatado por estudantes e docentes em grande número, e houve debates em grande número.

Algumas escolas, incluindo a Columbia Business School, adotaram exigências de divulgação de informações pela primeira vez.

Mas a maioria das universidades ainda não faz essas exigências, e poucas ou nenhuma impõem qualquer limitação à existência de conflitos de interesse. O mesmo se aplica à maioria das publicações acadêmicas.

Repórteres de jornais são proibidos terminantemente de aceitar dinheiro de qualquer setor econômico ou organização sobre o qual escrevam matérias. O mesmo não acontece no mundo acadêmico.

Houve um avanço positivo importante. No início deste ano, a Associação Americana de Economia passou a exigir uma declaração de conflitos de interesse para os sete periódicos que edita.

Mas a maioria das instituições ainda se opõe à divulgação de mais informações, e, quando eu estava fazendo meu filme, se negou até mesmo a tratar do assunto.

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