A arte de escrever, por Cristovão Tezza – Por Fernando de Oliveira
Autor do aclamado O Filho
Eterno (2007), Cristovão Tezza, um dos mais importantes e premiados
escritores brasileiros contemporâneos, está de volta às livrarias.
No livro-ensaio O Espírito
da Prosa – Uma Autobiografia Literária, recém-lançado pela editora Record, o
catarinense radicado em Curitiba analisa sua formação como escritor.
Para isso, relembra, entre outras
coisas, a infância em Lages, a morte trágica do pai num acidente, o
envolvimento com um grupo de atores de teatro marginal em Antonina, no litoral
paranaense, na década de 70, a influência de determinados autores em sua vida –
e conta como precisou se despir das utopias de sua geração para se tornar um
romancista, adepto da prosa realista.
Dessas memórias emerge uma
reflexão instigante e rara no Brasil sobre o ofício de escritor, a arte de
escrever.
Ex-professor universitário que
deixou a vida acadêmica para viver dos livros estudioso do linguista russo
Mikhail Bakhtin (1895-1975), objeto de sua tese de doutorado, Tezza falou
ao Diário, nesta entrevista exclusiva, por e-mail.
Diário Regional – Por que se
tornou escritor?
Cristovão Tezza - Esta
questão forma o tema central de O Espírito da Prosa. É uma longa conversa.
Se eu contar tudo aqui, ninguém vai ler o livro!
DR – O senhor pode falar sobre o
seu processo de criação? Quando trabalha? Como pensa a ficção?
Tezza - Trabalho sempre pela
manhã, de segunda a sexta, entre 8 e 11 horas. Levo cerca de dois anos para
escrever um romance, que começa com uma ideia muito vaga, que vai crescendo na
minha cabeça, até que eu comece a escrever. Dali para a frente, é trabalho
duro.
DR – Seu contundente O Filho
Eterno conquistou os mais importantes prêmios da literatura brasileira e
tornou-se sucesso de vendas. Como a fama obtida com essa obra mudou sua vida de
escritor? Afinal, é difícil viver só de literatura no Brasil, não?
Tezza - Eu já estava há
alguns anos com a ideia de largar a universidade e viver apenas para a
literatura. O Filho Eterno me ajudou muito a realizar esse velho
projeto. Com o sucesso do livro, passei a ser convidado a muitos eventos
literários que hoje existem em abundância no país: feiras, simpósios, festas
literárias. Era o empurrão que eu precisava para mudar de vida. Pedi demissão
da universidade e hoje vivo dos meus livros. Eu diria que há 10, 20 anos, era
praticamente impossível viver de livros no País, mas hoje isso mudou. Há muita
gente da nova geração de escritores que sobrevive em torno da literatura.
DR – Em O Filho Eterno o
senhor fala sobre a relação com seu filho portador da síndrome de Down.
Acredita que o tratamento dado aos portadores de síndrome de Down tenha mudado
a partir dessa obra?
Tezza - Não, de modo algum.
O meu livro é um trabalho de ficção, um romance sobre a relação entre um pai e
um filho especial, e também sobre um período da história brasileira recente; é
literatura, e não um manual de orientação sobre nada. Não vamos confundir as
coisas. O Brasil conta com instituições e profissionais altamente competentes
trabalhando na área da síndrome de Down.
DR – O escritor argentino Manuel
Puig disse certa vez: “Os livros têm a qualidade maravilhosa de mostrar outras
vidas. Eles podem nutrir muito”. O que acha disso?
Tezza - É uma definição
certeira da literatura. A ficção é um modo extremamente rico e generoso de
representar as pessoas e o mundo, afirmando a originalidade dos pontos de
vista.
DR – A literatura ainda tem
importância social?
Tezza - Acho que sim. Não
tanto quanto já teve em outros tempos, quando a literatura estava no centro
quase que absoluto de todas as discussões culturais, filosóficas e éticas do
tempo. Hoje a competição com outras linguagens é grande, mas a literatura
mantém a sua grande importância.
DR – O senhor foi um dos jurados
que selecionou os 20 textos para o número da famosa revista Granta dedicado
“aos melhores jovens escritores brasileiros”. Essa coletânea revela uma
renovação da prosa romanesca no Brasil. Como analisa essa questão?
Tezza - Está surgindo uma
nova geração de escritores que vem dando uma grande renovada na produção
brasileira, depois de algumas décadas em que a nossa prosa perdeu muito espaço.
Há uma troca muito grande de informações via internet, uma internacionalização
das fontes e da leitura. A seleção da Grantaé bastante representativa
desta renovação.
DR – A que atribui esse novo
momento da literatura brasileira?
Tezza - Muita coisa ao mesmo
tempo: a intensa urbanização brasileira das últimas décadas, a estabilização
política que deixou mais livre e solta a produção ficcional, uma nova geração
que não tem mais a memória e os cacoetes dos anos 70, a explosão globalizante
da internet. Enfim, o mundo mudou.
DR – Recentemente o senhor
incursionou nos contos com o livro Beatriz. Como vê o atual momento desse
gênero no Brasil?
Tezza - Os contos nunca
deixaram de ter presença na literatura brasileira. Os editores é que costumam
falar mal deste gênero, com o argumento de que o conto vende pouco. Durante um
tempo, desapareceram as revistas literárias de ficção, um espaço ideal para o
conto. Mas hoje, com a internet, esse espaço está voltando com toda força.
DR – O senhor foi professor
universitário de 1984 até 2009, primeiro na UFSC e depois na UFPR. Como avalia
esse período e por que se deu a ruptura com a vida acadêmica?
Tezza - Em O Espírito
da Prosa eu analiso essa passagem da minha vida, que foi complexa para
mim. Minha ruptura foi apenas um modo de continuar escrevendo, quando eu não
conseguia mais conciliar a universidade com a literatura.
DR – A crítica universitária
brasileira de hoje tem a mesma influência da época da ditadura militar, quando
a universidade determinava, digamos, a pauta literária do País?
Tezza - A internet implodiu
as fontes de informação e referência, aqui e no mundo inteiro. Na época da
ditadura, a crítica acabou se refugiando na universidade, até por falta quase
que total de alternativas. E havia um quadro teórico predominantemente
formalista, que chegou ao Brasil via França, que não favorecia especialmente a
prosa romanesca. Hoje isso mudou. Claro, a universidade será sempre um centro
poderoso de prestígio teórico e cultural, mas hoje ela não está mais sozinha, o
que eu acho bom, porque é estimulante.
DR - A leitura da poesia de
Carlos Drummond de Andrade foi muito importante para sua formação, como já
disse. E no seu novo livro o senhor conta que começou a escrever como poeta.
Por que desistiu da poesia?
Tezza - Num momento me
descobri definitivamente prosador. Mas, como se sabe, todo prosador, no fundo,
é um poeta frustrado…
DR - O que está escrevendo
agora?
Tezza - Tenho apenas uma
ideia vaga na cabeça. Pela primeira vez em muitos anos, não tenho nada
começado. Quero descansar bastante por um ou dois anos.
DR - Próximo de completar 60
anos, que balanço faz de sua carreira? O que ainda busca alcançar?
Tezza - Sinceramente: não
faço nenhum balanço e não penso em alcançar nada. Só vou vivendo, um dia depois
do outro.
Fonte: http://sul21.com.br
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