Peso político e poder de consumo impulsionam presença dos evangélicos na TV – Por Karina Kosicki Bellotti
O final dos anos 1980 e o início
dos anos 1990 foram marcados pelo estranhamento em relação aos evangélicos por
parte da grande imprensa e das grandes redes abertas, Globo, Manchete, SBT, em
especial, após a compra da Rede Record por Edir Macedo, bispo e fundador da
Igreja Universal do Reino de Deus.
Muitos se perguntavam quem era
esse grupo e como ele havia alcançado essa visibilidade, num país até então
majoritariamente católico.
O sentido das coberturas era em
geral ofensivo, de reportagens investigativas, com câmeras escondidas,
entrevistas com dissidentes, retratando de forma negativa a relação entre
alguns grupos de evangélicos (os chamados neopentecostais) e a arrecadação de
dízimos e ofertas.
Reportagens mostrando cultos da
Universal em estádios, com sacos de dinheiro sendo abençoados, foram mostrados
de forma demonizadora, sendo contrapostas a depoimentos de outros líderes
religiosos que condenavam a prática, afirmando que isso não era cristianismo.
O período de 1989 a 1995 foi
marcado por uma espécie de "guerra santa", que culmina com o
"chute na santa", dado por um pastor da Universal no dia de Nossa
Senhora Aparecida, em 12 de outubro de 1995. Nesse período, vemos vários
veículos de comunicação demonizando os neopentecostais, o que
"respinga" em outros grupos evangélicos que não são identificados com
esse grupo.
Ressalto a minissérie
"Decadência", veiculada pela Globo em setembro de 1995, escrita por
Dias Gomes, em que Edson Celulari interpretava um pastor sem escrúpulos, além
da própria cobertura dada pela Globo, uma emissora tradicionalmente simpática
ao catolicismo, por conta do chute na santa.
Observamos que, nos últimos cinco
anos, a Globo tem se aproximado deste público, porque tem lhe conferido não
somente um peso de formação de opinião, mas também de mercado consumidor.
Agora há o Festival Promessas, o
selo da Som Livre para música cristã contemporânea, que reúne artistas
evangélicos e católicos, que já tocaram no Faustão e tiveram música em trilha
sonora de novela.
Da quase ausência de cobertura de
eventos evangélicos, como a Marcha para Jesus, para a cobertura no "Jornal
Nacional" dos cem anos da Assembleia de Deus (2011), da Marcha para Jesus,
e mesmo dos protestos feitos por Silas Malafaia contra o projeto de lei 122/06
(contra a homofobia), vemos uma mudança de atitude significativa.
É importante destacar que a
bancada evangélica cresceu no Congresso (e que tem se aproximado do governo
desde a administração Lula), cresceu o poder aquisitivo de muitos evangélicos
que ocupavam a chamada classe C e aumentou a mobilização de parcelas de
evangélicos nas redes sociais, o que dá maior voz e visibilidade para esse
grande e heterogêneo conjunto religioso denominado "evangélico".
Se antes o evangélico era
retratado de forma demonizada, no caso das lideranças, ou paternalista, no
caso do fiel, retratado como um sujeito vulnerável aos ataques de líderes
inescrupulosos, atualmente vemos um retrato mais positivo, mas ainda longe da
sua grande diversidade. São retratados como sujeitos religiosos que merecem
respeito, que votam, que consomem e são exigentes na qualidade do que lhe é
oferecido.
A aproximação se dá mais pela
música, pela figura feminina de artistas como Ana Paula Valadão (que recentemente
cantou no "Encontros com Fátima Bernardes") e Aline Barros, e até por
programas como "Sagrado", que traz diferentes lideranças religiosas
para falar sobre diversos assuntos da vida e da morte.
É uma aproximação ainda
cuidadosa, que não livra a Globo dos deslizes de chamar os cantores evangélicos
de "estrelas da música gospel" (a crença rejeita qualquer alusão a
idolatria), mas perto de como era e não era, antigamente, é um grande avanço,
que é comemorado por muitos evangélicos nas redes sociais.
Lembro-me de como a ida de Aline
Barros ao "Domingão do Faustão" foi comemorada por blogs e em
comunidades evangélicas no Orkut. Como o universo evangélico é muito
diversificado, é difícil pontuar que só há desconfiança em relação à iniciativa
da Globo em se aproximar deste grupo; a Record procura galvanizar a atenção dos
"evangélicos" como um todo, oferecendo programação religiosa, mas não
há unanimidade entre os evangélicos em relação ao que essa emissora produz.
Acredito que as redes sociais têm
ajudado a conferir maior visibilidade; o próprio uso da mídia feito por grupos
evangélicos tem conferido também esta visibilidade, seja em termos de
evangelização, seja nas campanhas eleitorais e até nas ameaças de boicote a
novelas da Globo, como "Salve Jorge".
Agora, uma das características
ligadas historicamente a uma suposta "identidade evangélica" no
Brasil é essa ideia de estar afastado da grande sociedade católica ou secular;
essa ideia de "estar no mundo, mas não pertencer a ele".
O reconhecimento maior que a
grande mídia tem oferecido aos evangélicos traz alguns desafios a essa
autoimagem evangélica, pois dentro desse grupo heterogêneo destaca-se o desejo
de vigiar de perto o que a grande mídia fala sobre ele, tendo em vista todo o
histórico de agressões e perseguições empreendidas.
Então, destaca-se essa autoimagem
positiva, de povo honesto, trabalhador, que canta, louva, veste-se de forma
elegante, mas sem ostentação; que é igual a todo mundo no dia a dia, e que leva
sua crença muito a sério, pois enxerga na própria vida um testemunho a ser dado
para quem não é evangélico, a ideia de ser "sal da terra, luz do
mundo".
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br
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