Caminhos da comunicação para o conhecimento - Por Samuel Antenor
Discutir as pesquisas no campo da
comunicação, com um balanço dos temas mais estudados, e apresentar um panorama
dos projetos apoiados pela FAPESP na área nos últimos dez anos. Com esse propósito, o
"Seminário Intercom – FAPESP Caminhos Cruzados: Comunicar para
Conhecer"
reuniu, no dia 12 de novembro, em São Paulo, alguns dos
principais pesquisadores da área no Brasil, que apresentaram ao público um
balanço das pesquisas realizadas em diferentes vertentes da comunicação.
O seminário, organizado pela
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares em Comunicação (Intercom),
fez parte de uma série de encontros que estão sendo realizados pela instituição
em 2012, ano em que completa 35 anos. A série homenageia instituições como a
FAPESP, que faz 50 anos. Durante o encontro foi apresentado um panorama das
pesquisas conduzidas em diferentes áreas da comunicação, das quais 363 contaram
com apoio da FAPESP na última década.
O seminário foi aberto por Maria
Immacolata Vassallo de Lopes, professora e coordenadora do Centro de Estudos de
Telenovela (CETVN) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de
São Paulo (USP), que apresentou um balanço das pesquisas desenvolvidas no
Centro envolvendo estudos televisivos e o gênero ficcional dentro da TV, com
ênfase para a produção de teledramaturgia brasileira, mais especificamente a
telenovela, como fenômeno cultural de massa.
A trajetória das pesquisas que
deram origem ao CETVN, apresentada por ela, ressalta a dificuldade enfrentada
pelos pesquisadores do tema em estabelecer legitimidade à telenovela como
objeto de estudo, e faz sobressair o patamar atual das pesquisas na área, que
colocam o Brasil em destaque entre os 12 países que compõem o Observatório
Ibero-americano de Ficção Televisiva (Obitel) – uma rede virtual de
pesquisadores de teledramaturgia, com protocolo de pesquisa unificado,
acompanhamento das produções televisivas e publicação periódica de artigos.
Nessa trajetória, Maria Immacolata
destacou as primeiras pesquisas de recepção da telenovela, quando ainda se
buscava estabelecer uma metodologia de pesquisa para a área, passando pela
telenovela como recurso narrativo e como narrativa da própria nação, até os
estudos atuais, “em que o fenômeno do conteúdo televisivo e da participação do
público nas redes sociais na internet configura a chamada transmidiação,
integrando novas possibilidades de estudo, como a ‘netnografia’”.
As pesquisas sobre televisão, que
ganharam vulto na última década, também foram destaque na apresentação de
Esther Império Hamburger, diretora do Cinusp Paulo Emílio.
De acordo com Hamburger, há
atualmente uma diversificação dos meios televisivos e, consequentemente, das
pesquisas envolvendo esse meio, visto que os projetos abordam desde aspectos da
indústria cultural, passando pela história da televisão, pela pesquisa sobre
digitalização de acervos e chega às inovações tecnológicas, que, conforme
disse, são antecipadas pela imaginação.
Segundo a pesquisadora – que também
coordena o Laboratório de Investigação e Crítica Audiovisual (Laica) da
ECA-USP, apoiado pelo Programa Equipamentos Multiusuários da FAPESP, enquanto
inovações tecnológicas como videoteipe, satélite, cor e transmissão por cabo
não alteraram conceitualmente a televisão, adventos tecnológicos mais recentes,
como a TV digital e a convergência com a internet, vêm transformando
significativamente o conceito desse meio, abolindo por completo a ideia
unidirecional da informação.
“Entre outros aspectos, essas
inovações desconstruiram a noção de grade de programação, permitindo que o
telespectador tenha acesso hoje não apenas ao conteúdo exibido, mas seja ele
mesmo um agente da programação”, disse Hamburger.
Novas mídias e participação
pública
As apresentações da manhã no
Simpósio Intercom tiveram como moderadora Mariluce Moura, diretora de redação
da revista Pesquisa FAPESP. Na parte da tarde, Maria da Graça Mascarenhas,
gerente de comunicação da Fundação, foi responsável pela moderação das conferências,
iniciadas por Lúcia Santaella, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em
Tecnologias da Inteligência e Design Digital da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP).
Os estudos envolvendo as chamadas
novas mídias e suas confluências com a televisão foram o mote da exposição de
Santaella. Segundo a pesquisadora, essa mescla, que levou à hipermídia, também
transformou a internet em “plataformas participativas, nas quais a navegação
livre acontece concomitantemente às possibilidades oferecidas pelos novos
direcionamentos propostos pelas redes sociais, a partir das quais há uma maior
ordenação dos sentidos”.
Santaella também fez uma análise
das subáreas apoiadas pela FAPESP no campo da comunicação desde 2002, elencando
pesquisas em temas como visualidade na realidade urbana; o universo da imagem
(das imagens mentais às fotos e imagens digitais); imagem e arte; relações
entre design e arte; publicidade e consumo; cinema e audiovisual; mídia e
comunicação; multimídia e hipermídia; cibercultura; redes digitais; ativismo
nas redes e inclusão digital; ambientes e plataformas digitais e games.
Um aspecto importante observado
por Santaella é que as pesquisas em comunicação, antes restritas a instituições
mais tradicionais, foram se espraiando ao longo da última década e, atualmente,
estudos são conduzidos nas mais diferentes universidades e instituições de
pesquisa, com apoio de agências de fomento, como a FAPESP. O mesmo ocorreu com
subáreas antes tidas como irrelevantes, como os games, que hoje são encaradas
como um novo aspecto a ser explorado também pelos pesquisadores.
Outra análise, desta vez sobre
estudos em comunicação científica, foi apresentada por Carlos Vogt, coordenador
do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Virtual do Estado de São Paulo
(Univesp).
Além de expor um panorama das
pesquisas realizadas pelo Labjor sobre comunicação científica, envolvendo
percepção pública da ciência e da tecnologia, relações entre técnica e
tecnologia e aspectos da cultura científica, Vogt destacou a questão dos
modelos de percepção e o combate ao conceito de déficit de compreensão – o qual
pressupõe haver certa hierarquia na construção do conhecimento científico e na maneira
como essas informações chegam ao público.
“Ao contrário dessa noção de
déficit de conhecimento, a cultura científica pode ser compreendida na forma de
uma espiral, na qual todos os atores da construção do conhecimento científico
tomam parte, inclusive o público”, disse Vogt.
O pesquisador, que também é poeta
e linguista, exemplifica a questão por meio de analogia: o fato de uma pessoa
não jogar futebol não a impede de amá-lo, de ser amador de sua prática, e de
praticá-lo sempre, mesmo que, na maioria das vezes apenas pela admiração
aficionada de torcedor. O mesmo ocorreria com o conhecimento e a cultura
científica.
Nesse sentido, o conceito de bem
estar cultural, resultante das relações da sociedade com as inovações
tecnológicas e que envolve valores e atitudes, hábitos e informações, se
caracterizaria, segundo Vogt, pelo conforto crítico da inquietude gerada pela
provocação sistemática do conhecimento – fator preponderante também para as
pesquisas na área da comunicação.
Comunicação básica
Embora complexo, o problema da
pesquisa em comunicação, para o professor José Marques de Melo, presidente
honorário e um dos fundadores da Intercom, pode ser mais facilmente localizado,
hoje, na desigualdade que verifica nas próprias pesquisas desse campo.
Segundo Melo, enquanto as
investigações avançam em termos de novas mídias, o conhecimento acerca das
questões fundamentais da comunicação tem sido deixado de lado pelos jovens
pesquisadores da área.
“As novas tecnologias não alteram
significativamente a área da comunicação. Elas são absorvidas pelas sociedades,
mas têm capacidade limitada para modificações conceituais. No Brasil, as
pesquisas envolvendo novas mídias têm se desenvolvido, mas faltam estudos
atuais sobre comunicação básica. Por isso, é preciso equilibrar pesquisas sobre
o novo e sobre o convencional”, disse.
Para Marques de Melo, se por um
lado houve aumento na quantidade de pesquisas em comunicação na última década,
com apoio crescente das agências de fomento, por outro, ainda falta, por parte das
instituições, priorizar os estudos comunicacionais, pois o mapa de como a
comunicação se insere na sociedade ainda está por ser completado.
Marques de Melo receberá no dia
24 de novembro, em Alagoas, a Medalha Denis Agra, durante a cerimônia de
entrega do Prêmio Braskem de Jornalismo.
Fonte: http://agencia.fapesp.br
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