Um balanço de seis meses da presidência evangélica da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados – Por Magali do Nascimento Cunha


Uma síntese da cobertura das grandes mídias e das mídias religiosas

Estudos mostram que desde 2002, período da legislatura em que a Frente Parlamentar Evangélica foi criada, a cada eleição, o número de evangélicos no Parlamento (Câmara e Senado) aumenta em torno de 30% do total anterior. 


A estimativa, mantido este índice, é de chegarem a 100 cadeiras em 2014, o que representaria em torno de 20% das 513 do Congresso, refletindo a representatividade dos evangélicos no Brasil revelada pelo Censo 2010. 

Este é um projeto cada vez mais nítido deste segmento social que certamente visa, como os demais grupos políticos, muito mais do que cadeiras no Congresso, mas também presidências de comissões e de ministérios relevantes (para além do único atual tímido Ministério da Pesca, sob a liderança do bispo da Igreja Universal do Reino de Deus Marcelo Crivela). 

A conquista da presidência de uma comissão aconteceu neste 2013 com a ascensão do deputado pastor Marco Feliciano (PSC-SP) à liderança da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM). 

Essa liderança ganhou repercussão bastante destacada nas mídias nos últimos meses muito por conta da ênfase na pauta voltada à contraposição dos direitos sexuais e reprodutivos: a avaliação é que bancada evangélica "tomou conta" da comissão com sua bandeira de "defesa da família". 

Alvo das manifestações políticas de junho, o projeto de decreto popularmente chamado "cura gay" que o deputado federal João Campos (PSDB/GO) conseguiu aprovar no primeiro semestre na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, com o apoio do seu presidente pastor Marco Feliciano (PSC/SP), foi arquivado em julho. 

A proposta visava à eliminação de trechos de uma resolução do Conselho Federal de Psicologia, que impede profissionais de tratarem homossexuais como pessoas doentes e de se pronunciarem publicamente classificando a homossexualidade como anomalia. Na certeza de que o projeto seria derrotado, dadas as pressões das ruas e a explicitação contrária das bancadas dos partidos (incluindo o partido do próprio autor da proposta) e do presidente da Câmara, e, portanto, sem chance de ser reapresentado, Campos solicitou o arquivamento temporário, o que garante que o projeto volte ao plenário em 2014. Para justificar seu pedido, João Campos afirmou que projeto de ‘cura gay’ não é da pauta das ruas, e justificou: 

"Retirei porque o meu partido divulgou uma nota contra, e eu não vou ser contra o meu partido. Não estou retirando por causa de pressão das ruas porque ele (o projeto) não estava na pauta dos manifestantes. Pegaram o bonde andando". 

Adotando um discurso de engajamento em causas sociais, o deputado completou: "Também estou retirando porque não vou permitir que esse projeto mude o foco do que o povo quer, que é saúde, educação e que os condenados no mensalão sejam presos". 

De julho para cá, os destaques da CDHM se concentram na figura do presidente deputado pastor Feliciano: 

(1) com os controvertidos protestos que tem recebido em espaços públicos, viagens de avião, em cultos evangélicos (neste Setembro  dando voz de prisão a um casal gay que o provocou ao se beijar durante um culto) e por mídias alternativas (disputa verbal com o grupo Porta dos Fundos); 

(2) com uma viagem a Boston/EUA (intensa pauta religiosa com pregações em eventos de brasileiros evangélicos naquele país), sobre a qual o deputado afirmou ter ido lutar “pelos direitos das centenas de brasileiros que estão presos nos EUA por estarem ilegais” (a diretora executiva do Centro do Imigrante Brasileiro, Natalícia Tracy, afirmou que, apesar de os imigrantes terem sido o assunto oficial da viagem do parlamentar, houve apenas uma reunião com ele sobre o tema: "a única coisa que ele disse foi para as pessoas lhe mandarem seus projetos").

Por conta do beijo trocado por duas mulheres em um dos cultos liderados pelo deputado pastor Feliciano, deputados da bancada evangélica querem aprovar um projeto que aumenta a pena para quem, entre outras coisas, impedir ou tumultuar cerimônias religiosas. 

O projeto será pautado por Feliciano em sessão da Comissão de Direitos Humanos a qual preside e é composta, em sua maioria por deputados da bancada evangélica. Nesta quarta-feira, Feliciano exibiu aos deputados da comissão o vídeo em que as duas jovens se beijam e alertou os deputados que ativistas poderão repetir prática semelhantes em outros cultos. 

O projeto retira o artigo 208 do código penal que prevê detenção de um mês até um ano para quem "escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso".

Além das polêmicas, o deputado Feliciano também acumula problemas na Justiça. Réu na ação penal 612, por estelionato, é acusado de ter inventado um acidente no Rio de Janeiro para justificar a ausência em evento no Rio Grande do Sul, para o qual já havia recebido cachê, passagens e hospedagem. A produtora do evento disse que teve prejuízo de R$ 70 mil a R$ 80 mil.

“Minha equipe, em contato com os realizadores do evento, decidiu que outra data seria agendada. Os valores pagos pelos idealizadores do evento já foram restituídos com juros e correções”, afirmou o deputado. 

Em maio, a Procuradoria-Geral da República recomendou a absolvição de Marco Feliciano, alegando que a denúncia não se sustentou com a análise dos fatos e que a discussão deveria ser travada na esfera cível. 

O caso ainda precisa ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, onde ainda há outras duas investigações contra ele. No inquérito 3590, é suspeito de induzir ou incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião. O deputado é investigado por duas mensagens que publicou no Twitter em 2011. Em uma delas, escreveu: 

“A podridão dos sentimentos dos homoafetivos levam ao ódio, ao crime, a rejeição”. Na outra, postou que os africanos são amaldiçoados pelo personagem bíblico Noé. A PGR pede que o caso seja transformado em ação penal. Mas os ministros ainda não decidiram. Responde, ainda, ao inquérito 3646, que questiona a contratação de pastores de sua igreja por seu gabinete parlamentar.

Sobre a ação penal, o deputado Feliciano declarou ao site Congresso em Foco: “Fui contratado para realização de um Show Gospel na cidade de São Gabriel/RS, que ocorrera em 15.03.2008, não pude comparecer por motivos de força maior e minha equipe em contato com os realizadores do evento, decidiram que outra data seria agendada para comparecimento. Todavia, fui surpreendido pela ação em epígrafe, mas esclareço que os valores pagos pelos idealizadores do evento já foram devidamente restituídos com juros e correções de praxe.”

Um balanço do próprio presidente

Neste Setembro, Feliciano forneceu duas extensas entrevistas a um blog e a um website religiosos. Numa síntese dos dois textos, identifica-se um balanço de sua recente atuação. 

Segundo o deputado pastor Feliciano, a oposição ferrenha a ele por parte dos partidos de esquerda se dá por sua atuação como parlamentar desde que assumiu o mandato, e não apenas por sua postura como presidente da CDHM. 

Ele declarou: “As esquerdas brasileiras odeiam a tudo e a todos que servirem de bloqueio aos seus nefastos projetos progressistas. Desde que fui eleito em 2010, honrando os votos do meu segmento cristão, me dobrei diante dos temas que me eram interessantes e para minha surpresa encontrei quase 200 projetos que transformavam gays em uma super-raça. Hoje num pente fino bem apurado, descobri tramitando pela Câmara dos Deputados mais de 900 projetos que ferem a família tradicional, as igrejas e a liberdade de expressão. Tornei-me uma espécie de ‘guarda-costas’ da família. Bem antes da CDHM eu já havia, por exemplo, pedido o impeachment de um ministro do STF por ter antecipado o voto sobre o aborto dos bebês anencéfalos. Fiz isso junto com o já falecido Dom Bergonzini, bispo de São Paulo. Fui também autor de um PDC de plebiscito sobre o casamento homossexual. Tive várias batalhas em comissões e no plenário quando o assunto era orientação sexual, e desde então me transformaram em inimigo público. Quando meu nome foi indicado para CDHM, a oposição surtou. Afinal, não era um deputado numa mísera comissão sem expressão. Era o deputado conservador, alguém basicamente de direita assumindo uma comissão criada exclusivamente pela e para a esquerda".

O deputado afirmou ainda que atendeu ao pedido de se reunir com lideranças ligadas à Aliança Evangélica, entre elas o pastor Ariovaldo Ramos, conhecido entre os evangélicos por sua atuação na organização Visão Mundial e pelo seu engajamento em causas de direitos humanos. Sobre isto Marco Feliciano realtou: 

“Um belo dia recebi uma ligação de alguém ligado ao Ariovaldo, dizendo que ele queria me ouvir antes de se pronunciar. Confesso, nunca antes havia ouvido falar dele. Segui a ordem bíblica: ‘segui a paz com todos’. Fui ao encontro desse senhor que me recebeu com vários outros senhores que compunham a diretoria da Aliança Evangélica. Por mais de uma hora dei minhas explicações, denunciei como as coisas funcionavam em Brasília, falei das centenas de projetos que ameaçavam a liberdade de culto e a destruição da família tradicional, etc. Contudo, fui questionado como eu me comportaria diante das reivindicações dos índios, dos pobres, questões sociais, e então percebi que estes senhores, amigos do peito do governo esquerdista, nada se preocupavam com as minhas preocupações. Eram apenas ativistas, preocupados em não provocar uma ‘guerra’ santa, me aconselhando a não ser intolerante, me doutrinando sobre o perfeito governo de Lula e os bons relacionamentos com o Ministro da Casa Civil Gilberto de Carvalho. Um dos meus assessores que me acompanhava, me confidenciou: esse cidadão (Ariovaldo) não é dos nossos… Dias depois vi que essa palavra se cumprindo: Ariovaldo e os outros já haviam assinado um documento público contra mim, antes da reunião, e depois dela não deram uma nota sequer”, queixou-se.

O deputado pastor ressaltou que, durante o ápice de sua exposição na mídia devido à repercussão de suas falas contra a homossexualidade e os ativistas gays, ele e sua família sofreram perseguições e agressões verbais, e as filiais de sua igreja tornaram-se alvos fixos da militância homossexual. 

“Hoje, raramente ando em locais públicos. Quando o faço, se alguém me chama pelo nome, ou se aproxima abruptamente, meu coração dispara, pois não sei o que vai acontecer e qual será a intenção da pessoa. Por isso não vou mais a restaurantes, shoppings, e quando vou me descaracterizo para tentar passar despercebido [...] A minha filha primogênita, 18 anos, teve que trancar sua matrícula escolar aqui no Brasil, pois o sobrenome Feliciano pesou. Tive que mandá-la para fora do Brasil. Hoje ela está nos EUA estudando”, lamentou.

Apesar disso, o discurso centrado no confronto às demandas por direitos sexuais e reprodutivos tem sido mantido: 

“[A homossexualidade] é um fenômeno comportamental que está longe de ser compreendido. É um assunto que precisa ser estudado, mas a militância gay mundial fez com que psicólogos abandonassem o assunto e dessem por encerrado. O que é lamentável e por que não dizer criminoso. Transformaram em ‘moda’, e quem irá pagar por isso serão as próximas gerações. O comportamento gay traz transtornos, angústias, tristezas e desespero. Sinto muito por eles”. 

A atuação dos militantes homossexuais ameaça, segundo Feliciano, diretamente o direito à crença e culto. Segundo o deputado, o projeto “PLC 122 é o cadeado que lacrará para sempre a liberdade de expressão e castigará fortemente a igreja cristã verdadeira”.

Numa das entrevistas, o presidente da CDHM reafirmou sua oposição a propostas de produção de materiais educativos contra a homofobia pelo Ministério da Educação, batizado por grupos evangélicos de "kit gay". Sobre isso, o pastor mantém a retórica da perseguição e do terror: 

“Sou contra e pago um alto preço por isso. A assim chamada ‘nova estrutura familiar’ é desonesta, macabra, pútrida, desgraçada e implacável! Pais cuidem de seus filhos".

O deputado Feliciano reavaliou sua posição política, com ênfase moral: “Em 2010 estávamos entre a cruz e o punhal. De um lado, no segundo turno, estava o PSDB e José Serra, que assumiu publicamente que era a favor do aborto. Do outro, Dilma, que assinou um documento público dizendo que era contra o aborto e que em seu governo não o aprovaria. O que você faria? Eu escolhi o menos pior, o candidato que tinha um documento físico que poderia ser usado para cobrar a promessa feita. Apoiei Dilma. Arrependi-me. Para esta esquerda que aí governa, valores só existem quando é dinheiro”, declarou sem revelar qual caminho tomará nas próximas eleições em termos de apoio aos candidatos a presidente.

Projeções políticas do presidente da CDHM

A cúpula do PSC reuniu com o deputado pastor Marco Feliciano neste setembro de 2013 em Brasília num esforço final para segurar o líder na legenda. Os líderes partidários se comprometeram a lançá-lo ao Senado em 2014. 

Apesar de ter acolhido bem a proposta, o parlamentar não tinha garantido sua permanência. O discurso ainda mantido pelo líder do PSC na Câmara, André Moura é: 

"Basta ele avisar que quer para ser candidato ao Senado. A Executiva Nacional já deu a palavra, e ele disse que, diante disso, a chance de ficar no PSC, hoje, é de 99%". Feliciano indicou recentemente a tendência de permanecer no partido afirmando ter se transformado em uma espécie de “garoto propaganda” da legenda: 

"Fica ruim trocar de partido. Com tudo o que aconteceu neste ano, o PSC ganhou muito a minha cara, muita gente se filiou por ter se identificado com a minha luta na Câmara. O que eu diria para essas pessoas?".

Numa das entrevistas já mencionadas aqui , o deputado pastor Feliciano declarou que, mesmo pregando contra a política em seu início de ministério, tornou-se o parlamentar evangélico mais votado no país, e sua atuação no Congresso atraiu os holofotes da mídia: 

“Me tornei o político mais famoso do Brasil. Estou muito fortalecido. Despertei a igreja toda para a política. Provei que é possível ser pastor e continuar cheio do Espírito Santo, que é possível ser um homem público que pratica sua fé e saber transitar entre os lugares. Isso despertou a nação".

Com esta postura de virtual candidato a senador em 2014 o deputado Marco Feliciano criticou, em outra das entrevistas, a ex-senadora Marina Silva, evangélica que luta para registrar a Rede Sustentabilidade como partido: 

“Eu também me decepcionei com a nossa ‘irmã’ Marina. Marina é tão de esquerda que o próprio PT não foi radical o suficiente pra ela. Vejam os que estão ao lado dela na construção da Rede e entenderão o que falo".

Sobre uma possível candidatura à Presidência da República afirmou: 

“Eu comecei a acompanhar a política tarde demais, e eu vi como faz a diferença um homem de Deus. Eu não quero colocar um religioso, pra ser um religioso político, mas um homem justo. A justiça não é só um homem ser honesto, mas ter princípios [...] Eu sonho sim, em ver isso acontecer. Não sei se hoje, ou amanhã. Nós já tivemos na última eleição uma candidata evangélica, que foi a Marina. Embora eu tenha divergências com ela em questões ideológicas, não vejo ela como uma pura evangélica, alguém que defenda de fato seus princípios, mas já começou a aparecer [...] Se algum partido com tempo de TV me desse a legenda, eu entraria nesse barco, porque eu acredito que é possível. Eu creio. (...) Se não for dessa vez, quem sabe na próxima. Estou em oração. Tenho muito que aprender. Tenho 40 anos de idade e iniciando minha vida política, lembrando que nunca fui nem vereador. Tenho convicção de que não estou 100% preparado, mas para isso existem assessorias, ministérios, etc. É um sonho. Vamos sonhar. Sonhemos com o dia em que ao ouvir a Voz do Brasil, o jornalista dirá: Com a palavra sua excelência o presidente da Republica Federativa do Brasil, e o presidente iniciará seu discurso assim: Eu cumprimento os compatriotas brasileiros com a paz do Senhor".

Fonte: http://midiareligiaopolitica.blogspot.com.br


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