Religião sincrética conhecida como santeria renasce em Cuba – Por Paulo A. Paranagua
Altar de terreiro de candomblé,
culto afro-brasileiro que tem semelhanças com a santeria cubana
Natalia Bolívar Aróstegui, 77, é
a principal referência viva dos estudos sobre os cultos afro-cubanos. Ela mora
em Havana, em um apartamento animado pelo canto dos pássaros e pela agitação
dos cachorros. As paredes são cobertas por quadros de mestres como Lam,
Portocarrero, além dos irmãos Tony e Patricio de la Guardia, sacrificados no
julgamento de Ochoa (1989), ou ainda por suas próprias obras.
Seu livro sobre os Orixás em Cuba
é um clássico, tanto para os acadêmicos quanto para os curiosos, que querem
conhecer as divindades da santeria, o panteão ioruba (proveniente da Nigéria).
Natalia Bolívar foi discípula de Lydia Cabrera, autora do livro “El Monte – As
florestas e os deuses”, considerado uma bíblia.
“Eu era seu cão de estimação, a
seguia em todas as conferências, tomava notas para ela e a ajudava”, conta
Natalia. Lydia Cabrera não queria títulos acadêmicos, ela se via como a
depositária da tradição oral.
Natalia tem orgulho de suas
origens bascas e aristocráticas (“não burguesas”, ela explica). Em sua árvore
genealógica coexistem Simon Bolívar, independentistas e escravagistas,
divididos pela política, sem contar um inquisidor: “A família inteira se
banhava na História, ela continua a se reunir em Miami a cada cinco anos”.
“Fui
educada pelas freiras no catolicismo, mas minha governanta negra, vinda das
plantações de cana da família, me contava histórias de aparições e espíritos,
me falava das propriedades das plantas e das árvores. Ela morreu aos 104 anos,
depois de ter criado minhas filhas”.
Militante do Diretório
Revolucionário Estudantil, Natalia foi presa e torturada durante a ditadura de
Fulgêncio Batista, em 1958. Seu torturador descobriu que ela usava uma corrente
de Ogum, uma “proteção” do mesmo babalaô (sacerdote afro-cubano) que ele seguia,
e decidiu soltá-la, em vez de afogá-la na baía de Havana, como haviam
prometido.
A santeria deixou de ser uma
religião “étnica” há muito tempo, ela permeia todas as camadas da sociedade
cubana. Dizem que o próprio Batista era um crente.
“Desde os tempos das
colônias, a religiosidade popular passou por altos e baixos”, diz Natalia. A
crise dos anos 1990 favoreceu as crenças submersas. Hoje, assiste-se a um
florescimento inédito: “As sociedades secretas Abakuá, os Cabildos, ainda
existem no interior...”
A beleza dos rituais
Sem ligações institucionais,
Natalia Bolívar continua a fazer pesquisas, a escrever e a fumar. Um website
resume suas contribuições. Ela ainda admira a beleza dos rituais, a harmonia de
uma comunhão com a natureza, mas prefere ver os babalaôs do município de Diez
de Octubre, em Havana, sem envolvimentos políticos.
“A Associação Ioruba de
Cuba responde ao Comitê Central”, ele observa, referindo-se à secretaria de
assuntos religiosos do Partido Comunista de Cuba.
“Que Elegua te abra os caminhos...”,
ela escreve para o visitante, autografando um dos exemplares de sua obra sobre
o general Quintín Bandera, um herói negro desconhecido da independência,
assassinado durante a presidência de Estrada Palma.
Biografia romanceada,
escrita a quatro mãos com sua filha Natalia del Rio Bolívar, as duas autoras se
valeram da licença poética a ponto de colocar seu personagem conversando com
Federico García Lorca, fascinado por Havana.
“A História é fundamental”,
afirma Natalia Bolívar. Antes da revolução, o grande historiador Leví Marrero
havia feito pesquisas nos Arquivo Geral das Índias, na Espanha. Ela mesma
continuou seus estudos na África, para compreender melhor o sincretismo cubano.
“Nos últimos cinquenta anos, houve problemas com a História”, ela diz
subitamente, antes de citar outras lembranças. O espaço e o tempo nela parecem
dilatados pela energia de uma vida muito plena.
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