Teólogos criticam tentativas de regulamentar a profissão
A Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (Soter), entidade que reúne
cerca de 550 mestres e doutores em Teologia de todo País, divulgou na última
quinta-feira uma nota pública contra dois projetos de lei que pretendem
regulamentar a profissão de teólogo no Brasil.
As propostas, em tramitação na
Câmara e no Senado, estão causando polêmica pela liberalidade com que conferem
o título de teólogo a líderes religiosos. Para ser teólogo, bastaria ''praticar
vida contemplativa'' ou ''realizar ação social na comunidade'', por exemplo.
Segundo a nota, "os dois projetos ferem frontalmente a liberdade religiosa
e o princípio constitucional de separação Igreja e Estado". Para a
entidade, "cabe às diferentes tradições religiosas, e não ao Estado,
definir quem é, em cada uma delas, Teólogo e Teóloga".
O presidente da Soter, Afonso Ligorio Soares, afirma que o teólogo presta, um serviço interno à comunidade a que pertence. E, só em um segundo momento, atua como porta-voz e intérprete das perspectivas da sua religião para a sociedade em geral. "Não cabe ao Estado dizer quem é o porta-voz de uma igreja", afirma Soares.
O primeiro projeto, do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus e candidato à prefeitura do Rio, reconhece o não-diplomado que há mais de cinco anos exerça efetivamente a ''atividade de teólogo''. O segundo, do ex-deputado Victorio Galli (PMDB-MT), pastor da Assembléia de Deus, abre mais o leque:
"Teólogo é o profissional que realiza
liturgias, celebrações, cultos e ritos; dirige e administra comunidades; forma
pessoas segundo preceitos religiosos das diferentes tradições; orienta pessoas;
realiza ação social na comunidade; pesquisa a doutrina religiosa; transmite
ensinamentos religiosos, pratica vida contemplativa e meditativa e preserva a
tradição". A classificação está prevista no artigo 2º do projeto de lei
2.407/07, da Câmara.
Esse perfil abrange todos os padres, pastores, ministros, obreiros e sacerdotes de todas as religiões. O número passaria de 1 milhão, pela estimativa do Conselho Federal de Teólogos (CFT), com base em dados do IBGE. Hoje, teólogos devem ser formados em cursos de graduação.
Soares e o professor Paulo Fernandes de Andrade, representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), levaram suas objeções a Crivella no dia 20 de dezembro, mas não conseguiram que ele desistisse do projeto. Segundo a assessoria do senador, ele concordaria em submeter à questão a um debate mais amplo, convocando uma audiência pública.
"Os projetos são inconstitucionais, porque interferem
na liberdade religiosa e na liberdade de a Igreja se definir internamente, pois
é ela que decide quem pode ser sacerdote ou pastor", afirma Soares.
Para o padre Márcio Fabri, professor da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção da Arquidiocese de São Paulo e ex-presidente da Soter, o teólogo exerce um serviço confessional que é interno às comunidades, às quais cabe regulá-lo.
O projeto de lei do Senado (PLS 114/2005) recebeu parecer favorável do senador Magno Malta (PR-ES), pastor da Igreja Batista. Enviado para a Comissão de Assuntos Sociais do Senado, está pronto, há um ano, para entrar na pauta de votação. "Acima de qualquer outra profissão, a profissão de fé exige muito mais de vocação e devoção do que de formação acadêmica", afirmou Crivella ao Estado, por e-mail.
"Contudo, creio que seja útil, embora não
indispensável, uma formação em Teologia. ''Questionado sobre sua formação, o
senador Crivella respondeu que ela ocorreu "na prática".
"Professo
o evangelismo desde os meus 14 anos de idade e, a par do ministério que exerci
no Brasil, também atuei como missionário por quase dez anos na África. Assim, a
minha formação decorre de uma longa experiência de convívio com Deus e a Sua
Palavra.''
Segundo o presidente do CFT, pastor Walter da Silva Filho, da Assembléia de Deus, foi o Conselho que sugeriu ao senador a regulamentação da profissão de teólogo. O texto de Crivella prevê a criação, pelo Poder Executivo, de um Conselho Nacional de Teólogos que, na avaliação de Silva Filho, poderia ser o órgão que ele preside.
"Há nos bastidores uma tentativa de forçar, após a
aprovação do projeto, a aceitação pelo governo do CFT como órgão competente
para registro da profissão de teólogo", adverte o pastor Jorge Pereira
Leibe, da Assembléia de Deus. Presidente da Ordem Federal de Teólogos
Interdenominacionais do Brasil (Otib), que, assim como o CFT, cobra taxas pela
expedição de registro de diplomas e certificados, Leibe afirma que dirigentes
do CFT querem o monopólio da Teologia no Brasil, "o que é
inaceitável".
Para Crivella, caso seu projeto seja aprovado, "o natural será nos encaminharmos para representação única". Alertado para o risco de banalização do teólogo, já que pessoas não qualificadas poderiam comprovar, com testemunhas, terem exercido a atividade há mais de cinco anos, Crivella afirma que, pelo seu projeto, só seriam beneficiados os "estudiosos da realidade da fé", e não todos os ministros de culto.
O pastor presbiteriano Fernando Bortoletto Filho, diretor-executivo da Associação de Seminários Teológicos Evangélicos, que tem 40 filiados de diferentes denominações, disse ter ficado perplexo com a generalização do conceito de teólogo.
"As escolas formam bacharéis em Teologia que não são
considerados teólogos. Merece esse título quem tem produção científica própria,
a ponto de se tornar referência por seu pensamento", define Bortoletto,
citando como exemplo o católico Leonardo Boff. "Há professores de Teologia
que não são teólogos", acrescentou.
O diretor do Seminário Presbiteriano de São Paulo, reverendo Gerson Lacerda, concorda. "Fiz curso de Teologia, mas não sou teólogo".
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