Os diversos ângulos da Caatinga – Por Ricardo Schinaider de Aguiar

Explorar a Caatinga e todos os seus aspectos, desde o bioma até suas características sociais e culturais, pode parecer uma missão quase impossível para qualquer documentário. 

Dirigido por Lao de Andrade e apresentado pelo cantor e compositor sertanejo Targino Gondim, Tom da Caatinga se propõe justamente a isso: fornecer aos espectadores uma visão ampla não apenas da natureza da Caatinga, mas também de seu povo e suas tradições. 

Entremeado com muita música e bom humor, o seriado de cinco episódios nos leva a uma viagem por meio de paisagens únicas e mostra a população sertaneja com sua arte, religião, alegrias e dificuldades no semiárido brasileiro.

O tema do primeiro episódio é ecologia. O próprio nome do bioma, Caatinga, faz referência à sua ecologia, em tupi-guarani significa “mata branca”. A explicação para isso está em uma de suas principais características, a seca, que pode durar de 7 a 9 meses e faz com que o caule de diversas árvores fique esbranquiçado durante esse período. Se a Caatinga parece ser um grande deserto repleto de vegetação morta, ela na verdade apresenta uma flora e fauna de grande diversidade e adaptadas ao clima local. 

“O homem deve conhecer bem a natureza, que é rica e cheia de segredos”, ressalta Gondim. O umbuzeiro, por exemplo, é uma árvore que armazena água em sua raiz e pode saciar a fome e a sede de sertanejos que a encontram. A importância econômica da Caatinga também é destacada, já que são naturais de lá alimentos importantes como a mandioca e o caju.

“Ser sertanejo é amar a Caatinga”, diz um morador local no segundo episódio, que traz a figura do sertanejo e algumas de suas artes e tradições. Ele se passa, em grande parte, em uma tradicional feira, que pode ser vista como “uma síntese do modo de vida sertanejo”, segundo Gondim. Nela encontramos uma grande diversidade de pessoas, alimentos e cultura. 

Os artesões que utilizam o couro e o barro para criar arte, os cozinheiros que preparam os pratos típicos da região, os músicos que tocam e cantam instrumentos e ritmos característicos da Caatinga são os protagonistas. Vemos a força, a resistência e a persistência de pessoas humildes que entrelaçam arte e natureza, conseguindo transformar em cultura as dificuldades da vida na região.

A seca e o fenômeno do êxodo rural são explorados no terceiro episódio. É justamente devido à seca que muitos decidem abandonar a Caatinga em busca de melhores condições de vida. O alvo é, geralmente, a região Sudeste. O sucesso, porém, não é uma garantia. Na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, por exemplo, encontramos uma grande concentração de nordestinos que tentam sobreviver transformando a arte e a música sertaneja em forma de trabalho. 

O episódio também aborda iniciativas e tecnologias que têm melhorado a qualidade de vida na seca do sertão nordestino e têm contribuído para a diminuição dessa migração. “Quando percebem que a vida na Caatinga é viável, os sertanejos preferem ficar”, afirma Gondim.

No quarto episódio, somos levados a uma viagem pelo rio São Francisco e suas margens. Com nascente na Serra da Canastra, em Minas Gerais, o rio tem mais de 50% de seu trajeto de 2800 quilômetros no polígono da seca até desaguar no oceano Atlântico.

Muito mais que apenas um rio, o “velho Chico”, como é chamado pelos sertanejos, é tratado por muitos como um amigo e até mesmo como um membro da família. Utilizado para lazer e como meio de sustento, visto como possibilidade para desenvolvimento econômico ou símbolo de esperança, o rio é peça fundamental no cotidiano de mais de 14 milhões de pessoas que vivem nas proximidades de suas margens. 

O documentário também discute a Barragem de Sobradinho e projetos de irrigação do governo. Se por um lado há vantagens, como o bombeamento de água para o sertão e melhorias nas condições da agricultura, essas intervenções prejudicam populações ribeirinhas que dependem do rio para sobreviver.

A forte presença da religião na vida da população é o tema do quinto e último episódio, fazendo o telespectador acompanhar a maior romaria do nordeste brasileiro e uma das maiores do país. O destino da viagem é Juazeiro do Norte (Ceará) onde está enterrada a principal figura religiosa do Nordeste, o padre Cícero.

Independentemente do tempo da jornada, que pode ultrapassar 12 horas, e das condições precárias do transporte, conhecemos sertanejos que realizam a romaria anualmente há décadas. Além disso, a religião também está presente nas principais festas, que na verdade não deixam de ser homenagens a santos como Santo Antônio, São Pedro e São João.

Tom da Caatinga conclui nos mostrando a fé inabalável dos sertanejos, com a crença de que tudo dará certo ao fim e de que as chuvas podem atrasar, porém sempre virão.

Tom da Caatinga
Direção: Lao de Andrade
Ano: 2009






Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Negociar e acomodar identidade religiosa na esfera pública"

Pesquisa científica comprova os benefícios do Johrei

Por que o Ocidente despreza o Islã