Mensagem do papa não combina com estilo de vida dos bispos – Por Peter Wensierski
No Vaticano, um papa com os pés
no chão vem pregando humildade e modéstia. Muitos bispos na Alemanha, no
entanto, estão tendo dificuldades em adotar um estilo de vida mais austero.
Na semana passada, Rudolf
Voderholzer, 54, o bispo da cidade bávara de Regensburg e um dos líderes mais
jovens da Igreja Católica na Alemanha, foi cobrado pelo próprio papa no
Vaticano. Em uma repreensão ao bispo alemão e a outros participantes de um seminário
para novos bispos em Roma, Francisco disse:
"Fique perto das pessoas e
viva como você prega. Esteja sempre com o seu rebanho, não sucumba ao
carreirismo e se pergunte se você está realmente fazendo aquilo que
prega".
Esta é uma mensagem nova para os
príncipes da Igreja alemã. Muitos deles cultivam há muito um estilo de vida
orientado para dogmas rígidos, prestígio e uma carreira dentro da Igreja, da
mesma forma que o ex-papa Bento 16. Mas agora que o seu sucessor chega às
reuniões em um carro velho, houve uma mudança fundamental.
A lealdade para com
o papa está sendo completamente redefinida, e não apenas em Regensburg, onde o
predecessor de Voderholzer, Gerhard Ludwig Müller, devoto fervoroso do papa
emérito Bento 16, alienou muitos católicos romanos.
Nesta semana, os bispos alemães terão a oportunidade de discutir o que a mudança no Vaticano significa para eles ao se reunirem para a conferência anual de bispos, na cidade alemã de Fulda. Há muito tempo não havia tanta incerteza dentro de suas fileiras.
Fãs conservadores de Bento 16,
liderados pelo cardeal de Colônia, Joachim Meisner, veem a sua influência
diminuindo, enquanto muito do que antes era valioso e importante para eles
agora é desabonado.
Por outro lado, o campo reformista, há anos enfraquecido,
ainda tem de reunir suas forças. Bento 16 e seu predecessor, João Paulo 2º,
suprimiram sistematicamente as vozes de mente aberta dentro do clero alemão.
Agora, os sacerdotes liberais restantes estão gradualmente saindo da toca.
O papamóvel é um Fiat velho
Por enquanto, as principais
questões teológicas não estão abertas ao debate. No papado de Francisco, a
mudança começa na vida cotidiana. "Dói-me quando vejo um padre ou uma
freira com o modelo de carro mais recente. Vocês não podem fazer isso",
disse ele aos jovens padres e freiras.
"Os carros são necessários. Mas
usem um tipo mais humilde. Pensem em quantas crianças morrem de fome e
direcionem essa poupança a elas".
Enquanto o novo papa viajou em um
Fiat velho para visitar refugiados africanos na ilha mediterrânea de Lampedusa,
Meisner anda de motorista em um BMW Série 7 em torno de sua arquidiocese de
Colônia, que tem fama de ser especialmente rica. A maior parte dos bispos
alemães, de Munique a Würzburg e Osnabrück, no Norte, usa sedãs de luxo, de
preferência das marcas Audi, BMW ou Mercedes.
Isso fez com que a organização
ambiental alemã criticasse os líderes da Igreja Católica do país por serem
"super-motorizados" e, portanto, responsáveis por altas emissões de
poluentes. Até mesmo a revista de automóveis "Auto Bild" opinou que,
ao usarem estes veículos, os bispos ajudam a "reforçar a aceitação social
de carros de luxo".
E Francisco não está parando na
questão dos carros. Os dignitários da Igreja também foram forçados a reconhecer
outra mensagem de Roma que a felicidade cristã não depende de possuir o mais
recente smartphone ou de viver no luxo. Em vez de residir no Palácio
Apostólico, o papa se mudou permanentemente para um quarto comum da pousada de
Santa Marta, em Roma.
Na Alemanha, por outro lado,
muitos bispos, aparentemente, não entraram em acordo com a insistência de
Francisco em dar um exemplo de pobreza. A nova residência cara de Franz-Peter
Tebartz-van Elst, o bispo de Limburg, no Oeste da Alemanha, é um exemplo
especialmente notável da ostentação, ou pelo menos do apego acentuado ao
prestígio dos líderes da Igreja Católica no país.
Testemunho do poder
histórico
O cardeal de Munique, Reinhard
Marx, por exemplo, vive em três quartos privados no Palácio Holnstein, a
residência tradicional de estilo rococó do Arcebispo de Munique, no centro da
cidade, que acaba de passar por uma reforma que custou milhões.
A Igreja investiu
cerca de 2 milhões de euros (em torno de R$ 6 milhões) no palácio, e o
proprietário, o Estado da Baviera, doou outros 6,5 milhões de euros. Um dos
quadros pendurados nos quartos decorados com afrescos e lustres requintados é
do próprio Marx.
Como se isso não bastasse, a arquidiocese também gastou cerca
de 10 milhões de euros em uma mansão em Roma, que agora serve como uma
"casa de hóspedes". Em outras cidades alemãs, como Regensburg,
Bamberg e Fulda, as residências episcopais ainda são um testemunho do poder
histórico de seus moradores.
Exemplos contrários são raros. O
cardeal de Berlim, Rainer Maria Woelki, assumiu o cargo com a reputação de ser
ultraconservador, mas depois ele procurou o diálogo com gays e lésbicas e se
reuniu com imigrantes que pediam asilo. Ele mora em um apartamento no sótão, no
bairro de Wedding, em Berlim, que tem uma grande população de imigrantes.
Ele
comemorou o Natal na cozinha comunitária dos franciscanos e muitas vezes ele
prefere a bicicleta ao carro oficial, um BMW. Seu colega da cidade de Freiburg,
o arcebispo Robert Zollitsch, mora em uma casa modesta de operário.
Nesta semana, Zollitsch, 75,
presidirá a Conferência Episcopal Alemã em Fulda pela segunda a última vez. Um
novo presidente será eleito na próxima conferência, em fevereiro de 2014,
quando as cidades de Colônia, Freiburg, Erfurt e Passau também devem receber
novos bispos. A mudança de gerações é iminente, mas há algumas opções.
A mudança de curso em Roma pode confundir os principais católicos. Por exemplo, Marx, o arcebispo de Munique e Freising, um homem com opiniões moderadas e uma organização poderosa, tinha sido considerado forte candidato a suceder Zollitsch. Mas agora, o mais modesto Woelki, da arquidiocese empobrecida de Berlim, é considerado um candidato mais provável para o cargo importante.
Tocar os corações das pessoas
Francisco está constantemente
distribuindo conselhos aos bispos, novos e antigos. "A primeira reforma
deve ser de atitudes", disse o papa em uma entrevista à revista jesuíta
"Civiltà Cattolica".
O Santo Padre quer que os bispos mudem seu foco
para longe de si mesmos, na direção dos fiéis católicos. Ele quer que eles
corram riscos, quebrem as regras, saiam de suas "zonas de conforto" e
vão em direção às pessoas, tocando seus corações, seja nas paróquias, prisões
ou dormitórios para imigrantes que pedem asilo. Todas estas coisas são difíceis
de fazer em vestes esplêndidas e BMWs, ou por trás das paredes de residências
palacianas.
Em geral, o papa Francisco está
alertando os sacerdotes para que não se recolham às suas torres de marfim, um
perigo muito real sob Bento 16. "Esta Igreja... é a casa de todos, não é
uma pequena capela que só pode conter um pequeno grupo de pessoas
selecionadas", disse ele. "Nós não devemos reduzir o colo da igreja
universal a um ninho protegendo nossa mediocridade".
Nos últimos anos, a tendência em
muitas partes da Alemanha tem sido no sentido oposto. Avisos constantes de
Joseph Ratzinger contra o "relativismo" da vida moderna incentivou um
recolhimento em nichos e promoveu uma Igreja Católica pequena, pura e refinada,
um deleite para os fundamentalistas.
A controversa Sociedade de São
Pio 5º foi readmitida, e devotos ultraconservadores de Bento 16 celebraram o
retorno da missa em latim, murmurada pelo sacerdote de costas para a
congregação, como um "escândalo da fé" benéfico. Os críticos e
reformistas, por outro lado, foram ignorados, deixados de lado ou ejetados.
Decepcionados com a Igreja
oficial na Alemanha, muitos leigos estão depositando suas esperanças no novo
homem em Roma. Alois Glück, presidente do Comitê Central dos Católicos Alemães,
gostaria de ver Francisco exercer mais influência sobre os bispos alemães. Ele
está pedindo mais coragem e um fim ao silêncio, especialmente "em questões
de ética sexual".
De acordo com Glück, a esmagadora maioria dos católicos
é fortemente a favor das mudanças. "Ninguém pode alegar mais que essas
questões urgentes são apenas de interesse de grupos marginais", diz Glück.
"Elas chegaram ao centro da Igreja".
Mudança na natureza do discurso
O espírito de otimismo entre os
fiéis comuns cresceu com praticamente cada gesto vindo do novo papa. Em sua
entrevista à "Civiltà Cattolica", publicada na semana passada,
Francisco deixou claro que está mudando fundamentalmente a natureza do discurso
na Igreja Católica. De acordo com Francisco, a Igreja não deve centrar-se
constantemente nas controvérsias que cercam gays, mulheres e celibato.
"Nós não podemos insistir somente nas questões relacionadas ao aborto, o
casamento gay e o uso de métodos contraceptivos. Isso não é possível",
disse ele.
"Os ensinamentos dogmáticos e morais da Igreja não são todos
equivalentes. O ministério pastoral da Igreja não pode ser obcecado com a
transmissão de uma variedade incoerente de doutrinas a serem impostas
insistentemente".
Para o padre jesuíta Klaus Mertes, que, como diretor da escola Canisius de Berlim, desencadeou o escândalo de
abuso na Alemanha, a posição de seu companheiro jesuíta e agora papa é
revolucionária, mesmo que Francisco não tenha abandonado qualquer um dos
princípios rígidos da Igreja.
"Se houver uma mudança nas práticas da
Igreja, bem como no modo como interagimos uns com os outros e com os
paroquianos, a teoria também vai mudar no final, e não o contrário".
Muitos compartilham a sua esperança.
Em seus sermões, os bispos
alemães pediram repetidamente aos pastores e paroquianos que aceitassem a
doutrina da Igreja, sem questionamento. "Obediência é amor e não
compulsão", disse o bispo de Limburg, Tebartz-van Elst, em uma cerimônia
de ordenação de novos sacerdotes.
Francisco, como jesuíta, foi
ensinado a ser obediente e, como papa, tem o direito de exigir obediência de
todos os católicos, mas ironicamente, é justamente ele quem agora está rompendo
com esta doutrina. "As pessoas se cansam do autoritarismo", disse ele
em sua entrevista histórica na semana passada.
"Eu vivi um momento de
grande crise interior" apenas para reconhecer que foi "a minha
maneira autoritária e rápida de tomar decisões que me levou a ter sérios
problemas e ser acusado de ultraconservadorismo", observou.
Comentários