A Igreja é feminina – Por Carlos Ayala Ramírez
No mundo do trabalho, também a
presença da mulher aumenta, a pesar de que esse acesso ainda é limitado e
acontece em condições de iniquidade quanto ao tipo e à qualidade do emprego, ao
contrato e à estabilidade laboral, aos sistemas de benefícios e segurança
social.
Hoje em dia, se reconhece que muitas mulheres adquiriram uma
consciência do que significa ser para si em contraposição, em alguma medida, a
ser para outros (como mãe, esposa ou filha), como tradicionalmente lhe foi
imposto desde a perspectiva social e cultural.
Há, portanto, uma busca da
própria identidade, e o âmbito da Igreja (entendida como Povo de Deus ou como
instituição com leis, doutrinas e ministérios) não escapa a esse propósito.
No que se refere ao mundo da fé
católica, é óbvio que a Igreja é feminina. Pelo menos a metade do número de
fieis é composta por mulheres; em geral, sua participação em atividades
litúrgicas ou de catequese é superior a dos homens; as religiosas, organizadas
em diferentes ordens, representam 61% frente aos 39% (de sacerdotes, bispos,
religiosos e diáconos).
No entanto, o governo eclesial, a tomada de decisões e
a visibilidade da instituição estão quase que exclusivamente em mãos dos
homens. O documento da V Conferência Episcopal da América Latina e Caribe
(Aparecida) ressalta que é lamentável que inúmeras mulheres de toda condição
não sejam valorizadas em sua dignidade, nem suas contribuições na transmissão
da fé e na edificação da Igreja sejam reconhecidas. Daí sua proposta de que
todas as mulheres possam participar plenamente na vida eclesial, familiar,
cultural, social e econômica, criando espaços e estruturas que favoreçam sua
maior inclusão.
O papa Francisco, em uma de suas
mais recentes declarações, também insistiu na necessidade de ampliar os espaços
para uma presença feminina ativa na Igreja. Algumas de suas frases têm um
caráter programático:
"a Igreja não pode ser ela mesma sem a mulher e o
papel que esta desempenha”; "a mulher é imprescindível para a Igreja”;
"temos que trabalhar mais até elaborar uma teologia profunda da mulher”;
"nos lugares onde as decisões importantes são tomadas, é necessário o
gênio feminino”; "atualmente, enfrentamos esse desafio: refletir sobre o
posto específico da mulher, inclusive onde se exerce a autoridade, nos vários
âmbitos da Igreja”.
Em cada uma dessas formulações, expressa-se a vontade de
garantir a presença da mulher nos ministérios eclesiais, inclusive nas
instâncias de planejamento e decisão pastorais. São um reconhecimento de que,
de fato, a Igreja é feminina.
Em termos mais provocativos, o
papa disse que Maria, uma mulher, é mais importante do que os bispos. E, em
seguida, explica que "não devemos confundir a função com a dignidade”.
Esse argumento do papa Francisco é um ponto central para enfrentar a
discriminação da mulher dentro da Igreja. O reconhecimento da dignidade é a
razão pela qual qualquer ser humano tem direito à vida, à livre formação de
consciência; à livre expressão e quantos direitos possam estampar-se nas
distintas declarações e convenções. O apreço da igual dignidade é a condição
indispensável para uma Igreja inclusiva.
Hans Küng, em seu conhecido livro: ‘La mujer en el cristianismo’, propõe que a Igreja do futuro tem que ser uma
comunidade de pessoas, homens e mulheres, radicalmente iguais. De nenhuma maneira
pode aparecer como uma Igreja de homens, de classes, de raças, de castas ou de
hierarquias.
Essa igualdade deveria plasmar-se na configuração da própria
comunidade eclesial, de modo que, sem chegar a um igualitarismo mecânico que
nivele a multiplicidade de dons e serviços, garanta a igualdade fundamental dos
diversos sujeitos e grupos. Uma Igreja que seja espaço de igualdade e, ao mesmo
tempo, advogada da igualdade no mundo.
Esse modelo de relações não
hierarquizadas, de alteridade e de reciprocidade é exposto no documento de
Aparecida de forma clara, ao afirmar "que a antropologia cristã ressalta
igual dignidade entre homem e mulher, em razão de ser criados à imagem e
semelhança de Deus”.
E agrega que "em uma época de marcado machismo, a prática
de Jesus foi decisiva para ressignificar a dignidade da mulher e seu valor
indiscutível: falou com elas (Jo 4,27); teve singular misericórdia com as
pecadoras (Lc 7,36-50); as curou (Mc 5, 25-34); as reivindicou em sua dignidade
(Jo 8, 1-11); as elegeu como primeiras testemunhas de sua ressurreição (Mt 28,
9-10), e incorporou mulheres ao grupo de pessoas que mais próximas (Lc 8,
1-3)”.
Em outras palavras, em Jesus não encontramos atitudes nem expressões
depreciativas para com as mulheres. Ao contrário; observa-se respeito,
compaixão e simpatia para com elas, que põe abaixo os estereótipos vigentes
naquela sociedade.
Uma sociedade que discrimina e
não valoriza a contribuição da mulher é uma sociedade injusta. O mesmo podemos
dizer das congregações que mantêm estruturas e práticas de exclusão para com a
mulher. Não somente são injustas, mas contrárias às origens da Igreja.
Há
tempos as mulheres já não aceitam o modo como a Igreja as trata. Hoje, as
mulheres já não se deixam degradar a meros objetos de mandatos, proibições,
regras e atribuições de papel formulados por homens. Da mesma forma que na
família e na sociedade em geral, um número crescente de mulheres reclamam
também na Igreja possibilidades de desenvolvimento igualitárias; bem como os
direitos que lhes correspondem.
Há consciência de que a Igreja é feminina e que
o homem tem que se re-situar nela; e isso, longe de roubar-lhe protagonismo,
devolve-lhe sua verdadeira humanidade.
Fonte: http://site.adital.com.br
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