Na prática, a teologia (da libertação) é outra! – Por Jung Mo Sung
Desde o seu início, a Teologia da
Libertação latino-americana assumiu que a sua especificidade ou originalidade
não consistia em falar em favor dos pobres ou criticar o capitalismo.
Pois,
diversas teologias já tinham feito isso antes e estavam fazendo na época do
surgimento da TL na América Latina. Entre as diversas características do que se
chamou de "ruptura epistemológica” da TL, estava a relação dialética entre
a teoria e práxis. Eu usei o termo "estava” porque sinto que muitos dos
textos produzidos hoje do que ainda se entende como teologia da libertação não
leva mais isso a sério.
Parafraseando livremente uma das
afirmações de Marx sobre Feuerbach, que foi muito importante nessa ruptura
epistemológica, podemos dizer: os teólogos já tem demasiadamente interpretado e
até condenado o mundo moderno e o capitalismo, mas é preciso ir além e
transformá-lo.
Quando se fala na transformação é
preciso entender que não é um simplesmente prolongamento, um passo a mais, da
interpretação e condenação. O momento prático de lutas de transformação é um
momento qualitativamente diferente da crítica meramente teórica. Tomemos um
exemplo para deixar essa ideia mais clara.
Um teólogo pode criticar o
capitalismo dizendo que o sistema de mercado, com sua concorrência e obsessão
por eficiência econômica, é injusta e opressora. Mas, se não dá o passo
seguinte de pensar e construir um sistema alternativo ou práticas econômicas
mais justas, esse mesmo crítico não vai perceber que a práxis transformadora
exige que as ideias críticas se "encarnem” dentro das realidades
econômicas e sociais existentes e partir dos recursos materiais, humanos e de
conhecimento existente criar algo alternativo. Isto é, exige que saia da
postura de condenação abstrata e veja o que é possível fazer com e a partir do
que temos hoje.
Na medida em que se defronta com
as condições objetivas da realidade existente, teólogo/a precisa rever até
mesmo a sua interpretação e condenação feitas antes da ação. Pois percebe que a
crítica abstrata acaba por exigir e promete objetivos que não são viáveis,
factíveis, no momento ou mesmo dentro das condições humana e histórica. É a
práxis que nos dá consciência dos limites que enfrentamos.
Diante desses limites, há duas
posições básicas. Uma é manter sua autoimagem de crítico radical e, na prática,
abdicar fazer algo concreto ficando somente na postura de condenação. Outra é
estabelecer uma relação dialética entre teologia e práxis e perceber que a
crítica teológica possibilitou ver as injustiças do mundo e o horizonte de um
mundo alternativo; e ao assumir lutas concretas, aprender da práxis a rever
posições teológicas e de teorias sociais para que possamos construir
alternativas concretas. Assim, por exemplo, reconhecer que não é possível
organizar uma economia global alternativa sem nenhum mecanismo de mercado.
É claro que para o primeiro
grupo, os críticos pseudorradicais, a relação dialética entre teologia e práxis
aparece como reformismo inaceitável, como um tipo de conivência com o sistema.
O segundo grupo, diferentemente, aprende que "na prática, a teologia (da
libertação) é outra”. Aprende que críticas ou condenações abstratas, sem
articulação com lutas de criação de alternativas concretas, podem ser
suficientes para pessoas que vivem (ganham a vida) com discursos ou cursos, mas
insuficientes para a criação de um outro mundo.
A Teologia da Libertação não
nasceu para propagar imaginações radicais que servem de base para condenação
abstrata do mundo existente, mas sim para refletir criticamente a teologia e fé
cristã, questionando e respondendo questões que nascem da luta concreta pela
construção de uma sociedade mais justa e humana.
[Jung Mo Sung, co-autor com N.
Miguez e J. Rieger, do "Para além do Espírito do Império”, Paulinas.
twitter: @jungmosung]. Diretor da Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade
Metodista de São Paulo.
Fonte: http://www.adital.com.br
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