RELIGIÃO: NEUROSE OU INTEGRAÇÃO SIMBÓLICA?
LIBÓRIO, Luiz Alencar. As raízes da Psicologia da
Religião no Ocidente. Recife: FASA, 2012.
Este livro do Professor Dr. Luiz
Alencar Libório, do nosso Mestrado, foi forjado ao longo de anos de trabalho
acadêmico sobre a dimensão psicorreligiosa da existência humana, principalmente
em diálogo com estudantes de programas de pós-graduação na área de Ciências da
Religião.
O campo de conhecimento das Ciências da Religião é interdisciplinar e
recebe colaborações teóricas (e estudantes) das áreas de História e de
Humanidades, das disciplinas de Sociologia, Antropologia e Psicologia, bem como
de Filosofia, Linguística e Teologia – exigindo, contudo, que tais aportes
metodológicos sejam redimensionados epistemologicamente com base na comparação
empírica dos fatos e na busca hermenêutica de significados, através de uma
lógica dialogal e articulada em torno da cultura epistemológica das
controvérsias.
A área acadêmica de Ciências da Religião busca esclarecer a
experiência humana do sagrado. Sobre a base da história geral das religiões,
ergue-se o estudo comparativo das religiões, que aborda as religiões e seus
fenômenos com questionamentos sistemáticos. Esse estudo forma categorias
genéricas e se esforça para apreender o mundo dos fenômenos religiosos de tal
modo que transpareçam linhas fundamentais, sobretudo fazendo uso da fenomenologia.
Enquanto a história das religiões constitui a base das Ciências da Religião, a
pesquisa sistemática das religiões mostra semelhanças e diferenças de fenômenos
análogos (sobre o sagrado) em diversas religiões e apresenta a hermenêutica dos
“textos” sacros em seus contextos.
As relações entre religião e suas
condições contextuais são então aclaradas por distintas disciplinas. Assim, por
exemplo, a sociologia da religião ocupa-se das relações recíprocas entre
religião e sociedade, incluindo também a dimensão política. A psicologia da
religião, por sua vez, dedica-se a processos religiosos que devem ser
compreendidos a partir da peculiaridade do elemento psíquico.
A religião
permeia a história humana desde a caverna até os grandes místicos de todas as religiões
em todos os tempos, e é um fator importante para integrar ou desintegrar a
personalidade, unificar ou não o biopsiquismo humano. Desde que Freud declarou
Religião como fruto de uma neurose coletiva, a grande maioria das Igrejas
apologeticamente lutou e ainda luta contra a psicologia (psicanálise), perdendo
com isso a pessoa humana na busca de uma realização mais plena da existência.
Principalmente agora, quando andamos ainda mais angustiados, nesse mundo que
“matou Deus” e onde os humanos – e o amor que os caracteriza – estão na lista
de extinção. O homem pós-moderno, com efeito, assume em mais alto grau o
relativismo da existência. Ao abdicar da crença em um toque divino ou uma
essência humana, apostando num existir sem pontos fixos, as bússolas enlouquecem
e não há narrativas convincentes, apenas dúvidas mais ou menos produtivas.
Basta-nos um conjunto de mapas teóricos para vagarmos por aí, numa realidade
fragmentada e construída de ficção em ficção – por mais científica que seja. Em
exato contraponto tem-se o homem religioso, para o qual o caos homogêneo e
relativo do cosmo se organiza, ou melhor, se realiza, a partir de um ponto fixo
– a hierofania. Neste caso, o sagrado funda a realidade – que é potência,
poder, fonte de vida e de fecundidade, e o homem religioso é sedento do real. O
homem religioso se recusa a viver por meio de mapas, tal é o seu desejo de
estar onde a realidade esteja (“meu rochedo de salvação”). Por isso ele
cosmogoniza o mundo a partir de pontos de ruptura através dos quais o
“mais-que-natural” tenha se manifestado. A religião, assim, bem mais do que
ópio, deixa transparecer uma recusa do caos e da relatividade.
Mas esse homem religioso
sobrevive e retorna ao nosso mundo em crise de paradigmas. Na sociedade
pós-moderna, a dimensão religiosa vem por meio de manifestações culturais (como
a ficção artística e cinematográfica) que transparecem “algo mais” nesse mundo
asséptico e cético. O homem arreligioso, numa opção trágica, segundo Mircea
Eliade, assume a relatividade da realidade e rejeita o movimento de
transcendência. Não obstante, esse apego ao real pode ser o começo de uma nova
espiritualidade, que as Ciências da Religião ainda estão circunscrevendo. Daí a
importância deste livro do professor Luiz Alencar Libório, que atualiza um
panorama das psicologias do fenômeno religioso, com rigor disciplinar e
abertura transdisciplinar.
Para um humano em crise de sentido, faz muito bem um
esclarecimento psicológico aberto sobre a complexa experiência religiosa da
humanidade. Pois no confronto de ideias e sentimentos, aos poucos, foram
surgindo psicólogos que se opunham ou estavam a favor da religião, mas a partir
de esquemas filosóficos prévios e fechados. Enquanto outros psicólogos
abordaram e pesquisaram cientificamente os fenômenos de religiosidade,
interpretando-os em seus contextos históricos, com recurso às colaborações de
outras disciplinas.
Este livro resenha, pois, a riqueza das escolas de
Psicologia da Religião que foram surgindo: a anglo-americana, a
austríaco-suíço-alemã, a franco-belga e a italiana, acrescentando ainda algumas
contribuições brasileiras. No panorama atual brasileiro de tentativa de diálogo
entre Religião e Psicologia, o livro oferece aos leitores informações sobre as
raízes internas e externas do fenômeno religioso, sobretudo nas interpretações
do Ocidente, contemplando vários teóricos de séculos passados e de hoje, que
desmistificam e ao mesmo tempo lançam luz sobre profundas atitudes de mística,
de respeito e reverência ao mistério da realidade, ao Real.
(...) As páginas deste livro
descortinam não somente um panorama atualizado da Psicologia da Religião, mas
também apontam para uma pedagogia respeitosa de esclarecimento do sagrado que
se esconde e se manifesta entre e para além das religiões, ensejando também um
desejo não apenas de explicar fenômenos, mas também de salvá-los – pela firme
convicção de que o nosso psiquismo encontra-se ligado aos objetos religiosos.
(Da Apresentação de Gilbraz)
Lançamento do livro na Aula
Inaugural do Mestrado,
dia 4 de março, 14 às 17h, no auditório do 1º
andar do bloco B da UNICAP.
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