O absoluto é Deus, e o coabsoluto são os pobres. Entrevista com Jon Sobrino
"Fazer teologia é ajudar, a
partir do pensar, para que Deus seja mais real na história e que os pobres – no
caso, a fome – deixem de sê-lo", afirmar o teólogo jesuíta.
Já são 40 anos de Teologia da
Libertação e permanece a dúvida em relação às razões pelas quais ela é tão
criticada, perseguida, difamada pelos poderes do mundo, inclusive pela
hierarquia da Igreja.
Pois quem ajuda nessa compreensão é o renomado teólogo
jesuíta salvadorenho, de origem espanhola, Jon Sobrino, que aceitou conceder a
entrevista a seguir para a IHU On-Line, por e-mail, afirmando que para
responder a essa pergunta não é necessário nenhum estudo sofisticado, nem de
discernimento diante de Deus. Tal perseguição ocorre "ou por má vontade ou
por ignorância”, pelo fato de que aquela teologia "foi vista como uma
ameaça”.
E explica: "certamente, ameaça ao capitalismo, e daí a reação de
Rockefeller em 1969 e dos assessores de Reagan, em 1980. E ameaça à segurança
nacional, e daí as reações dos generais na década de 1980. Também no interior
da Igreja, por ignorância, por medo de perder o poder ou por obstinação de não
querer reconhecer a verdade com que se respondiam às críticas”.
Sobrino pensa que, no Concílio
Vaticano II, "a Igreja sentiu o impulso de humanizar o mundo e de se
humanizar juntamente com ele, sem se envergonhar diante do mundo moderno e de
usar o moderno para tornar mais crível o Deus cristão”.
E o teólogo acredita que,
o que se chamou de Teologia da Libertação, "pode aportar a ambas as
coisas: racionalizar a fé em um mundo de injustiça e oferecer uma imagem mais
limpa de Deus, não manchada com a imundície das divindades que dão morte aos
pobres”.
Jon Sobrino é professor da
Universidade Centro-Americana - UCA -, de San Salvador. Doutor em Teologia pela
Hochschule Sankt Georgen, em Frankfurt (Alemanha) e diretor da Revista
Latino americana de Teologia e do informativo Cartas a las Iglesias.
Ele é autor de, entre muitos
outros livros, Cristologia a partir da América Latina: esboço a partir do
seguimento do Jesus histórico (Petrópolis: Vozes, 1983). Ele estará na Unisinos
participando do Congresso Continental de Teologia, com a conferência inaugural
do evento, intitulada "Um novo Congresso e um Congresso novo”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Para o senhor, qual
o significado de celebrar os 50 anos do início do Concílio Vaticano II e os 40
anos da publicação do livro de Gustavo Gutiérrez – Teologia da Libertação? Que
perspectivas podem se abrir a partir do Congresso Continental de Teologia?
Jon Sobrino – Naqueles anos, de
1966 a 1974, estive em Frankfurt estudando Teologia. Tive notícias do Concílio,
mas parciais. Por Medellín e o livro de Gustavo Gutiérrez, só cheguei a me
interessar em 1974, com a minha chegada a El Salvador. Com isso quero dizer
que, diferentemente de muitos da minha geração, eu fui um ignorante do que
estava acontecendo e obviamente não fui nenhum apaixonado. Depois, tudo mudou.
Mais do que acontecimento, penso que foi a realidade salvadorenha dos pobres e
os companheiros que se entregavam a eles que me levaram a valorizar os
acontecimentos que haviam ocorrido e a ler os textos de bispos e de teólogos
que os acompanhavam. Esse esclarecimento talvez ajude a compreender as
respostas que vou dar a seguir. Perguntam-me qual é o significado de celebrar,
e penso que, se levarmos a sério a pergunta, cada um terá uma resposta própria.
Dos acontecimentos mencionados,
eu continuo celebrando que foram rupturas profundas e humanizadoras na história
da Igreja. Fizeram-nos respirar. Pensando no Concílio, "o impossível se
fez possível”. Pensando em Medellín, Gustavo Gutiérrez e depois em Dom Romero,
a Igreja decidiu se voltar ao pobre e a Jesus. E deu "ultimidade” à
justiça e à esperança de que fosse possível "que o rico não triunfe sobre
o pobre, nem o verdugo sobre a vítima”. Nessa tarefa, assomava-se com clareza o
Deus de Jesus. E se eu me centro mais em Medellín do que no Concílio é porque
eu o conheço melhor.
Outro cristianismo é possível
Isso produziu alegria e esperança
de que, como se diz hoje, não sei se com demasiada facilidade, outra Igreja,
outra fé, outro cristianismo "é possível”, e o era porque "era real”.
Hoje celebramos o despertar "do sonho de séculos de cruel desumanidade”,
como nos pedia Montesinos, a decisão de trabalhar pelos pobres e sua
libertação, e a lançar a sorte com eles. Celebramos a difícil conversão e o
novo que foi aparecendo: liturgias, catequese, música popular, poesias, nova teologia,
a de Gustavo, um compromisso desconhecido e uma luta contra os ídolos. E,
sobretudo, a entrega da vida de centenas e milhares de fiéis cristãos. De
bispos e sacerdotes. Na vida e na morte se pareceram com Jesus. Os feitos são
evidentes. Dom Pedro Casaldáliga escreveu "São Romero da América, pastor e
mártir nosso”, embora várias cúrias romanas não sabem o que fazer com esse
mártires, tantos e tão numerosos são eles. As normativas às que devem ser fiéis
não são pensadas para aceitar o evidente.
Hoje, no continente, mudaram
algumas coisas, persistem a pobreza, as estruturas de injustiça e de opressão,
e aumenta a crueldade das migrações.
Mudaram mais as coisas na Igreja.
De Puebla em diante, deslizou-se por uma ladeira sem que Aparecida tenha
impedido isso significativamente. Há coisas boas e inovadoramente boas, mas já
não é o de antes. Havia honradez institucional, abundante, ao menos o
suficiente, com o real, denúncia vigorosa e analisada contra o horror dos
pobres, utopia pela qual trabalhar e lutar, cartas pastorais que lembravam
Bartolomé de las Casas e a ciência de Vitória, homilias proféticas de
sacerdotes, teologias audazes... Agora isso não fica claro. Fizeram presente um
Deus mais latino-americano, pobre, esperançoso, libertador e crucificado. E
devolveram ao continente e a suas igrejas um Jesus que esteve sequestrado
durante séculos.
Olhar para trás
O que significa, então, celebrar
anos depois o Concílio, o livro de Gustavo Gutierrez, Medellín, o martírio de
Dom Romero? O que ocorreu foi muito bom e muito humanizador. Hoje, já não
abunda. E por isso é preciso olhar para trás, embora as palavras não soem
politicamente corretas. Certamente é preciso prosseguir com o novo no pensar
teológico: a mulher, os indígenas, as religiões, a irmã terra, a utopia de
outros mundos, igrejas, democracias "possíveis”. Mas é preciso ter cuidado
para não cair na ameaça de Jeremias: "Abandonaram a mim, fonte de água
viva, e cavaram para si poços, poços rachados que não seguram a água” (2, 13).
O que mencionamos antes são fontes de água viva até o dia de hoje. E mais o
serão se voltarmos a elas ativa e criativamente. É certo, "o Espírito nos
move para frente”. Mas tal como estamos, menos se pode esquecer que "o
Espírito nos remete a Jesus de Nazaré”, eterna fonte de água viva.
IHU On-Line - O que significa
fazer e pensar a Teologia a partir da realidade da América Latina e do Caribe?
Jon Sobrino – A teologia não é o
primeiro a ser pensado. O primeiro é a realidade e, no caso da Teologia, a
realidade absoluta. Com sua agudeza habitual, Dom Pedro Casaldáliga, ao se
referir ao absoluto, diz que "tudo é relativo, menos Deus e a fome”. O
absoluto é Deus, e o coabsoluto são os pobres. Fazer teologia é, então, ajudar,
a partir do pensar, para que Deus seja mais real na história e que os pobres –a
fome– deixem de sê-lo. Para que o pensar possa ajudar nessa tarefa, lembremos o
que Ellacuría entendia por inteligir a realidade. Explicava-o em três passos:
- O primeiro é "assumir a
realidade”; em palavras simples, captar como são e como estão as coisas. Em
2006, olhando o mundo universo, Casaldáliga escrevia: "Hoje, há mais
riqueza na Terra, mas há mais injustiça. Dois milhões e meio de pessoas sobrevivem
na Terra com menos de dois euros por dia, e 25 mil pessoas morrem diretamente
de fome, segundo a FAO. A desertificação ameaça a vida de 1,2 milhões de
pessoas em uma centena de países. Aos emigrantes é negada a fraternidade, o
solo abaixo dos pés. Os Estados Unidos constroem um muro de 1,5 mil quilômetros
contra a América Latina. E a Europa, ao sul da Espanha, levanta uma cerca
contra a África. Tudo o que, além de iníquo, é programado”. O presente não o
desmente.
- O segundo passo é
"encarregar-se da realidade”. Sua finalidade não consiste simplesmente em
fazer crescer conhecimentos por bons e necessários que sejam, mas em fazer
crescer a realidade. E em uma direção determinada: a da salvação, da compaixão,
da misericórdia e do amor. A teologia é intellectus amoris.
- O terceiro passo é
"carregar a realidade”, e com uma realidade que é pesada. Sob ela vivem os
anawim da Escritura, os encurvados. A carga que pode fazer até com que privem a
vida de alguém. Teólogos e teólogas sofreram perseguição, e alguns acabaram
mártires. Isso pode acontecer quando o fazer teologia está perpassado de
atitude ética.
Costumamos acrescentar um quarto
passo: "deixar-se carregar pela realidade”. O trabalhar e o sofrer assim
também podem ser graça para quem faz teologia. Então, o teólogo sabe que faz
parte do povo pobre, não é externo a ele. Sabe que é levado por ele e recebe o
agradecimento dos pobres. Fazer teologia é, então, "uma pesada carga
leve”, como dizia Rahner, que é o Evangelho.
IHU On-Line - Como o senhor
analisa a atual conjuntura cultural, socioeconômica e político mundial, a
partir do horizonte latino-americano? Nesse contexto, quais os desafios e
tarefas que implicam à teologia?
Jon Sobrino – Creio que na
atualidade há muitos rostos de Deus na América Latina. Uns emergiram no passado
e ali ficaram. Seguem mantendo muita gente com vida e dignidade – embora com a
limitação de não animar ao compromisso. Outros coexistem com superstição
desumanizante. Hoje proliferam novas Igrejas e movimentos de todo o tipo; em
sua maioria, carismáticos e pentecostais, com seus novos rostos de Deus.
Pessoalmente, compreendo e às vezes aprecio a bondade das pessoas que os
veneram, pois, em parte, deve-se a longas épocas de desamparo eclesial. Mas nem
sempre é fácil para mim colocá-los junto ao Jesus de Nazaré do Evangelho. Entre
intelectuais e antigos revolucionários existem agnósticos e alguns ateus. São
minorias, mas estão aumentando. Creio que, em poucos lugares, surgiu o rosto de
um Deus crucificado, de que fala Moltmann, mas não creio que em países como El
Salvador e Guatemala seja possível aceitar, a longo prazo, um Deus que não
afeta o seu sofrimento, que o próprio Deus sofra em seus filhos e filhas
crucificados. Em meio a esses rostos, creio que a novidade maior é a dupla
formulação que Puebla fez em 1979. Positivamente, Deus é essencialmente um Deus
libertador. Defende e ama os pobres –e nessa ordem– pelo mero fato de serem-no.
Seja qual for sua situação pessoal e moral. Dialeticamente, Deus é
essencialmente um Deus de vida contra divindades da morte. Puebla analisou isso
cuidadosamente e apresentou os ídolos de acordo com uma hierarquia: o ídolo da
riqueza, o poder, as armas... Dom Romero, junto com Ignacio Ellacurría,
explicou-o admiravelmente para a situação salvadorenha.
IHU On-Line - Qual é o rosto de
Deus que emerge da realidade latino-americana? E como a Igreja tem assumido
esse rosto?
Jon Sobrino – É preciso perguntar
isso a eles, e não tomarmos, nós, o seu lugar. Mas podemos dizer algo. Em
Morazán, em meio às atrocidades da guerra dos campesinos, perguntavam ao
sacerdote que os acompanhava: "Padre, se Deus é um Deus de vida, como
acontece tudo isso conosco?”. É a pergunta de Jó e de Epicuro. Para responder a
essa pergunta não me ocorrem conteúdos nem razões, mas sim atitudes. A primeira
é lhes falar "com proximidade”. E não qualquer proximidade, mas a de Dom
Romero: "Peço ao Senhor durante toda a semana, enquanto vou recolhendo o
clamor do povo e a dor de tanto crime, a ignomínia de tanta violência, que me
dê a palavra oportuna para consolar, para denunciar, para chamar ao
arrependimento”. A segunda é falar "com credibilidade”. E, de novo, não
qualquer credibilidade, mas a de Dom Romero: "Eu não quero segurança
enquanto não a deem a meu povo”. O bispo não respondia apelando a milagres
celestiais, mas sim mostrando em sua própria carne o amor terrenal. O que
sentiam em seu coração os campesinos que sofriam e perguntavam, pertence a seu
mistério. Aqueles que o viam de fora acreditam que o bispo lhes falou do amor
de Deus. E que as suas palavras foram uma boa notícia. Resta aos intelectuais
dialogar com Epicuro e Dostoiévski , acolher Paulo e Moltmann. E não é tarefa
ociosa. Mas, entre nós, o que mais ressoa é a proximidade e a credibilidade do
Monsenhor.
IHU On-Line - Como falar de Deus
a partir da realidade de sofrimento que vivem os excluídos, os que estão à
margem da sociedade privilegiada?
Jon Sobrino – As teologias não
crescem, perduram ou decaem como sistemas formais de pensamento, não
contaminadas pelo real. A Teologia da Libertação formulou com rigor e vigor que
no Êxodo Deus "libertou os escravos”, que na sinagoga de Nazaré, Jesus
"libertou os cativos”. O que, como e quanto disso guiou o pensamento
nesses 40 anos é uma coisa a se analisar. Já disse que antes isso ocorreu mais
do que agora. Desde já, a Teologia da Libertação não está na moda. Mas não me
parece correto responsabilizar disso o que começou com Gustavo Gutiérrez, Juan
Luis Segundo, Leonardo Boff, Ignacio Ellacuría e com Dom Helder Camara,
Leonidas Proaño, Angelelli e Romero. Às pessoas mencionadas é preciso continuar
agradecendo que ao longo desses 40 anos se mantiveram impulsos de teologia
libertadora e se estenderam a novos âmbitos, como o do gênero, das religiões,
da mãe terra... E aqueles de boa vontade que lamentam a queda da teologia da
libertação, que voltem ao Deus do Êxodo e a Jesus de Nazaré. Indubitavelmente,
houve limitações, erros, exageros. Pode ter havido reducionismos
anti-intelectuais em favor da práxis, preguiça intelectual diante de escritos como
os de Juan Luis Segundo ou Ellacuría, vislumbres de demagogia diante do
pensamento científico de outros lares, ignorância das críticas ou prepotência
diante delas. Mas, pessoalmente, não vejo que tenha surgido outro impulso
teológico tão humano, frutífero, evangélico e latino-americano como o que
surgiu há 40 anos.
IHU On-Line - Como o senhor
analisa esses quarenta anos da Teologia da Libertação? Por que ela foi tão
criticada, perseguida, difamada pelos poderes do mundo, inclusive pela
hierarquia da Igreja?
Jon Sobrino - Outra coisa é a
menor qualidade na produção da teologia da libertação. Não é fácil que se
repita a geração dos fundadores, embora tenham surgido novos teólogos e
teólogas de qualidade. E não se pode esquecer que algo parecido pode ocorrer
hoje em outras escolas, tradições e movimentos de teologia. Os Barth, Rahner,
de Lubac, von Balthasar, Bultmann, Käsemann não têm muitos sucessores dessa
altura.
A resposta à segunda pergunta não
precisa de nenhum estudo sofisticado, nem de discernimento diante de Deus. Ou
por má vontade ou por ignorância, aquela teologia foi vista como uma ameaça.
Certamente, ameaça ao capitalismo, e daí a reação de Rockefeller em 1969 e dos
assessores de Reagan, em 1980. E ameaça à segurança nacional, e daí as reações
dos generais na década de 1980. Também no interior da Igreja, por ignorância,
por medo de perder o poder ou por obstinação de não querer reconhecer a verdade
com que se respondiam às críticas. Lembre-se de Dom López Trujillo e de vários
bispos e cardeais. E a instrução da Congregação para a Doutrina da Fé, de 1984,
sem que a de 1986 conseguisse consertar totalmente o anterior.
IHU On-Line - Qual o significado
teológico e antropológico da expressão "libertação”, a partir do contexto
latino-americano? Como essa perspectiva teológica se implica no atual contexto
de sociedade e de Igreja?
Jon Sobrino – Se me lembro bem, o
conceito de "libertação” foi usado para superar o conceito de
"desenvolvimento”, a solução que o mundo ocidental propunha para superar a
pobreza. Na Igreja, redescobriu-se que era um termo-chave no Êxodo e em Lucas
para expressar salvação. Parece-me importante ter presente que "a
libertação” foi redescoberta na América Latina, o chamado terceiro mundo, por
ser um continente não só atrasado ou subdesenvolvido, mas também oprimido e
escravizado pelo primeiro mundo, europeus e norte-americanos. E em Igrejas, se
não oprimidas pelas europeias, fortemente dependentes delas. O termo
"libertação” remetia de forma muito importante à opressão e à repressão,
isto é, à privação injusta e cruel da vida, o que se mantém até os dias de hoje.
Outra coisa é que, felizmente, o conceito foi estendendo seu significado na
teologia para designar libertação da indignidade, da opressão de gênero, do
despotismo de uma religião... E é preciso ter presente também que a teologia da
libertação, diferentemente de outras teologias e ideologias, dá prioridade ao
"povo” sobre o "individualismo”, e à "abertura à transcendência”
sobre o "positivismo”, como disse Ellacuría em uma reunião de religiões
abraâmicas. Em todo caso, embora com o retorno massivo a individualismos
espiritualistas, a teologia da libertação introduziu a dimensão religiosa do
humano no âmbito do mundo exterior. Ela a tornou presente na realidade social,
por direito próprio e sem que possa ser facilmente ignorada. É religião
política, afim à de Metz, o que não é um pequeno benefício.
IHU On-Line - Fazendo memória de
Dom Oscar Romero, Ignácio Ellacuría e Companheiros, dentre tantos outros rostos
que foram assassinados porque assumiram a causa dos empobrecidos e
marginalizados, o que significa ser Igreja, hoje, no limiar do século XXI?
Jon Sobrino – Menciono duas
sentenças. Ignacio Ellacuría, no funeral celebrado na UCA, disse: "Com Dom
Romero, Deus passou por El Salvador”. Ser Igreja é trabalhar com decisão e
simplicidade, para que Deus passe por esse mundo desumano. E para o não crente
trabalhar para que a solidariedade e a dignidade, o melhor do humano, passe por
este mundo, que embora seja mais secular, continua sendo desumano. Dom Romero,
na Universidade de Louvain, no dia 2 de fevereiro de 1980, poucos dias antes de
ser assassinado, disse: "A glória de Deus é que o pobre viva”.
Ser Igreja é trabalhar pela
glória de Deus. E para o não crente "a glória da humanidade é que os
pobres vivam, cheguem a formar parte da família humana”. Por isso, é preciso
trabalhar. E termino com algo que me faz pensar. Penso que no Concílio a Igreja
sentiu o impulso de humanizar o mundo e de se humanizar juntamente com ele, sem
se envergonhar diante do mundo moderno e de usar o moderno para tornar mais
crível o Deus cristão. A finalidade é magnífica. Em Medellín, a Igreja sentiu o
impulso de não se envergonhar dos pobres e de não escutar a repreensão da
Escritura: "Por causa de vocês, blasfema-se o nome de Deus entre as
nações”. E com humildade se pôs a "limpar o rosto de Deus”. Acredito que o
que se chamou de Teologia da Libertação pode aportar a ambas as coisas:
racionalizar a fé em um mundo de injustiça e oferecer uma imagem mais limpa de
Deus, não manchada com a imundície das divindades que dão morte aos pobres.
Fonte: http://www.adital.com.br
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