Macro-riqueza e micro-miséria – Por Xavier Rodríguez Martín

Passados meia dúzia de anos do início da crise, deparamo-nos com um capitalismo reforçado e não refundado, ao contrário do que os analistas mais optimistas prometiam nas fases incipientes deste processo. 

A crise, que foi inicialmente financeira e depois económica, é hoje, principalmente, uma crise social. Nestes seis anos de incertezas, poucas coisas mudaram nos sistemas financeiros: os paraísos fiscais mantêm-se e também se tem conseguido preservar o euro. 

Os políticos e os banqueiros fizeram, nesses âmbitos, um bom trabalho e os mercados estão hoje mais tranquilos à custa da intranquilidade das pessoas, que lutam hoje por manter o seu emprego e gerir a sua economia.

O optimismo das elites, com base nalguns dados macroeconómicos que mostram alguma estabilização, contrasta com o maior pessimismo da maioria das famílias e dos empresários. Parece que a economia científica está a funcionar, em detrimento da componente social e comportamental. Fico, por isso, com a impressão de que temos hoje os zorros a cuidarem das galinhas.

Com base nesses indicadores, o capitalismo ibérico, que historicamente caracteriza-se pela capacidade de condicionar o poder político, garantir leis à medida e socializar as perdas, parece ter reconquistado algum espaço nos últimos tempos. 

Aparentemente, as semi-decisões dos políticos têm acabado por beneficiar os agentes sociais mais estruturados, produzindo uma renda organizacional para as entidades mais adaptáveis. Mas os políticos têm a obrigação de tentar compensar as forças do mercado e julgo que, à luz do resultado, acabaram por as alavancar.

Um efeito palpável desse desequilíbrio é o esmagamento da incipiente classe média. As classes médias representam a correia de transmissão entre as estatísticas da macroeconomia e a realidade da microeconomia. 

Num mundo com crescentes desigualdades, os valores médios pecam de um excesso de simplicidade e obrigam-nos a recorrer a variáveis estatísticas mais complexas para caracterizar a realidade. As médias só fazem sentido num cenário de continuidade social que a crise desvaneceu.

A teologia do resgate impõe medidas à sociedade que provocam excessos e carências de forma desordenada. Nessa base, só resta, para muitos, esperar pela próxima medida e suspirar para que o impacto seja o menor possível. E, para quase todos, aguarda-nos um futuro mais imperfeito do que há pouco imaginávamos para Portugal e para Europa.






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