Religião deve servir à paz, diz historiadora – Por Daneil Médici
O sentimento de compaixão cultivado pelas
diferentes religiões pode ser empregado para auxiliar o entendimento entre as
sociedades no mundo globalizado, segundo a historiadora das religiões Karen
Armstrong.
A britânica participou do ciclo de conferências
Fronteiras do Pensamento, em São Paulo, anteontem.
No centro de sua fala à plateia paulistana,
Armstrong, 68, propôs um novo papel para a religião no mundo contemporâneo, que
começa por admitir que ela "não é feita para nos dar respostas, mas para
fazer conviver com a nossa própria mortalidade e com o sofrimento da
vida".
A religião, para Armstrong, é uma prática, e só tem
sentido se vivenciada pelo indivíduo. "Nós entendemos os mitos religiosos
como mentiras, mas os antigos os entendiam como algo que ocorre
continuamente", disse, em sua fala durante o evento, uma parceria com a Folha.
A Santíssima Trindade do catolicismo, por exemplo,
deve ser vista como uma forma de o devoto abandonar seu próprio ego.
"Do contrário, essa história de três pessoas
em uma só fica parecendo um jingle publicitário", brincou a autora, que
estudou literatura em Oxford e é autora de livros sobre as grandes tradições
religiosas, como "Jerusalém".
Armstrong, que foi noviça durante a juventude, mas
abandonou o catolicismo, encontra na compaixão um ponto de inflexão entre as
diferentes religiões. Ela a define, no entanto, não como um sentimento de pena
que o senso comum lhe atribui, mas como "assumir ativamente a responsabilidade
pelo sofrimento do outro" e se empenhar para combatê-lo.
Questionada sobre o uso da religião como motivo de
conflitos sectários, Armstrong argumenta que o Estado laico foi responsável por
boa parte da violência cometida desde o século 19, incluindo "as duas
Guerras Mundiais, o lançamento de bombas atômicas contra civis e genocídios
como o dos judeus pelos nazistas".
Para a historiadora, colocar um credo acima do
outro vai contra o propósito da religião, pois "se a transcendência está
além das palavras, ninguém pode ter a última palavra".
"Quanto mais globais nos tornamos, mais nos
sentimos ameaçados pelo diferente, fazendo com que nos refugiemos em nossos
próprios credos, em nosso ego. Por outro lado, quanto mais temos contato com as
diferentes religiões, mais encontramos riquezas no outro e semelhanças com o
outro", resume.
O ciclo Fronteiras do Pensamento deste ano já teve
a participação do escritor peruano Mario Vargas Llosa e ainda terá conferências
de António Damásio, neurocientista português, e do teórico cultural ganês Kwame
Anthony Appiah, entre outros.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br
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