O mistério da cidade na Índia que atrai milhares de viúvas – Por Anthony Denselow


Milhares de viúvas na Índia vêm se encaminhando para uma cidade no norte do país. 

Marginalizadas por suas famílias ou simplesmente sozinhas no mundo, muitas delas viajam centenas de quilômetros para chegar lá e ninguém sabe dizer exatamente o porquê.

A Índia é farta em lugares sagrados e centros de peregrinação, mas poucos locais são tão associados com o Deus Krishna quanto Vrindavan, à beira do rio Yamuna, a poucas horas de carro de Nova Déli.

Aqui, nesta cidade apinhada de templos, o nome de Krishna está na boca de todos, juntamente com o de sua paixão de juventude, Radha.

Krishna, de acordo com o Mahabharata, o mais antigo texto sagrado da Índia, nasceu em uma floresta nas imediações e foi nesta região que o jovem flautista flertou com criadoras de cabra conhecidas como 'gopis' e teve relacionamento amoroso com a bela e divina Radha. Mas Vrindavan tem também um lado sombrio e menos amoroso, ela é também conhecida como ''a cidade das viúvas''.

Basta passar um pouco de tempo observando a chegada e saída dos peregrinos nos tempos para se ver as viúvas, de um modo geral mulheres idosas, vestidas com roupas simples e de branco e muitas vezes pedindo esmolas.

No passado, muitas viúvas chegavam a se atirar nas chamas das piras funerárias de seus maridos. Ainda que tal prática extrema tenha sido abandonada, a vida de viúvas na Índia ainda pode ser muito dura.

Consideradas um sinal de mau agouro, muitas acabam perdendo sua fonte de sustento e são ostracizadas nas vilas onde moram. Elas são então mandadas embora pelas famílias de seus maridos, que querem impedi-las de herdar dinheiro ou propriedades.

Mistério

Ninguém é capaz de explicar o motivo de Vrindava em particular atrair viúvas de toda a Índia. Há um total de 6 mil viúvas na cidade e em suas imediações.

Algumas vêm aqui como peregrinas legítimas que visam destinar seus derradeiros anos aos préstimos de Radha e Krishna, mas outras chegam à cidade para escapar da brutalidade a que estão sujeitas por parte de suas famílias ou porque foram simplesmente descartadas por seus genros e noras como se fossem bagagens indesejáveis.

Este é um aspecto da sociedade indiana que o governo do país talvez prefira ocultar do mundo externo, a despeito de todos legítimos esforços oficiais para solucionar o problema.
A organização não-governamental Maitri, baseada em Nova Déli, ajuda a fornecer alimento e abrigo para algumas dessas viúvas.

Em um pequeno templo, muitas delas sentam-se de pernas cruzadas no chão, enquanto jovens voluntários lhes servem porções de arroz e uma pasta conhecida como dal.

Dentro do templo, muitas mulheres contam suas histórias. A maior parte delas veio do Estado de Bengala Ocidental. Muitas realizaram uma jornada de mais de 1.600 quilômetros, frequentemente sozinhas, deixando para trás netos e amigas.

Saif Ali Das tem apenas 60 anos de idade, mas parece bem mais velha e anda mancando. Ela conta que seu marido era um bêbado, que morreu há 12 anos, após ter sofrido uma queda.

Ela teve uma filha que morreu em um hospital e um filho que foi assassinado em uma disputa por terras. Após sua morte, ela ficou totalmente sozinha e fugiu para este palácio onde ouviu dizer que ela estaria segura.

Sondi é uma mulher forte de 80 anos cujo marido morreu jovem. Ela teve de criar seus quatro filhos por conta própria. Foi sua nora que na prática expulsou-a de casa, dizendo que era seu marido que fornecia para a família e que ''como você não tem um marido, vai ter de se virar sozinha''.

Esmolas e hostilidade

As autoridades locais administram quatro ashram, uma espécie de centro comunitário religioso onde algumas viúvas são abrigadas, mas muitas acabam tendo de pedir esmolas para pagar por um aluguel.

Muitos relatam que os moradores locais tratam-nas de forma bem ríspida e que só mesmo os peregrinos se sentem felizes em lhes dar esmolas, já que isso supostamente traz méritos espirituais.

Gauri Dasi deixou a fronteira com Bangladesh devido às tensões na região em 1971. Ela chegou a Vrindavan com seu marido, com quem teve três filhas.

Ele abandonou a família e todas as suas filhas foram forçadas a se casar quando chegaram aos 10 anos de idade. Dasi mora sozinha em Vrindavan há 15 anos e se sente compelida a dedicar sua vida à devoção de Radha.

Ela ganha algumas moedas para cantar hinos de devoção em templos locais. Ela se tornou uma das milhões de pessoas na Índia que renunciou ao mundo para seguir um caminho espiritual, mas essa renúncia de muitos servos de Deus está diversas vezes associada a uma história trágica.

O governo e os peregrinos podem até impedir que essas refugiadas morram de fome, mas são menos capazes de impedir injustiças e de colocar um fim às superstições que ainda vigoram no país.

Para algumas pessoas na Índia, o mero ato de uma viúva olhar pela janela já representa uma fonte de profunda má sorte.




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