Coleção de arte que estava na Suíça ganha espaço definitivo no Rio de Janeiro – Por Mariana Peixoto


Uma suíça com grande interesse por arte e pelo colecionismo. Um alemão com conhecimento da arte latino-americana e olho para descobrir novos artistas. 

Em 2000, Ruth Schmidheiny e Hans-Michael Herzog juntaram forças para montar o embrião da Casa Daros. Treze anos mais tarde, com um acervo de 1,2 mil obras de 117 artistas contemporâneos, da década de 1960 até a atualidade, começam a revelar um trabalho minucioso que traduz seriedade, persistência e apuro.

Revelar, no caso, para os brasileiros. Porque ao longo da última década a Coleção Daros Latinamerica viajou mundo, além de ter sido visitada, sistematicamente, em sua primeira sede, em Zurique (que funcionou em 2010). Porém, desde o momento inicial, a intenção era que a arte da América Latina fosse vista em seu próprio local de origem. Até encontrar o edifício construído em 1866 e que pertenceu à Santa Casa de Misericórdia, pensou-se também em Buenos Aires e Havana.

“Quando entraram nessa casa não resistiram, porque, apesar de ser muito maior do que o espaço que procuravam (pensavam em algo de não muito mais do que 1 mil metros quadrados), aqui revela a vontade deles, um espaço de arte e educação e que é também um ponto de encontro”, afirma Isabella Rosado Nunes, diretora geral da Casa Daros. 

O prédio foi adquirido em 2006 por R$ 16 milhões. Na época, a intenção era que o processo de restauro e reforma não levasse mais do que três anos.

“Quando falamos em abrir em 2008, 2009, era pura ansiedade e falta de conhecimento do que o projeto iria demandar”, acrescenta. Até a inauguração, há uma semana, foram consumidos R$ 67 milhões (com recursos da Daros Latinamerica). 

O processo de restauro foi absolutamente minucioso. Portas, janelas, piso foram recuperados. Houve preciosismos, como numerar cada uma das partes da madeira que cobrem a principal sala para, uma vez restauradas, serem devolvidas a seu lugar de origem. Para além das exposições, o museu conta com cafeteria, restaurante, loja e auditório.

A imagem de Nossa Senhora das Graças, que marca a fachada da Casa Daros, foi mantida. Ganhou inclusive releitura de Vik Muniz, que criou uma nova imagem formada a partir dos objetos e escombros da própria obra. Durante dois anos, o material foi recolhido e levado para o ateliê que o artista mantém em Parada de Lucas. Lá, foi montada a instalação, de grandes proporções. A fotografia, hoje parte do acervo do museu, está exposta numa das primeiras salas da Casa Daros, na mostra Para saber escutar, voltada para arte-educação.

A intenção é que, por ano, ocorram de duas a três exposições. Em cartaz até setembro, Cantos cuentos colombianos, com curadoria de Hans-Michael Herzog, apresenta 75 trabalhos de 10 artistas da Colômbia. A mostra, apresentada anteriormente em Zurique entre 2004 e 2005, serviu para reavaliar a arte colombiana em seu país de origem e em todo o mundo, como explica o curador no texto de apresentação do catálogo. 

“Por mais de sessenta anos, a violência e a guerra têm se espalhado pelo país... Sob condições de vida tão extremas é natural que os artistas não busquem a arte pela arte, mas sim tratem da situação política e social de seu país”, escreveu Herzog.

Entre a dor e a ironia

Há mensagens claras, como na série de fotos David (2005), de Miguel Ángel Rojas. O nome da obra e, curiosamente, o do próprio autor remetem ao icônico David de Michelangelo. O espectador mais atento vai logo perceber que o rapaz da foto havia sido mutilado por uma mina. Muitas imagens fortes (trabalhos com imagens de desaparecidos são recorrentes) acabam sendo anuviadas por obras com bastante ironia. 

Nadín Ospina criou esculturas inspiradas em peças do período pré-colombiano. Chamou falsificadores de peças arqueológicas que criaram cerâmicas com os mesmos materiais. Só que as imagens são de Mickey, Minnie, Pateta e até Bart Simpson, uma das mais visitadas da mostra.

O processo de realização das obras dos colombianos é destacado, em explicação feita em vídeo pelos próprios artistas, em outra área do museu. Terminada essa exposição, o argentino Julio Le Parc vai ganhar grande mostra na Casa Daros. O programa Meridianos vai unir duplas de artistas de diferentes gerações e países para conversar com o público. Estão confirmados, por exemplo, nomes como Carlos Cruz-Diez e Waltercio Caldas e Julio Le Par e Iole de Freitas. As salas de exposições convergem para um grande pátio. 

“As pessoas têm olhado para ele e falado que temos que fazer coisa ali. Mas inicialmente estamos mostrando uma coleção. Queremos primeiro sentir o que é isso em vez de fazer um monte de eventos paralelos, já que o nosso projeto coloca o holofote na arte”, diz Isabella Rosado Nunes.

De acordo com ela, a Casa Daros pode se manter, com seus próprios recursos, pelos próximos 10 anos. “Não significa que a gente não vá usar renúncia fiscal, pois não seria inteligente, já que estamos num país com legislação que permite ter parcerias. Até agora não utilizamos nada como uma decisão estratégica. E não deixamos de ter ofertas. Conseguimos manter independência nesse sentido, mas sinto que podemos enriquecer o projeto com uma série de programas que utilizem leis de incentivo. Só não estamos buscando isso agora”, conclui.

Casa Daros

Rua General Severiano, 159, Botafogo, Rio de Janeiro, (21) 2275-0246. De quarta a sábado, das 12h às 20h; domingo e feriados, das 12h às 18h. Nas quartas-feiras a entrada é franca (até 14 de abril a entrada para todos os dias também é franca). A mostra Cantos cuentos colombianos fica em cartaz até 8 de setembro.





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