Centro de Estudos Hannah Arendt é inaugurado em São Paulo - Por Frances Jones
Um
casamento há muito esperado por parte da comunidade acadêmica ocorreu no fim de
julho, em São Paulo.
Um novo centro de estudos “uniu” Hannah Arendt
(1906-1975), pensadora alemã de origem judaica, uma das mais importantes
filósofas do século 20, com o filósofo e professor italiano Norberto Bobbio
(1909-2004), expoente da área dos direitos humanos e da democracia.
Entre as testemunhas estiveram
Celso Lafer, presidente da FAPESP, que foi aluno de Arendt, Wolfgang Heuer,
professor na Universidade Livre de Berlim, Cristina Sánchez Muñoz, professora
na Universidade Autônoma de Madrid, e Alexander Bazelow, estudioso
independente que trabalhou com Arendt entre 1970 e 1975.
Os quatro participaram do
colóquio que marcou a inauguração do Centro de Estudos Hannah Arendt, vinculado
ao Instituto Norberto Bobbio, ambos presididos por Raymundo Magliano Filho,
ex-presidente da BM&FBovespa, e coordenados por Cláudia Perrone-Moisés,
professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
“O professor Lafer e a professora
Cláudia sempre quiseram promover esse ‘casamento’, esse diálogo entre os dois
pensadores, que pensaram muitos temas em comum, só que de perspectivas
diferentes e enfrentando a realidade no mesmo tempo: ele com a questão do
fascismo, ela com o totalitarismo”, disse à Agência FAPESP a
pesquisadora Laura Mascaro, desde novembro na equipe do Instituto Norberto
Bobbio para a abertura do centro.
O novo espaço tem objetivos como
o de difundir o pensamento de Arendt, criar um ambiente para o estudo de sua
obra, que inclui clássicos como: As Origens do Totalitarismo, Anti-semitismo, imperialismo, totalitarismo e Eichmann em Jerusalém, Um relato sobre a banalidade do mal e promover publicações, como
coletâneas e traduções.
No mesmo dia do colóquio, 29 de julho, foi lançada a Revista
do Centro de Estudos Hannah Arendt, publicação eletrônica com previsão de
periodicidade semestral.
“Aprendi, com Hannah Arendt, que
o poder é um agir conjunto e que esse agir pode trazer resultados excepcionais
na prática”, escreveu Magliano Filho no editorial da revista.
“Da mesma forma,
o Centro de Estudos Hannah Arendt é fruto de uma longa história e muitos
esforços conjuntos entre o Instituto Norberto Bobbio, seus colaboradores e
parceiros.”
Além da Faculdade de Direito da
USP, Magliano Filho destacou o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, um
Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP, que abrigou entre
2004 e 2010 o Grupo de Estudos e Arquivo Hannah Arendt.
Um dos resultados das atividades
desse grupo foi a criação, em 2008, de um blog,
mantido atualmente pelo Instituto Norberto Bobbio. O blog também informa sobre
eventos, lançamentos, grupos de estudos e atividades do Centro de Estudos
Hannah Arendt.
A revista recém-lançada traz
ainda textos de Bazelow, Mascaro e Heuer, além de uma entrevista com Lafer, que
foi aluno de Hannah Arendt nos anos 1960 na Cornell University, nos Estados
Unidos.
“Devo muito à influência de
Hannah Arendt, na maneira de lidar com tantos e tantos assuntos. Escrevi muito
sobre a obra dela, sobre a temática de direitos humanos, sobre o conceito de
autoridade, sobre o juízo reflexivo, que é o juízo da política e o juízo
diplomático, que são, entre outras coisas, facetas da minha maneira de ver as
coisas”, disse Lafer.
“Hanna Arendt ajuda a parar para
pensar, sem ideias pré-concebidas. Como diz [o escritor Italo] Calvino, o
clássico é uma obra que nunca termina de dizer o que tem para dizer. Ainda que
ela tenha pensado a partir de sua experiência com o século XX, o que ela disse
e os conceitos que criou são úteis para entendermos o mundo que nos
cerca”, afirmou Lafer.
Seleção de pesquisadores
Após fugir da Alemanha nazista em
1933, Arendt morou em Paris até 1940, de onde teve de fugir mais uma vez depois
que o governo francês exigiu que os refugiados judeus se apresentassem. Em
1941, chegou a Nova York. A cidadania norte-americana foi obtida dez anos
depois.
Um filme atualmente em cartaz em
São Paulo, da diretora alemã Margarethe Von Trotta, apresenta algumas das
ideias de Arendt a partir de um período polêmico na vida da filósofa,
quando ela, morando nos Estados Unidos, foi cobrir em 1961 para a revista New
Yorker o julgamento do nazista Adolf Eichmann em Jerusalém.
Dois anos depois, ela publicou Eichmann
em Jerusalém, a partir dos artigos publicados na New Yorker, no qual
aborda temas como a natureza do crime do genocídio, o que é o mal e em que
medida a capacidade de pensar ajuda a distinguir e diferenciar o bem do mal.
Esses e outros temas deverão ser
abordados por um grupo de estudos prestes a ser criado pelo novo centro. O
processo de seleção de pesquisadores deverá ser aberto em breve.
“Em princípio, esse grupo, que
também dialogará com o pensamento do Bobbio, fará reuniões mensais tendo como
base textos desses autores e tentará pensar questões atuais e locais. Porque
tanto Bobbio quanto Hannah Arendt tinham essa relação com a política muito
forte, com o pensar da política, de como fazê-la”, disse Mascaro.
A biblioteca do Instituto
Norberto Bobbio, que dispõe de 1.147 títulos, já conta com a obra completa da
autora em português e em seus idiomas de origem e a ideia é expandi-la.
“Buscaremos ampliar a biblioteca
adquirindo obras em sua língua original ou em outras traduções também, como
inglês e espanhol, porque queremos ser um centro de referência para o Brasil e
para a América Latina”, disse Mascaro.
Mais informações sobre o Centro
de Estudos Hannah Arendt: www.hannaharendt.org.br
Fonte: http://agencia.fapesp.br
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