Assassinato de pregador muçulmano radical desencadeia violência no Quênia – Por Sébastien Hervieu
Duas igrejas foram saqueadas em
Mombaça, no Quênia, após o assassinato de Abud Rogo Mohamed, pregador muçulmano
acusado por Washington de arrecadar fundos para os islamitas que lutam na Somália
contra as tropas do governo. A cidade abriga o principal porto do Quênia, além
de ser um dos mais importantes pontos turísticos do país
Na quarta-feira (29), um grande
número de forças de segurança foram destacadas para a visita a Mombaça do
presidente queniano, Mwai Kibaki, esperado para a inauguração de um navio
militar. Após dois dias de sangrentos tumultos, a situação permanecia tensa na
cidade costeira, a segunda maior da principal potência da África Oriental.
Na segunda-feira, o assassinato
de um pregador muçulmano extremista, acusado de colaborar com os insurgentes
islamitas da Somália, desencadeou uma onda de violência que fez quatro mortos e
uma dezena de feridos. Três policiais foram mortos por manifestantes, que na
terça-feira jogaram uma granada dentro de um furgão das tropas de choque.
“Jovens dançavam e cantavam ‘a
luta não terminou, nós lutaremos por você’, em menção ao líder islamita, e
alguns deles atacavam transeuntes com pedradas”, conta uma testemunha, em
entrevista por telefone; “outros aproveitavam também a situação de caos para
saquear lojas”.
Os policiais tentaram conter, com
gás lacrimogênio, as centenas de manifestantes divididos em vários grupos por
toda a cidade. Cercada pelo oceano Índico, Mombaça, capital de uma região muito
turística, funcionava em câmera lenta, uma vez que muitos habitantes preferiram
ficar escondidos o dia inteiro.
Para Emmanuel Kisiangani,
pesquisador em Nairóbi para o Instituto de Estudos de Segurança (ISS), esse
surto de violência não foi uma surpresa: “A maior parte desses manifestantes
são jovens sem emprego, desesperados. Em uma região historicamente
marginalizada pelo governo central, eles querem sua fatia do bolo, e esse
pregador era o porta-voz deles.”
Várias igrejas foram incendiadas
ou saqueadas, atos denunciados por representantes da comunidade cristã. O
Quênia possui somente 10% de muçulmanos, aproximadamente, mas estes são maioria
no litoral.
Muitos dignitários muçulmanos
culpam “vândalos”, e pediram por calma. Já o grupo rebelde islamita dos shebab
(“jovens”), próximo da Al-Qaeda, prega: “Os muçulmanos devem tomar o controle
das coisas, se levantar, unidos, diante do infiel, e tomar todas as medidas
necessárias para proteger sua religião, sua honra, seus bens e sua vida diante
dos inimigos do Islã.”
Suspeito de ter facilitado a
organização dos atentados contra as embaixadas americanas de Nairóbi (Quênia) e
de Dar es-Salaam (Tanzânia) em 1998, que resultaram em 224 mortes, o pregador
assassinado na segunda-feira, Abud Rogo Mohammed, segundo a ONU também usava o
Centro Queniano da Juventude Muçulmana (MYC), com sede em Mombaça, “como
veículo para radicalizar e recrutar africanos de língua suaíli para depois
enviá-los à Somália com o intuito de conduzir atividades violentas” junto aos
shebab.
O MYB acusou as autoridades
quenianas de serem responsáveis pelo assassinato de seu líder, morto a tiros
por desconhecidos, sendo que ele se encontrava em seu carro, na companhia de
parentes.
Uma investigação foi aberta pela Justiça. A ONG Os Muçulmanos pelos
Direitos Humanos (Muhuri) denunciou uma nova “execução extrajudicial”,
garantindo que, em quatro meses, Abud Rogo foi o quinto extremista muçulmano a
ter morrido ou desaparecido misteriosamente.
Absolvido após ter sido acusado em
2002 de um atentado a bomba (12 mortos) contra um hotel próximo de Mombaça, o
pregador foi novamente preso em janeiro e depois liberado sob fiança enquanto
aguardava seu julgamento.
A polícia havia encontrado em sua casa armas de fogo,
munições e detonadores. No passado, as autoridades quenianas já foram acusadas
de eliminar suspeitos antes que estes fossem julgados.
Em outubro de 2011, Nairóbi
decidiu intervir militarmente na vizinha Somália em apoio ao governo de
transição diante dos milicianos dos shebab, que haviam sequestrado vários
turistas em seu território. Na época, os insurgentes prometeram represálias.
Desde então, o Quênia tem sido vítima regularmente de atentados não reivindicados
a granada.
Para outros observadores, o
assassinato de Abud Rogo poderia ser resultado de um acerto de contas interno
dentro do movimento islâmico.
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