O que a história tem a dizer sobre Jesus – Por Guilherme Rosa
O pesquisador americano Joseph
Atwill é categórico: Jesus não passa de um mito.
O personagem, suas palavras e
ações fazem parte de uma elaborada narrativa inventada por aristocratas
romanos, com o objetivo de pacificar os judeus, um povo envolvido em sucessivas
rebeliões contra o império. Atwill apresentou suas ideias em outubro, numa
conferência realizada em Londres, na Inglaterra.
"Os romanos perceberam
que o melhor caminho para acabar com a atividade missionária fervorosa entre os
judeus era criar um sistema de crenças que competisse com o deles",
afirmou.
Joseph Atwill não é um acadêmico
da área, sua formação é em ciências da computação. Ele não publicou suas
pesquisas em periódicos científicos e suas ideias estão longe de ser apoiadas
por seus pares. No entanto, sua teoria recebeu atenção mundial, e foi debatida
entre pesquisadores, jornalistas e religiosos. Seu poder está no fato de ela
ser o capítulo mais novo de uma antiga discussão, com quase 2.000 anos de idade,
sobre qual é a verdade por trás de Jesus, seus feitos, milagres e mensagem.
Para Atwill, a ideia de que Jesus
não passaria de uma montagem histórica deveria funcionar como um duro golpe
aplicado pela ciência contra a ignorância propagada pela religião.
"Embora
o cristianismo possa ser um conforto para alguns, ele também pode ser muito
prejudicial e repressivo, uma forma insidiosa de controle mental que levou à
aceitação cega da servidão, pobreza e guerra ao longo da história", diz.
Seu erro é que a existência de Jesus não é mais uma questão de fé, mas de
ciência.
Os acadêmicos da área, historiadores das mais prestigiadas universidades do mundo, afirmam restar poucas dúvidas sobre a questão. "Volta e meia aparecem essas hipóteses sobre Jesus ser um mito. Mas, do ponto de vista metodológico, parece bastante claro que ele realmente existiu", diz André Chevitarese, professor do Instituto de História da UFRJ e autor dos livros: Jesus Histórico, Uma Brevíssima Introdução e Cristianismos: Questões e Debates Metodológicos (Editora Kline), em entrevista ao site de VEJA.
Jesus histórico
Os historiadores deixam claro que
o personagem estudado por eles não é o mesmo da religião. Eles estão em busca
de informações sobre o homem chamado Jesus, que viveu na Galileia há 2.000 anos
e em torno do qual foi criada a maior religião do mundo.
“Os historiadores não
buscam um ser divino, que é impossível de quantificar, medir e avaliar. O Jesus
da história é estritamente humano“, afirma Chevitarese.
Nessa busca pelo Jesus histórico,
a perspectiva dos pesquisadores lembra a de São Tomé, o apóstolo que duvidou de
Cristo e exigiu provas de sua ressurreição. Do mesmo modo, os historiadores não
podem acreditar cegamente no que dizem as religiões e seus líderes, mas devem
embasar tudo que afirmam em evidências.
Essas provas não precisam ser,
necessariamente, físicas, como a descoberta de uma ossada ou um túmulo.
"Se esse critério fosse adotado, 95% dos personagens históricos não seriam
reconhecidos", diz o pesquisador.
Hoje, o critério mais importante
que os pesquisadores possuem para atestar a existência de Jesus é o da múltipla
confirmação: autores diferentes, que nunca se conheceram, afirmam fatos
semelhantes sobre o personagem.
Os textos mais antigos sobre
Jesus datam do século I, em sua maioria escritos por seguidores do
cristianismo. A exceção é Flávio Josefo, um historiador judeu que tentou
escrever toda a história do povo judaico, desde o Gênesis até sua época. Ele
cita Jesus, João Batista e Tiago (irmão de Jesus) como exemplos de homens que
lideraram movimentos messiânicos na região da Galileia.
No século seguinte, surgem mais textos de historiadores que citam Jesus e, principalmente, o movimento iniciado por seus seguidores.
No século seguinte, surgem mais textos de historiadores que citam Jesus e, principalmente, o movimento iniciado por seus seguidores.
"Esses dados
servem para mostrar que não estamos no campo da mitologia. São autores judeus e
romanos, que nunca se tornaram cristãos, e permitem afirmar de modo muito
seguro que Jesus é um personagem histórico."
O homem
A esses textos se somam
descobertas recentes da arqueologia que fornecem informações precisas sobre o
tempo e o espaço em que Jesus viveu. Os dados não são abundantes, mas permitem
esboçar como se pareceria esse personagem histórico real.
"Não podemos
afirmar exatamente a cor de pele e cabelo de Jesus. A partir dos mosaicos e dos
afrescos que retratam outros romanos, judeus e sírios que viviam no mesmo
ambiente, a tendência maior é de vermos um Jesus de cabelos preto, com a pele
queimada por causa de sol", diz Chevitarese.
Segundo a maior parte dos
historiadores, Jesus não nasceu em Belém, como afirmam algumas passagens
bíblicas, mas em Nazaré, uma pequena aldeia montanhosa da Galileia, cuja
população era camponesa e girava em torno de 500 indivíduos.
"A aldeia não
tinha nenhuma relevância política, não possuía construções públicas ou
sinagogas. Os escritores dos Evangelhos mudaram o lugar por razões teológicas,
para que o nascimento de Cristo confirmasse algumas profecias do Antigo
Testamento."
Jesus teria nascido na pequena
vila em torno do ano 4 A.C., e teria passado a maior parte de sua vida na
região, sem nunca pisar em uma cidade grande. A exceção acontece quando ele entra
em Jerusalém, ato que teria como consequência sua crucificação pelas
autoridades romanas. Sua morte deve ter acontecido por volta dos anos 35 e 36
D.C., pouco tempo depois de João Batista também ter sido morto pelos romanos,
segundo a narrativa de Flávio Josefo.
A mensagem
Segundo os historiadores, tão
importante quanto quem era Jesus é o que ele dizia, foi sua mensagem poderosa
que repercutiu em todo o mundo e, séculos mais tarde, deu origem às diversas
vertentes religiosas.
"Ele era um camponês pobre que, diante das
injustiças que o mundo apresentava, defendia a instauração do Reino de Deus, um
reino de justiça e fartura, sem hierarquias sociais", diz Chevitarese.
A mensagem espiritual, e
messiânica,de Jesus era voltada especialmente aos judeus de seu tempo. Ela, no
entanto, adquiria caráter político ao afrontar o Império Romano e setores da
elite judaica. Foi justamente a força dessa mensagem, e os rebanhos que ela
poderia angariar, que levaram à sua crucificação e morte. Como aconteceu muitas
vezes na história, no entanto, o assassinato de Jesus não conseguiu matar suas
ideias.
Jesus teológico
Jesus nunca chegou a colocar suas
ideias no papel (nem poderia, os historiadores afirmam que ele era analfabeto).
A maior parte do que chega aos dias de hoje sobre o personagem e suas ideias
foi escrito por seguidores das primeiras comunidades cristãs, duas ou três
gerações depois de sua morte.
Os autores não estão preocupados em transmitir
uma versão fiel dos fatos, como uma biografia, mas em defender os pressupostos
de sua fé. Assim, os primeiros cristãos que escrevem sobre Jesus, os
evangelistas, já não estão fazendo história, mas teologia.
Nessa época o cristianismo
começava a se distanciar do judaísmo em que ele estava originalmente inserido,
e a se aproximar do Império Romano, o que exigiu algumas mudanças em sua
mensagem.
"Ao serem escritas, suas ideias começam a ser diluídas, pois
vários filtros são impostos. Primeiro, Jesus é um indivíduo de fala aramaica,
mas quase tudo que conhecemos sobre ele está escrito em grego. Além disso, os
textos são destinados a convencer um público urbano, muito diferente dos
camponeses para quem Jesus pregava", diz Chevitarese.
Com o passar dos séculos, isso abriu margem para que vários teólogos interpretassem as escrituras de maneiras variadas, criando as inúmeras vertentes do cristianismo que se encontram nos dias de hoje. Assim, a depender de quem faz a homilia, Jesus pode ser visto como um personagem sagrado ou humano, santo ou falho, foco de paz ou de guerra, de fundamentalismo ou de liberdade.
Com o passar dos séculos, isso abriu margem para que vários teólogos interpretassem as escrituras de maneiras variadas, criando as inúmeras vertentes do cristianismo que se encontram nos dias de hoje. Assim, a depender de quem faz a homilia, Jesus pode ser visto como um personagem sagrado ou humano, santo ou falho, foco de paz ou de guerra, de fundamentalismo ou de liberdade.
É por isso que o estudo do Jesus
histórico é importante. "Ele pode ajudar a colocar um freio naqueles que
querem transformar pressupostos teológicos em verdades históricas", diz
Chevitarese.
Seu objetivo não é acabar com a teologia ou retirar da história de
Jesus seu caráter espiritual. O que a ciência faz é descobrir o que, de fato,
pode ser afirmado sobre o homem e sua época. As muitas lacunas que permanecerão
abertas apresentam mistérios suficientes para que a religião possa se
instalar.
Fonte: http://veja.abril.com.br
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