Eu, Hegel e o Espírito Santo. Entrevista com Slavoj Žižek – Por Alessandro Zaccuri
Em certo ponto, Slavoj Žižek faz
uma pausa, como se quisesse recuperar o fôlego. Ao contrário, fixa seriamente o
interlocutor e intima: "Nunca subestime Chaplin".
Sobre si
mesmo, o filósofo esloveno quase se limita a dizer "nasceu, escreve
livros, morrerá". O último evento é inevitável; o primeiro ocorreu em Lubliana,
em 1949. Com a frenética atividade que se desenrola em meio a isso, é difícil
manter o ritmo.
Nestes dias, o autor está na Itália,
onde recém-chegaram às livrarias o desafiador: La visione di parallasse (il
Melangolo, 564 páginas), a nova edição do não menos encorpado: In difesa
delle cause perse (Ponte alle Grazie, 638 páginas) e, finalmente, a
primeira parte daquele que o próprio Žižek considera como o seu
estudo mais importante, uma atualização do pensamento de Hegel intitulado: Meno
di niente (Ponte alle Grazie, 700 páginas).
"Eu me considero um
materialista teológico, afirma, mas as minhas convicções não têm nada a ver
com as de ateus difíceis como Christopher Hitchens ou Richard
Dawkins. Ao contrário, estou convencido de que as questões postas pela teologia
são imensamente importantes. Como acontece na música, aliás".
Eis a entrevista.
Na música?
Sim, claro. Precisamos nos livrar
do preconceito de que o pensamento seria uma prerrogativa da filosofia, e a
arte se limitaria a expressar emoções. A arte também pensa, mas nos termos que
lhe são próprios. Tomemos um compositor como Olivier Messiaen. Grande
musicista, grande teólogo. As suas Visions de l'Amen são uma obra de
extrema intensidade corpórea e, ao mesmo tempo, de absoluta profundidade
espiritual. Messiaen representa para a música o que Krzysztof
Kieślowski representa para o cinema.
Ambos são artistas religiosos.
De fato, é por isso que me
interessam. Assim como me interessa Paul Claudel, o poeta que mais do que
ninguém foi ao centro do mistério cristão. A questão, para ele, não é se o ser
humano pode ou não confiar em Deus, mas sim a descoberta de que Deus mesmo, de
algum modo, é impotente sem os seres humanos. Tudo gira em torno do escândalo
quase monstruoso constituído pelo sacrifício de Cristo. Aliás, você sabe qual é
a primeira verdadeira crítica da ideologia?
Eu diria Marx, mas com certeza
está errado.
Muito errado. A Bíblia, o Livro
de Jó. Deus em pessoa rejeita as leituras ideológicas da dor sugeridas pelos
amigos do homem sofredor. E também o discurso final, no qual Deus se dirige a Jó perguntando-lhe
onde ele estava enquanto se desdobrava a obra da Criação, não tem o valor de
requisitória arrogante que geralmente lhe é atribuído. A minha interpretação de
referência é a de Chesterton, que entrevia nessas palavras uma tentativa
de mitigar as penas de Jó. Vê?, lhe diz Deus, todo o mundo sofre, no
cosmos se esconde um caos que até o Todo-Poderoso custa a governar.
Desculpe-me, mas você não seria
um marxista?
Comunista, mas sem nenhuma
nostalgia pelo que foi o comunismo no século XX. Para mim, o primeiro ato de
libertação na história da humanidade está na afirmação de Paulo na Carta
aos Gálatas: não há mais judeu nem grego, nem escravo nem livre. Hoje está na
moda criticar Paulo. Acusam-no de ser o Lenin do cristianismo, o
normalizador que oculta a pureza original do Evangelho. Tudo bobagem. O
cristianismo nunca foi uma utopia, sempre teve uma concreta dimensão
comunitária. Em sentido igualitário, porque essa é a dimensão do Espírito
Santo. Mas a Igreja nunca foi uma sociedade de perfeitos. No máximo, é o lugar
onde as desigualdades não são mais aceitas. Um espaço socialmente organizado,
mas distinto do Estado. Sem organização, aliás, não existe liberdade.
Em que sentido?
Agora, a esquerda ocidental está
enfeitiçada pelo mito das pequenas comunidades em escala local. Mas tudo isso,
para funcionar, precisa de um poder central bem reconhecível, que garanta
eficiência e segurança. Se faltam esses requisitos, a liberdade é apenas uma
ilusão.
Hegel tem alguma coisa a ver com
isso?
Hoje, Hegel é mais
atual do que Marx. Para os parâmetros atuais, o proletariado que encontramos
no Capital é quase um privilegiado. Ele se mata trabalhando, eu
concordo, mas ao menos tem um posto fixo, está inserido em uma hierarquia
social que prevê um mínimo de mobilidade. É em Hegel que encontramos
a reflexão sobre a plebe, isto é, sobre aquela parte da humanidade excluída de
todo benefício. Não sei se nos damos conta, mas no imaginário popular está cada
vez mais difundido o dispositivo da cúpula: uma barreira intransponível, que
separa os eleitos dos excluídos. Ele se encontra em Stephen King, nos
episódios de Os Simpsons, em um filme nem tão bem sucedido como Elysium.
Mais do que qualquer outra coisa, ele se encontra na nossa realidade, só que
não o percebemos.
Você se considera um filósofo
pós-moderno?
Mas nem sonhando. Os
pós-modernistas são aqueles que reduzem tudo à análise formal, a reconhecimento
histórico. Eu me interesso por uma filosofia que volte a se fazer as perguntas
fundamentais.
Quais?
Acima de tudo, a reflexão sobre
os bens comuns, que estava na origem do pensamento de Marx. Hoje, a
fronteira é ainda maior: desemprego, proteção da natureza, desigualdades
sociais, manipulações genéticas. Não é por acaso que o Papa Francisco aborda
essas questões cada vez mais frequentemente.
Você sabe a quais conclusões a CIA chegou
quando começou a estudar seriamente a América Latina?
Não, me diga.
Esqueçam Marx, disseram.
Quem vai dar voz aos pobres é a Igreja.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
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