Em dois anos, Itamaraty emite mais de 100 passaportes diplomáticos; arcebispo e presidente da CBF têm documento – Por Marina Motomura
Nos últimos dois anos, o MRE
(Ministério das Relações Exteriores) do Brasil concedeu 112 passaportes
diplomáticos em caráter excepcional a diversas autoridades, ligadas ou não ao
governo, segundo levantamento feito pelo UOL com base no Diário Oficial da
União.
Além de bispos de igrejas
evangélicas, que causaram polêmica ao receber o documento nesta semana, há
outras personalidades conhecidas do público que também tiveram acesso ao
passaporte diplomático, incluindo outro líder religioso, o arcebispo emérito de
São Paulo, dom Cláudio Hummes. O presidente da CBF (Confederação Brasileira de
Futebol), José Maria Marin, e o ministro aposentado do STF (Supremo Tribunal
Federal) Cezar Peluso, entre outras pessoas, também tiveram acesso ao
documento.
PASSAPORTES DIPLOMÁTICOS
2011 49 passaportes diplomáticos
concedidos
2012 51 passaportes diplomáticos
concedidos
2013 12 passaportes diplomáticos
concedidos
Fonte: Diário Oficial da União
até 16.jan.2013
Durante todo o ano de 2011, foram
49 passaportes concedidos; em 2012, 51; e, nas duas primeiras semanas de
janeiro de 2013, 12 documentos do gênero foram emitidos pelo Itamaraty. Não é
possível fazer a comparação com anos anteriores, pois só a partir de janeiro de
2011 o Itamaraty começou a publicar os nomes dos titulares no Diário Oficial.
O que diz a regra
As regras para a concessão do
passaporte diplomático foram definidas no decreto 5.978, de 4 de dezembro de
2006.
Diz o texto que têm direito
regularmente ao passaporte diplomático: o presidente da República, o
vice-presidente e os ex-presidentes da República; os ministros de Estado, os
ocupantes de cargos de natureza especial e aos titulares de secretarias
vinculadas à Presidência da República; os governadores dos Estados e do
Distrito Federal; os funcionários da carreira de diplomata, em atividade e
aposentados, de oficial de chancelaria e os vice-cônsules em exercício; os
correios diplomáticos; os adidos credenciados pelo Ministério das Relações
Exteriores; os militares a serviço em missões da Organização das Nações Unidas
e de outros organismos internacionais, a critério do Ministério das Relações
Exteriores; os chefes de missões diplomáticas especiais e aos chefes de
delegações em reuniões de caráter diplomático, desde que designados por
decreto; os membros do Congresso Nacional; os ministros do Supremo Tribunal
Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União; o
procurador-geral da República e aos subprocuradores-gerais do Ministério
Público Federal; e os juízes brasileiros em tribunais internacionais judiciais
ou tribunais internacionais arbitrais.
O decreto, no entanto, deixa uma
brecha para pessoas não relacionadas nos quesitos acima que queiram o
"superpassaporte". No parágrafo 3º, o texto afirma que "mediante
autorização do ministro de Estado das Relações Exteriores, conceder-se-á
passaporte diplomático às pessoas que, embora não relacionadas nos incisos
deste artigo, devam portá-lo em função do interesse do país."
Até 2011, as
pessoas que obtinham acesso ao passaporte diplomático a partir dessa regra eram
desconhecidas, mas, desde 2011, o MRE determinou que os nomes deviam ser
publicados no Diário Oficial da União.
Mudança de regras
Após a publicação de reportagens
que mostravam que filhos e netos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
haviam recebido o documento a poucos dias do final do mandato, o MRE publicou
uma portaria em 25 de janeiro de 2011 para dar transparência ao assunto.
A portaria do Itamaraty afirma
que o requerente deverá demostrar que "está desempenhando ou deverá
desempenhar missão ou atividade continuada de especial interesse do país, para
cujo exercício necessite da proteção adicional representada pelo passaporte
diplomático".
Afirma ainda que a concessão de passaporte diplomático ao
cônjuge, companheiro ou companheira e aos dependentes estará vinculada à missão
oficial do titular e, portanto, terá validade pelo prazo da missão.
A portaria determina ainda que os
que recebem passaporte diplomático de acordo com o parágrafo terceiro, ou
seja, os emitidos em caráter "excepcional", e têm o nome e o pedido
publicados no Diário Oficial da União, o que não acontecia anteriormente.
Ministério da Defesa
Dos 112 documentos, a maioria foi
emitida para integrantes do Ministério da Defesa e das Forças Armadas
Brasileiras. Em 2011, o ministério entregou 19 passaportes para o Ministério da
Defesa, para a Marinha e para o Exército. Em 2012, foram 21, e, neste começo de
ano, já foram três passaportes. O Itamaraty afirma que a Defesa e as Forças
Armadas recebem mais documentos que os demais órgãos devido ao grande efetivo.
Questionado sobre o alto número
de passaportes especiais, o Ministério da Defesa afirma que "os pedidos de
emissão de passaportes obedecem a critérios que regem as diretrizes".
Segundo o ministério, as condições que levam os militares a receberam o
documento são:
curso de mais de dois anos e missões de paz no exterior, e
serviço nas embaixadas como adidos militares. É comum ainda que os militares
levem familiares nas missões no exterior, e, nesse caso, os cônjuges e
dependentes também têm direito ao documento de identificação. "Se o
militar tem uma família enorme e há necessidade de levar todos, o número aumenta.
Se o militar é solteiro, diminui", afirma o ministério.
Em segundo lugar entre os órgãos
que mais receberam passaportes diplomáticos, estão representações do Brasil no
exterior, ligadas ao próprio Ministério de Relações Exteriores. Somados os anos
de 2011 e 2012, foram 20 passaportes diplomáticos para embaixadas e consulados
do Brasil no México, no Timor Leste, na Nicarágua, no Japão, no Uruguai, no
Canadá e para a representação permanente do Brasil junto aos organismos
internacionais sediados em Londres.
Aparecem ainda com frequência
passaportes emitidos para a Vice-Presidência da República (oito em 2011 e dois
em 2012), para a Presidência da República (três em 2011 e um em 2012) e para o
Supremo Tribunal Federal (cinco em 2011, e dois em 2012 e 2013). Segundo a
Vice-Presidência, os servidores que receberam o documento são a chefe de
gabinete do vice-presidente e "militares que cuidam da logística e do
atendimento ao vice-presidente da República nas viagens internacionais".
Entre os nomes relacionados ao gabinete
da Presidência, estão o assessor internacional da presidente Dilma Rousseff,
Marco Aurélio de Almeida Garcia, e o economista José Francisco Graziano da
Silva, atual diretor da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e
Alimentação) e ex-ministro da Segurança Alimentar.
Também foi comum, nos últimos
anos, a emissão de passaportes para a Polícia Federal. No Distrito Federal,
foram cinco passaportes emitidos em nome da PM-DF, que, procurada pela
reportagem, não se pronunciou sobre o assunto.
No Judiciário, entre os ministros
que receberam passaportes diplomáticos recentemente, estão os magistrados
aposentados do STF Cezar Peluso, Néri da Silveira, José Francisco Rezek, Ilmar
Galvão e suas respectivas mulheres. O ministro-substituto do TCU (Tribunal de
Contas da União) Marcos Bemquerer Costa também o recebeu, assim como sua
mulher. Segundo as assessorias do STF e do TCU, todos os ministros e seus
cônjuges têm direito a portar o documento, incluindo os magistrados
aposentados, que continuam aptos a representar o tribunal no Brasil e no
exterior.
Dos ministérios do governo
federal, houve ainda um passaporte diplomático emitido para Maurício Antônio
Rocha Borges, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Segundo a pasta, Borges lidera missões empresariais o exterior por ser diretor
da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), órgão
vinculado ao ministério.
CBF e arquidiocese
O levantamento do UOL mostra
ainda que servidores de entidades diversas, como a Confederação Brasileira de
Futebol (além de Marin, sua mulher, Neuza Augusta Barroso Marin, também é
portadora do documento), o Instituto Internacional para Unificação do Direito
Privado (UNIDROIT), o Banco do Brasil, a Arquidiocese de São Paulo, a
Superintendência da Zona Franca de Manaus, a Organização Internacional do Café.
Procurados pela reportagem para
comentar a emissão dos passaportes, a CBF e a Arquidiocese de São Paulo não
responderam aos questionamentos.
Benefícios
De acordo com o Itamaraty, nem
todos os aeroportos do mundo fazem distinções entre os detentores de passaporte
diplomático e comum. Em geral, os que têm passaporte diplomático têm uma fila
especial e são submetidos a regras específicas para a concessão de visto. Mas
isso não acontece sempre.
Ainda conforme o Ministério das
Relações Exteriores, quem tem passaporte diplomático é submetido às mesmas
regras dos demais viajantes no que se refere aos tratamentos na Polícia Federal
e na Receita Federal.
O passaporte oferece vantagens a
seu portador, como não pagar por ele e não precisar de visto para alguns
destinos, como a China.
Fonte: http://noticias.uol.com.br
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