Religião e política. A instrumentalização recíproca. Entrevista com o sociólogo Ricardo Mariano
Num contexto onde vigoram
liberdade religiosa, pluralismo religioso, acirrada competição inter-religiosa
e onde o mercado não é regulado pelo Estado, o trânsito religioso tende a se
intensificar, constata o sociólogo.
Sobre as relações entre religião
e política no Brasil, o sociólogo Ricardo Mariano pontua que, de um lado,
"observa-se uma crescente ocupação religiosa da esfera pública. Isto é,
apóstolos, bispos, missionários e pastores pentecostais, a cada pleito, tentam
transformar seus rebanhos religiosos em currais eleitorais, seja para eleger
seus próprios representantes religiosos ao Legislativo, seja para, em troca de
promessas e benesses diversas, apoiar eleitoralmente candidatos seculares a
cargos majoritários. De outro, verifica-se que candidatos, políticos e partidos
de Norte a Sul do país, independentemente de suas orientações ideológicas, cada
vez mais tentam instrumentalizar a religião para fins político-partidários e
eleitorais. Trata-se, portanto, de uma instrumentalização mútua”.
Em entrevista concedida por
e-mail à IHU On-Line, ele destaca que "no Congresso Nacional e nos
legislativos municipais e estaduais a presença e o ativismo político dos
pentecostais vêm ganhando terreno a passos largos. Trata-se de um ativismo
político recheado de moralismo e corporativismo e, desde a Constituinte,
marcado por escândalos. Pesquisa da ONG Transparência Brasil revela que 95% dos
membros da bancada evangélica estão entre os mais faltosos do Congresso
Nacional e, em sua maioria, são objeto de processos judiciais, enquanto,
segundo o DIAP, 87% deles constam entre os ‘mais inexpressivos’”.
Ricardo Mariano é graduado em
Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo, onde também realizou o
mestrado e doutorado em Sociologia. Hoje, é professor na PUCRS. Entre suas
obras, citamos Neopentecostais: Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil
(São Paulo: Edições Loyola, 2005).
Confira a entrevista:
IHU On-Line – Como o senhor
analisa as relações entre religião e política no Brasil?
Ricardo Mariano – De um lado,
observa-se uma crescente ocupação religiosa da esfera pública. Isto é,
apóstolos, bispos, missionários e pastores pentecostais, a cada pleito, tentam
transformar seus rebanhos religiosos em currais eleitorais, seja para eleger
seus próprios representantes religiosos ao Legislativo, seja para, em troca de
promessas e benesses diversas, apoiar eleitoralmente candidatos seculares a
cargos majoritários. De outro, verifica-se que candidatos, políticos e partidos
de Norte a Sul do país, independentemente de suas orientações ideológicas, cada
vez mais tentam instrumentalizar a religião para fins político-partidários e
eleitorais. Trata-se, portanto, de uma instrumentalização mútua. Dirigentes e
leigos católicos também participam da vida política, geralmente através do
lobby da CNBB, mas não só. Muitos deles, por exemplo, atuaram intensamente na
eleição presidencial em 2010. Bispos e leigos conservadores (assim como muitos
pentecostais) atacaram a candidata petista à presidência, opuseram-se ao III
Programa Nacional de Direitos Humanos, especialmente às propostas de
descriminalização do aborto e de retirada de crucifixos de edifícios da União.
A criminalização da homofobia
Em 2010, os evangélicos atacaram,
sobretudo, o Projeto de Lei 122/2006, proposto por uma parlamentar petista,
visando criminalizar a homofobia. Por isso o referido projeto de lei é
percebido por muitos desses religiosos como um atentado à liberdade religiosa e
de expressão. Defendem ferrenhamente seu direito de prosseguir, animados,
pregando um discurso homofóbico que vê a homossexualidade como patológica,
pecaminosa, diabólica e uma perversão da natureza humana. Fundamentados em
preconceitos moralistas de extração bíblica e abertamente dispostos a
discriminar minorias sexuais, muitos líderes pentecostais, versados em
interpretações fundamentalistas dos evangelhos, se opõem abertamente ao
espírito dos direitos humanos, dos direitos de cidadania e dos valores da
democracia. A recente polêmica envolvendo o famigerado "kit gay”, usado
como arma eleitoral contra o candidato petista a prefeito de São Paulo, foi
apenas a mais nova dessas manifestações homofóbicas.
O caso Russomanno
Na campanha para prefeito de São
Paulo deste ano, além da romaria de candidatos às missas de Padre Marcelo Rossi
e de Aparecida, o cardeal-arcebispo, dom Odilo Scherer, entrou de sola na
disputa, ao divulgar comunicado, lido em missas pela capital, desancando (sem
citá-la nominalmente) a candidatura de Celso Russomanno. Apesar de afirmar-se
um "católico fervoroso”, Russomanno foi alvo do tiroteio entre dirigentes
da Igreja Universal e da Igreja Católica. Matérias de imprensa mostraram que
pastores e obreiros da igreja, à revelia da lei, estavam atuando como cabos
eleitorais e alguns templos, funcionando como comitês de campanha de
Russomanno.
Ex-apresentador da Rede Record e
candidato pelo PRB, partido criado e comandado pela Igreja Universal, ele não
teve como desvencilhar-se dos ataques católicos, sobretudo quando veio a
público as acusações (delirantes) feitas um ano antes pelo presidente do PRB,
bispo Marcos Pereira, de que a Igreja Católica era uma das responsáveis pela
promoção do chamado "kit gay”, isto é, o kit anti-homofobia formulado (mas
cujo lançamento foi abortado por pressão de evangélicos) pelo Ministério da
Educação sob a direção de Fernando Haddad, então candidato a prefeito do
município de São Paulo pelo PT. Os ataques católicos chamaram a atenção para o
fato (desconhecido por grande parte de seus eleitores, em boa medida pouco
escolarizada) de que Russomanno era candidato de um conglomerado religioso,
midiático e partidário pertencente à Igreja Universal, denominação
neopentecostal pouco prestigiada, associada a escândalos diversos e, há
décadas, promotora de estratégias de arrecadação heterodoxas.
Limites e dificuldades da
instrumentalização religiosa para fins eleitorais
A instrumentalização religiosa
para fins eleitorais apresenta limites e dificuldades consideráveis. Para o
poder Legislativo, nem tanto, já que Assembleia de Deus, Igreja Universal e
Quadrangular, entre outras, têm conseguido eleger crescente número de vereadores,
deputados estaduais e federais. Para o Executivo, porém, sua influência é bem
menor, muito menos decisiva. Isso ocorre não somente porque os evangélicos
pentecostais compõem uma minoria da população. Deve-se também ao fato de que
esse movimento religioso é fragmentado, diversificado, recortado por um
sem-número de denominações concorrentes. Concorrência denominacional que, por
diversas razões, se reproduz nas alianças e nos apoios eleitorais. Basta
observar que, na eleição à prefeitura paulistana de 2012, três diferentes
igrejas identificadas como Assembleia de Deus (duas de convenções concorrentes,
outra de um ministério independente) apoiaram três candidatos distintos a
prefeito. Divisionismo religioso e político.
No momento, os evangélicos podem
vir a decidir uma eleição majoritária tão somente no caso de haver um candidato
evangélico no segundo turno capaz de mobilizar seu voto (Garotinho recebeu 51%
do voto evangélico no primeiro turno de 2002, mas apenas 6% do dos católicos,
clivagem religiosa radical que o impediu de passar para o segundo turno) ou no
caso de um dos candidatos em disputa no segundo turno for objeto de um amplo
boicote ou rejeição eleitoral de sua parte, por algum sério motivo religioso ou
moral.
No Congresso Nacional e nos legislativos
municipais e estaduais, a presença e o ativismo político dos pentecostais vêm
ganhando terreno a passos largos. Trata-se de um ativismo político recheado de
moralismo e corporativismo e, desde a Constituinte, marcado por escândalos.
Pesquisa da ONG Transparência Brasil revela que 95% dos membros da bancada
evangélica estão entre os mais faltosos do Congresso Nacional e, em sua
maioria, são objeto de processos judiciais, enquanto, segundo o DIAP, 87% deles
constam entre os "mais inexpressivos”.
IHU On-Line – Quais os principais
desafios para a sociologia da religião, considerando o chamado "trânsito
religioso” e a forma de viver a religiosidade e a fé na sociedade
contemporânea, marcada pelo individualismo e pela autonomia?
Ricardo Mariano – Num contexto
onde vigoram liberdade religiosa, pluralismo religioso, acirrada competição
inter-religiosa e onde o mercado não é regulado pelo Estado, o trânsito
religioso tende a intensificar-se. Pois nesse contexto os indivíduos detêm
enorme liberdade para fazer suas escolhas religiosas. De modo que, quando
insatisfeitos, podem rompê-las, trocá-las, minimizá-las e largá-las. Decerto,
seus laços familiares e de sociabilidade, incluindo os religiosos, pesam em
suas opções religiosas.
O próprio esgarçamento do tecido
familiar tende a reduzir, pouco a pouco, a importância da família na definição
das opções religiosas dos indivíduos. Tais opções, assim, tendem a depender e
apoiar-se mais e mais na subjetividade dos agentes, que, além de mediada por
seus laços sociais e religiosos, é informada por uma série de outras fontes,
como a literatura religiosa (incluindo as de matriz cristã, espírita,
autoajuda, esotérica, nova era etc.), a internet e suas redes sociais, a música
e as bandas religiosas (entre elas a gospel), as mais diversas publicações
semanais, sobretudo as revistas destinadas a públicos femininos, os cursos e
palestras de gurus, as feiras místicas etc.
A privatização da religião
Avança a privatização da
religião. Com isso não se quer dizer que a religião se circunscreva cada vez
mais à vida privada (decididamente não é isso que está ocorrendo), mas, sim,
que se têm multiplicado as bricolagens, as experimentações idiossincráticas e
privatizantes da religião. Aumenta também o contingente de pessoas que mantêm a
identidade religiosa e a crença, mas preferem fazê-lo fora de instituições.
Isso é algo que pode estar ocorrendo com parte dos 9,2 milhões de evangélicos
identificados pelo Censo como evangélicos não determinados, isto é, como não
filiados a igrejas. Em razão do contexto de liberdade, de pluralidade cultural,
do individualismo e da crescente procura por autonomia individual em relação
aos poderes constituídos, incluindo os religiosos, debilita-se, sobretudo, a
capacidade do clero de impor a seu séquito condutas morais rigorosas, sectárias
e indesejadas ou na contramaré das transformações culturais e comportamentais
em voga na sociedade abrangente. Estão sob pressão crescente, portanto, os
grupos religiosos que pretendem, por exemplo, moralizar a conduta individual e
controlar rigidamente a sexualidade de seus adeptos segundo ditames bíblicos
morais ascéticos.
O anacronismo da moralidade
sexual nas igrejas
Tais proposições tendem a dilatar
as defecções, a indiferença religiosa e a hipocrisia. Pesquisa realizada pelo
Bureau de Pesquisa e Estatística Cristã – BEPEC revela que 26,2% de homens e
mulheres evangélicos casados concordou totalmente com a afirmação de que
"o comportamento da igreja evangélica em relação ao sexo é muito
hipócrita” (Cristianismo Hoje, jun./jul. 2011). Afirmação que indica
descontentamento com o anacronismo da moralidade sexual pregada pelas igrejas
evangélicas, mas também reivindicação de autonomia individual em relação a essa
moral bíblica e às autoridades religiosas que a difundem.
Cabe à sociologia da religião
investigar mais atentamente como os fiéis ou adeptos praticam sua religião e
vivenciam efetivamente sua religiosidade. Mas isso, defendo, deve ser
acompanhado da pesquisa do que fazem e propõem as instituições e suas lideranças
religiosas, e não somente para observar o descompasso entre as crenças e
práticas dos adeptos e as orientações de seus líderes. Mesmo que reduzido o
poder pastoral, não se pode descurar da importância sociológica das
instituições religiosas na conformação do discurso, das crenças e práticas de
seus adeptos, bem como em certos de seus padrões de comportamento. E é preciso
que a sociologia da religião dialogue mais com outras sociologias e com outras
ciências sociais para ampliar seu alcance e aperfeiçoar sua análise.
IHU On-Line – Considerando a
trajetória histórica do movimento pentecostal no Brasil, o que marca a
religiosidade pentecostal atualmente? Em que sentido ela mais mudou em
comparação a 50 anos atrás, por exemplo? Qual a novidade que a corrente
neopentecostal introjetou na vivência religiosa brasileira?
Ricardo Mariano – A corrente
neopentecostal exerceu papel crucial na transformação do pentecostalismo
nacional nas últimas três décadas. Implantou e disseminou a Teologia da
Prosperidade, abandonou e desprezou antigos usos e costumes de santidade,
reduziu, por princípio e estratégia, o ascetismo e o sectarismo, adotou crenças
da teologia do domínio, enfatizou a guerra espiritual contra o diabo,
hipertrofiou e sistematizou a oferta de soluções mágico-religiosas nos cultos e
na mídia, forjou gestão denominacional em moldes empresariais, investiu pesado
no tele-evangelismo, na música gospel e na aquisição e arrendamento de
emissoras assim como na formação de redes de rádio e TV, encarou a pluralização
religiosa e sociocultural como um desafio evangelístico e de mercado e, tal
como a Assembleia de Deus, ingressou na política partidária na Constituinte. No
caso da Igreja Universal, além de eleger bancadas parlamentares, fundou um
partido político, o PRB. Toda essa transformação não ocorreu só em razão da
deliberada disposição das novas lideranças pentecostais de promover, por razões
diversas, tal acomodação às mudanças em curso na sociedade, mas também das
pressões da concorrência religiosa e, sobretudo, dos constrangimentos impostos
pelas demandas por mudança por parte de seus adeptos, clientes e diferentes
públicos-alvo.
Acomodar o pentecostalismo à
sociedade brasileira
A vertente neopentecostal
liderou, portanto, diversas mudanças e inovações teológicas, estéticas,
litúrgicas e comportamentais no pentecostalismo. Não obstante seu sectarismo no
plano religioso, cujo destaque recai sobre sua demonização dos cultos afro-brasileiros,
ela contribuiu fortemente para acomodar o pentecostalismo à sociedade
brasileira. Colaborou, por exemplo, para abrir espaço ao surgimento e
incorporação de artistas, modelos, surfistas, jogadores de futebol, políticos,
rappers, roqueiros, atletas de Cristo, bandas gospel e até para a formação de
blocos evangélicos carnavalescos: a folia de Cristo.
Desde então, tornou-se possível
ser pentecostal e modelo; ser pentecostal e roqueiro, etc. Tal conjunção
identitária, que até há pouco era inadmissível e radicalmente incompatível com
sua moralidade, com seus usos e costumes e com seu ascetismo, tornou-se
repentinamente aceitável. Sinal de que essa religião, ao se transformar, vai
paulatinamente deixando de ser um retrato negativo da cultura brasileira. Demonstração
de que suas fronteiras identitárias, tanto no plano moral como no
comportamental, tornaram-se mais diluídas, porosas, flexíveis e mais difíceis
de distinguir. A ponto de terem surgido até os traficantes evangélicos,
repletos de tatuagens (verdadeiros amuletos protetores) contendo versículos
bíblicos. Mesmo as fronteiras religiosas mostram-se menos nítidas do que
frequentemente se espera.
Pesquisa do Datafolha, realizada
em maio de 2007, mostrou que 8% dos pentecostais tinham um santo (católico) de
devoção e 15% deles acreditavam totalmente em reencarnação (doutrina de origem
hindu disseminada pelo kardecismo no Brasil). Não obstante tamanha
transformação, esses religiosos mantiveram importantes traços ascéticos e
sectários, como a rejeição ao consumo de álcool, do fumo e das drogas, ao sexo
fora do casamento, ao homossexualismo e ao ecumenismo.
IHU On-Line – No contexto atual,
marcado pela secularização, o senhor percebe um arrefecimento ou um
reavivamento da religiosidade entre as pessoas?
Ricardo Mariano – No Brasil, os
católicos decresceram, os pentecostais cresceram aceleradamente entre os mais
pobres nas regiões urbanas (sobretudo nas periferias violentas e desassistidas
pelos poderes públicos) e de fronteira agrícola, os sem religião, grupo que
mais cresceu entre 1980 e 2000, continuaram se expandindo embora num ritmo
menor, os espíritas avançaram entre os estratos sociais de maior renda e
escolaridade, os umbandistas, depois de perderem mais de 144 mil adeptos entre
1980 e 2000, estagnaram na última década, as Testemunhas de Jeová (intensamente
proselitistas) e as outras religiões continuaram crescendo.
De todo modo, excluindo católicos
(64,6%), evangélicos (22,2%) e sem religião (8%), todas as outras somavam
apenas 5% da população brasileira em 2010. A despeito do avanço dos sem
religião, o Brasil retratado pelo último Censo Demográfico continua
mostrando-se solo dos mais férteis para a prédica religiosa, em especial para o
pentecostalismo. No conjunto, as igrejas pentecostais continuam crescendo
vigorosamente mediante, entre outros recursos e estratégias, o proselitismo
pessoal (efetuado por leigos e, em especial, pelas mulheres) e midiático e a
oferta sistemática de serviços mágico-religiosos (e terapêuticos) para a
solução de problemas pontuais e imediatistas de saúde, psicológicos, afetivos,
familiares, financeiros etc. Com suas promessas mágicas e taumatúrgicas,
aproveitam, sobretudo, a vulnerabilidade social de parcela considerável da
população brasileira, a tradição mágica do catolicismo popular, o baixo número
de padres católicos, o elevado contingente de católicos nominais.
Brasil: um país laico?
Nas comparações internacionais, o
Brasil aparece sempre entre os países mais religiosos em termos de crença e de
prática religiosas. Constitucionalmente, o país é laico, não obstante o ensino
religioso facultativo em escolas públicas, a recente concordata católica, a
referência a Deus no preâmbulo da Constituição. No plano político, contudo, a
laicidade tem sido pressionada pela instrumentalização recíproca entre religião
e política. Pois, à medida que correm atrás de apoio, voto e legitimação
providos por líderes e rebanhos religiosos, nossos políticos, partidos e
governantes contribuem para reduzir a autonomia da política em relação aos poderes
eclesiásticos e a seus rompantes moralistas, integristas e fundamentalistas.
Muitas vezes isso ocorre por pura
covardia ou por temor eleitoral diante dos lobbies religiosos e de seus
representantes parlamentares. Com isso políticos seculares pressionados por
grupos e parlamentares religiosos tendem a impedir que questões públicas
fundamentais sejam tratadas e debatidas a partir de visões de mundo, expertises
e conhecimentos seculares radicados na ciência, na medicina, na saúde pública,
nos direitos humanos e daí por diante. Impedem, portanto, a secularização do
encaminhamento e tratamento de uma série de problemas.
IHU On-Line – Quais as novidades
nas pesquisas sobre a concordata católica, a Lei Geral das Religiões e as
teorias sociológicas da secularização e da laicidade do Estado? Como essas
pesquisas nos ajudam a compreender o cenário religioso brasileiro
contemporâneo?
Ricardo Mariano – Não é possível
resumi-los e nem fazer jus aos trabalhos que estão sendo realizados nos últimos
anos sobre tais temas. O site do Observatório da Laicidade do Estado (OLÉ –
http://www.nepp-dh.ufrj.br/ole/) pode dar uma boa dimensão da variedade de
pesquisas e temáticas que estão sendo desenvolvidas em diferentes áreas do
conhecimento (sociologia, antropologia, educação, história, direito,
assistência social, psicologia, entre outras) envolvendo a questão da
laicidade. Este tema vem se tornando mais e mais relevante à medida que se
acelera a ocupação religiosa da mídia eletrônica, da política partidária e das
campanhas eleitorais. Ocupação esta que deriva, em boa medida, do
recrudescimento da competição entre pentecostais e católicos pela hegemonia
religiosa no país. Tal competição intrarreligiosa desdobrou-se para a esfera
pública nas últimas três décadas. O investimento maciço de pentecostais e
católicos na compra de emissoras e na formação de redes de tevê exemplifica
emblematicamente isso. Pela mesma razão, proliferaram os megatemplos e os
megaeventos religiosos, efeitos de uma corrida desenfreada pela ocupação religiosa
do espaço público.
O ativismo político e midiático
de religiosos no Brasil
Ainda é cedo para sabermos as
consequências, no médio e longo prazo, do crescente ativismo político e
midiático desses religiosos no Brasil. Mas já se podem ver indícios – como
ocorreu na exploração eleitoral do "kit gay” para tentar desmoralizar e
prejudicar uma candidatura a prefeito em São Paulo nesta eleição – de reações
seculares e religiosas adversas à mistura entre religião e política. No caso
norte-americano, mais de três décadas consecutivas de ativismo da Direita
Cristã não deram em bons resultados no campo político, já que a militância
desses religiosos não conseguiu alterar nada de fundamental em prol de suas
causas moralistas nos planos jurídico e político nos Estados Unidos.
Mais que isso: recente pesquisa
realizada pelo Pew Research Center revela que cresceu muito e rapidamente o
contingente dos norte-americanos sem filiação religiosa. Já são 19,6% dos
norte-americanos (incluídos os 13 milhões ou 6% de ateus e agnósticos) sem
filiação religiosa. E os jovens são, disparado, os menos filiados a grupos
religiosos. Nada menos do que um terço (32%) dos norte-americanos abaixo de 30
anos são nones ou unaffiliated, isto é, sem filiação religiosa. Desde a
Primeira Guerra, cada geração tem se revelado sempre menos religiosa do que a
anterior.
Tal forma de secularização tende
a se estender pelas próximas gerações, à medida que a socialização religiosa
intrafamiliar mostra-se cada vez mais débil. Mais ainda que os filiados a
grupos religiosos, os não filiados criticam fortemente as igrejas e
organizações religiosas por estarem preocupadas demais com dinheiro e poder e
envolvidas demais na política. O envolvimento da Direita Cristã na política,
além de criticado por religiosos e por não filiados à religião alguma, resultou
na formação de diversos movimentos e coalizões seculares, que constituíram
lobbies diversos para atuar sobre os poderes públicos. Reações laicas no Brasil
não tardam por esperar, embora seja de todo improvável que ocorram nos moldes
organizados, sistemáticos e pragmáticos dos movimentos seculares dos Estados
Unidos, especialmente da encabeçada pela Secular Coalition for America.
Fonte: http://www.adital.com.br
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