Em Nova York, organizadora muçulmana usa a fé para unir coalizões religiosas - Por Samuel G. Freedman


  • Faiza Ali, muçulmana treinada por uma agência judaica para trabalhar com uma coalizão de igrejas cristãs, fala durante reunião em uma igreja Católica em Nova York, no último dia 1º de maio
    Faiza Ali, muçulmana treinada por uma agência judaica para trabalhar com uma coalizão de igrejas cristãs, fala durante reunião em uma igreja Católica em Nova York, no último dia 1º de maio
Faiza N. Ali atravessou a praça em frente à prefeitura, na Baixa Manhattan, consultando uma lista de coisas para fazer e checando as mensagens em dois BlackBerrys. Como foi o comparecimento? Os oradores estavam preparados? Um ministro já tinha avisado Ali que ele estava atrasado. Uma de suas colegas foi para a Subprefeitura do Brooklyn por engano.
 
Naquela manhã tempestuosa há duas semanas, Ali estava passando por um dos primeiros testes de seu novo emprego como organizadora comunitária, ajudando a realizar um comício em apoio a uma legislação proposta que encorajava um maior investimento local pelos bancos. E quando centenas de participantes estavam reunidos na escadaria da prefeitura, Ali, uma figura pequena vestindo hijab (a roupa islâmica tradicional feminina), estava ao lado de um padre católico, segurando a ponta de uma faixa das Congregações Unidas do Brooklyn.
 
Uma muçulmana treinada por uma agência judaica para trabalhar com uma coalizão composta em grande parte por igrejas cristãs, Ali não é apenas a garota propaganda do monoteísmo. Ela forma parte de uma vanguarda de organizadores comunitários religiosos que foram selecionados, em parte, por sua devoção religiosa, e depois treinados para transpor os limites das denominações em busca de uma causa comum.
 
“Há uma tensão saudável”, como colocou Ali, 27 anos, “quando quero falar sobre um tema de campanha e a primeira pergunta que me fazem é: ‘O que é esta coisa que você está vestindo e de onde você é?’ Eu meio que antecipo essas perguntas. É um lembrete de quão poucas pessoas já se encontraram com muçulmanos. Eu posso responder as perguntas delas e tratar dos estereótipos diretamente, e então trabalharmos juntos. Isso criou um senso diferente de comunidade para mim”.
 
O padre católico Michael Perry, da Igreja Nossa Senhora do Refúgio, no Brooklyn, observava e escutava enquanto Ali interagia com os congregantes, que eram principalmente imigrantes haitianos e mexicanos. Outra noite, ela deu uma aula sobre direitos para meia dúzia de mulheres da igreja.
 
“Aqui estão todas essas pessoas que se parecem diferentes, cuja experiência religiosa é diferente”, disse Perry, 69 anos. “E ela está mantendo todos unidos com um idealismo que é baseado em sua crença religiosa, mas que não entra em conflito com a dos demais. Eles estão aprendendo com este mulher jovem muçulmana como encontrar uma voz que falará a verdade ao poder.”
 
O que Ali aprendeu é a possibilidade de superar as divisões profundas que os ataques do 11 de Setembro e a guerra do Iraque, entre outras causas, provocaram entre muçulmanos e não muçulmanos nos Estados Unidos. A história pessoal dela é uma de ganho, perda e recuperação da fé em uma sociedade tolerante, poliglota.
 
Nascida e criada no Brooklyn por pais que imigraram do Paquistão, Ali cresceu uma torcedora fanática dos New York Mets e uma “fanática por banda”, que tocava flauta no colégio. Sua certeza de que o mundo a aceitaria foi abalada após o 11 de Setembro. Dois dias depois dos ataques, Ali e uma irmã mais nova foram insultadas e agredidas enquanto compravam leite em um mercado local. Então, em 2006, quando Ali estava iniciando seu último ano da Universidade Pace, em Manhattan, duas cópias do Alcorão foram jogadas em vasos sanitários do campus.
 
Esses eventos levaram Ali a se envolver com a Associação dos Estudantes Muçulmanos e depois em um emprego em tempo integral no Conselho das Relações Americanas-Islâmicas. Lá, ela passou a dedicar 70 horas por semana para tratar de controvérsias, incluindo a chamada “mesquita do ponto zero”, que inspirou uma enxurrada nacional de retórica antimuçulmana. Ele deixou seu emprego em 2011, completamente esgotada.
 
Mas uma experiência de seus anos no conselho inspirou lembranças mais felizes. Foi uma campanha para adicionar dois feriados muçulmanos ao calendário das escolas públicas de Nova York, uma ocasião em que Ali procurou e colaborou com aliados de fora da órbita muçulmana, incluindo líderes sindicais e políticos locais.
 
Assim, quando ela soube no ano passado sobre um programa para treinamento de organizadores comunitários religiosos, seu plano inicial de tirar férias desapareceu. O programa era dirigido pelo Bend the Arc, um grupo formado pela fusão de duas agências liberais judaicas, os Fundos Judaicos para Justiça e a Aliança Judaica Progressista. A meta dele era aumentar o impacto da esquerda religiosa nos debates de políticas, por meio do desenvolvimento de organizadores que, por sua vez, desenvolveriam líderes congregacionais.
 
“Sem falar com pessoas religiosas”, disse Alan van Capelle, presidente-executivo do Bend the Arc, “não é possível se organizar em questões como moradias populares, empregos com remuneração digna, acesso a atendimento de saúde, reforma da imigração. As pessoas que se organizam em torno da justiça social cederam os religiosos para os conservadores. Mas nós achamos que as pessoas religiosas estão do nosso lado. Elas apenas não estão organizadas e não têm um megafone”.
 
O apelo dele falou diretamente para a combinação de devoção muçulmana e política progressista de Ali. Ela sempre extraiu seus lemas de Frederick Douglass (“O poder não dá nada sem que haja exigência”), Howard Zinn (“Pequenos atos, quando multiplicados por milhões de pessoas, podem transformar o mundo”), e em um dizer atribuído ao Profeta Maomé (“Quem de vocês enxergar um mal, que o mude com sua mão; quem não consiga, que o faça com sua língua; e se não puder fazê-lo, que então faça em seu coração”).
 
Ali competiu com aproximadamente 300 candidatos para 26 vagas no programa Bend the Arc. (Em 2010, o primeiro ano do programa, 16 pessoas foram aceitas.) Entre seus colegas estavam luteranos, episcopais, católicos, outros muçulmanos, adventistas do Sétimo Dia e um rabino. O treinamento deles incorporava uma sessão mensal de estudos das escrituras, que foi a primeira exposição de Ali a uma análise crítica dos textos religiosos.
 
Após seis meses de residência nas Congregações Unidas do Brooklyn, Ali foi contratada em tempo integral pela coalizão em março. Nossa Senhora do Refúgio se tornou seu escritório de facto.
 
“Outra noite, eu disse para ela que estava fazendo um trabalho fabuloso”, disse Perry, “e ele ficou sem saber como lidar com aquilo. Eu lhe disse para apenas dizer ‘obrigado’. Mas ela não está nisso pelos cumprimentos”.


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