Política e religião sem manipulação - Por Cleber Oliveira


Em crescimento no Brasil, os evangélicos são, como nunca antes neste País, alvos cobiçados na política. 

Não tanto pelo engajamento, que é pouco, ainda, se comparado ao fundamentalismo islâmico, a direita cristã nos Estados Unidos e ao protestantismo e catolicismo na Irlanda, mas pela massa de votos que representam. 

Ao contrário da Igreja Católica, os evangélicos têm mantido uma relação salutar entre atuação política e atividade eclesiástica, sem priorizar a primeira em detrimento da segunda.

Esse equilíbrio é fundamental para a saúde das congregações, pois toda religião tem princípios políticos sem os quais não se sustentam como instituição religiosa. Paul Freston, em brilhante ensaio sobre o tema, alerta para o preconceito nesse caso.

“Podemos não concordar com as políticas deste ou daquele candidato e até achar que sua conversão foi oportunista, mas não devemos combatê-lo de tal forma a deslegitimar a razão da nossa própria participação política. A política não deve ser meio de fortalecer uma religião em detrimento de outras, mas dizer que a religião em si nada tem a ver com a conduta da política é lógica e historicamente falso. Devemos, sim, protestar quando se diz que todos os evangélicos estão com tal candidato, mas não devemos atacar os outros por ‘abusar’ da religião na política. Deixemos que cada um se utilize da religião como quiser…” – ‘Religião e Política sim, Igreja e Estado, não’ – Editora Ultimato/Viçosa-MG – Julho de 2006 (1ª edição).

O problema está justamente nessa confusão entre igreja e Estado, como tem propagado alguns candidatos à Prefeitura de Manaus que buscam desesperadamente o apoio dos pastores com a promessa de transformar a Prefeitura numa igreja. 

Ou seja, de fazer da religião o governo e vice-versa. Isto sim, é oportunismo, pois a benção dos líderes evangélicos não representa garantia de votos dos fiéis e, no Estado laico, é proibido priorizar religiões.

Conforme Paul Freston, a preferência absoluta por um único candidato deve ser contestada, não porque isso significa uma centralização de poder religioso, mas porque interfere no livre arbítrio. 

A Igreja tem o direito de expressar sua preferência política, mas não de obrigar seus congregados a segui-la. 

Uma pessoa pode ser inspirada por sua fé religiosa a ingressar na política e defender certas propostas”, diz Freston. O mesmo vale para o voto.

Essa briga ferrenha pelos votos dos evangélicos, que atraiu até os ateus, tem origem no ‘olho grande’. Para se contrapor às procissões católicas, os evangélicos criaram a Marcha para Jesus como forma de legitimação institucional. As multidões que a marcha arrasta pelas ruas das capitais despertou interesses eleitorais. 

Os políticos viram nessa manifestação de fé um mar de votos. Rivalizando com a Marcha para Jesus em número de participantes, a Parada Gay atrai tantos eleitores quanto o ato religioso. 

Contraditoriamente, nenhum dos que disputam o apoio evangélico buscou apoio público dos homossexuais. Ou não precisam dos votos da comunidade GLBT ou a execram e a discriminam. Desta forma, beneficiam uma classe de cidadãos em detrimento de outra.

Esse modelo de atuação política institucional da igreja, enfatiza Freston, enfraquece a própria igreja. 

“A Igreja, como instituição, não deve se envolver na política dessa forma, pois, quando o faz, ela e os seus líderes se tornam vulneráveis a todas as contingências do mundo político. Assim, sua fala sobre a Bíblia, a fé e a salvação se contagia dessa mesma contingência. Se eu não posso acreditar naquilo que determinado pastor ou determinada igreja falam quando se trata de política, por que vou acreditar quando falam de outros assuntos? Logo, quem sai perdendo com esse modelo é a própria Igreja”.

Mais do que manifestar apoio político, as igrejas evangélicas estão num dilema: usar a política para defender direitos comuns a todos ou se deixar ser manipulada. Para a reflexão, vale o raciocínio de Paul Freston: 

“A fé cristã é, ao mesmo tempo, utópica e bastante realista. A solução para os problemas políticos é sempre política. A solução para a má política é a boa política, e para a má espiritualidade é a boa espiritualidade. Não precisamos fugir para outro campo, porque o Deus bíblico está em todas as áreas da vida humana”.



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