Delegado hare krishna critica a violência e defende uso de soluções políticas – Por Marco Antônio Martins e Marco Aurélio Canônico
Orlando Zaccone D'Elia Filho, 49,
é um delegado peculiar, e não apenas por ter "hare" tatuado em um
antebraço e "krishna" no outro ou fotos de manifestantes mascarados
em seu Facebook.
O que mais chama a atenção nesse
carioca da Tijuca (zona norte do Rio), formado em jornalismo e em direito, são
suas ideias pouco comuns no ambiente policial.
Responsável pelo inquérito
inicial do caso Amarildo, foi Zaccone quem desmontou a versão de que o
assistente de pedreiro seria traficante, ele desapareceu após ser levado por
policiais militares para a base da Unidade de Polícia Pacificadora na Rocinha.
"No Brasil, o criminoso
identificado como inimigo perde o estatuto da cidadania. Se o Amarildo fosse
identificado como traficante, a forma como morreu passaria a não ter mais
importância."
Esse raciocínio é parte do que
ele defende em sua tese de doutorado em ciência política, que será apresentada
neste mês na UFF (Universidade Federal Fluminense). Nela, argumenta que a alta
letalidade da polícia carioca, cujo pico, em 2007, foi de 1.330 pessoas mortas, é legitimada pela sociedade e pelo sistema judicial.
"A polícia mata porque tem
autorização do ambiente social. Tortura e execução, da forma como aconteceu com
o Amarildo, já foram aplaudidas no cinema, no 'Tropa de Elite'. Agora teve
grito porque nego começou a sentir nas ruas a violência policial. Aí se sensibiliza
com o outro."
Zaccone conversou com a Folha na
delegacia de Ricardo de Albuquerque, bairro na divisa com a Baixada Fluminense,
a cerca de 40 km do centro do Rio de Janeiro, para onde foi transferido há três semanas,
após oito meses como titular da DP da Gávea, na zona sul.
A movimentação foi considerada,
tanto internamente quanto nas redes sociais, uma punição por sua atuação no
caso Amarildo; ele nega.
"Isso tudo foi especulação,
eu até expliquei num post que não havia nenhuma vinculação com o caso Amarildo,
até porque eu fui mantido na unidade até a investigação chegar ao fim pela
Delegacia de Homicídios. Me considerei prestigiado."
Onde Zaccone claramente tem
prestígio é entre os manifestantes que tomaram as ruas, desde os da Marcha da
Maconha até "black blocs".
"As autoridades ficaram
velhacas, cara. Pessoas até mais jovens do que eu, que ascenderam ao poder
político, operam como seus avós. A garotada olha para as autoridades e não tem
em quem se inspirar, até porque não é ouvida, está descartada do processo
político."
Em sua visão, essa falta de
espaço para os jovens foi o que gerou os protestos, que qualifica como
"revolta". Ele critica a maneira como a polícia foi usada e a
transformação de "revoltosos em criminosos organizados", inclusive
com o apoio da mídia.
"Quando a polícia vira o
primeiro argumento, parceiro, fica difícil. Ela é necessária onde você não pode
mais contar com a política. O que faltou foi habilidade política para resolver
muitas das questões colocadas."
Sua preocupação maior é com o transbordamento
do que chama de "Estado policial", onde quem questiona o
"estatuto político-jurídico" passa a ser enquadrado como inimigo -a
repressão às manifestações seria um reflexo disso.
Zaccone identifica-se com os
jovens também por ter sido manifestante. Ao entrar na PUC Rio em 1982, aos 18
anos, participou de um grupo "que não era ligado a partido, tinha
propostas meio anarquistas". "A gente pegou o final da
ditadura, me lembro de organizar, pelo centro acadêmico, a ida dos alunos à
passeata das Diretas Já na Candelária."
Depois de passagens pelo
jornalismo (foi repórter do jornal "O Globo") e por um templo hare
krishna ("Raspei a cabeça, botei saia, fui vender incenso na rua",
diz), fez faculdade de direito e entrou na Polícia Civil em 1999.
Sua formação variada lhe deu um
discurso bem articulado, que Zaccone entrega num tom de voz calibrado, citando
acadêmicos como Hannah Arendt e Slavoj Zizek. Deu-lhe também segurança para
tocar em assuntos polêmicos com frases que sabe que causarão impacto.
"Cumprir a lei muitas vezes
é o que pode ter de pior para a segurança pública, dependendo da lei. No caso
das drogas, é uma tragédia", diz o delegado, membro da ONG internacional
Leap (Law Enforcement Against Prohibition), que defende a descriminalização
total das drogas.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br
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