Relação entre arte e religião nem sempre é pacífica – Por Silke Wünsch
Um sapo verde venenoso pendurado
na cruz com uma caneca de cerveja na mão – essa escultura do artista alemão
Martin Kippenberger foi exposta em 2008 em Bolzano, no norte da Itália, pouco
antes de uma visita do Papa.
"Fora com esse lixo",
bradavam as centenas de cristãos enfurecidos. Vigílias foram realizadas diante
do museu. Até mesmo um político iniciou uma greve de fome. O Papa também não
ficou entusiasmado com o sapo.
Um alvoroço tomou conta da
comunidade cristã quando, em 1976, o filme do grupo Monthy Python: A vida de
Brian chegou aos cinemas. Nos EUA e na Inglaterra, grupos cristãos ficaram em
pé de guerra e falaram de "um violento ataque ao cristianismo". Na
Noruega, a apresentação do filme foi inicialmente proibida.
Protesto diante de museu em
Bolzano
Em 1988, o filme do diretor
Martin Scorcese A última tentação de Cristo mostra o filho de Deus como um
homem dividido, que não somente se coloca constantemente em questão, mas também
tem necessidades sexuais. Em protesto, todos os sinos das igrejas de Veneza
dobraram durante um dia.
Houve ainda manifestações
violentas. Na França, um cinema onde o filme estava sendo exibido foi incendiado.
Com notas de protesto e recolhimento de assinaturas, a Igreja na Alemanha
pretendia impor sua proibição.
Recentemente, o diretor Oliver
Seidl mostrou no Festival de Veneza a segunda parte de sua trilogia. Em
Paraíso: Fé, sua protagonista se masturba com uma cruz e empurra iradamente um
retrato do Papa da parede. Em seguida, um grupo ultracatólico entrou com queixa
por blasfêmia.
Arte é incompreendida?
Seidl pretendia enfatizar o
fanatismo religioso de uma mulher solitária. Os meios que usou foram drásticos,
mas bem eficazes. O filme do Monthy Python quis mostrar, entre outros, o quão
rapidamente alguém pode se entregar ao fanatismo religioso, o quão rapidamente
a necessidade de se submeter a uma autoridade pode levar a incontroláveis
movimentos de massa.
Assim o personagem principal,
Brian, é escolhido como Messias. Ele próprio não quer ser, mas, apesar disso,
uma massa de centenas de pessoas o segue ("Tu és o Messias, e eu tenho de
saber, pois já segui alguns!"). A multidão pretende até mesmo matar um
"infiel", por puro fanatismo religioso – o filme foi feito muito
antes dos primeiros protestos de muçulmanos furiosos devido a uma suposta
blasfêmia.
Com suas provocações, muitos
artistas, cineastas e músicos querem marcar uma posição. Eles não pretendem
questionar a religião ou a fé, mas sim a forma pela qual a religião é
instrumentalizada. E a arte dispõe de diversos meios para expressar isso, o que
inclui também a transposição de fronteiras.
Petra Bahr, encarregada de
questões culturais da Igreja Evangélica da Alemanha (EKD, sigla em alemão), vai
ainda mais longe: "Lidando com tabus, com barreiras de percepção, a arte
tenta formar uma nova imagem do mundo. E a religião é bem fácil de irritar
neste ponto. Porque as barreiras sagradas, com as quais fiéis conservadores
gostam de se cercar, representam justamente um desafio para que os artistas as
quebrem novamente."
Onde estão os limites?
Em junho último, o escritor
alemão Martin Mosebach provocou um intenso debate com seu ensaio Arte e
religião – sobre o valor da proibição. Em seu texto, ele defende a introdução
da censura, que a blasfêmia seja punida mais severamente. Essa colocação deixa
Mosebach, porém, bastante isolado.
Existem exemplos suficientes de
artistas que já tiveram que temer por suas vidas. Em 1989, o aiatolá Khomeini,
ex-líder religioso do Irã, emitiu uma fatwa (decreto religioso) pedindo a morte
do autor britânico Salman Rushdie. Em 2004, o cineasta Theo van Gogh foi
assassinado. Desde 2005, o cartunista dinamarquês Kurt Westergaard vive sob
proteção policial.
Para Petra Bahr, em alguns
momentos as afirmações de Mosebach são bastante irritantes. "Quando se
considera o que isso significa para artistas no Irã, na África ou no
Afeganistão, fica claro como é ridícula tal exigência. Aprendemos na Europa
Ocidental, após diversas batalhas sangrentas, a ter de suportar a opinião dos
outros, também quando ela nos leva à loucura ou realmente nos irrita ou enerva.
Isto é o que faz a cultura ocidental, o que define basicamente a Europa."
Não menos importante é observar
que a provocação na arte atrai muita atenção. Petra Bahr acha absolutamente
correto que as pessoas possam articular seus sentimentos feridos. "Elas
também pode fazer manifestações ou dizer: 'Assim não dá'. Ou às vezes
justificar por que algo lhes provoca dor. Muitas vezes acontece de as pessoas
não terem a mínima ideia por que outros indivíduos estão tão magoados."
Esta questão surge cada vez em
que uma multidão enfurecida, em nome de uma religião, incendeia casas e chega
até mesmo a provocar mortes.
Fonte: http://www.dw.de
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