Especialistas defendem desenvolvimento de universidades de classe mundial - Por Karina Toledo

Ao mesmo tempo em que a excelência de ensino deve ser a meta de todas as universidades brasileiras, algumas poucas instituições do país teriam hoje condições de dar um salto de qualidade e tornarem-se de classe mundial em pesquisa científica. 

Para que isso ocorra, as universidades vocacionadas precisam receber investimentos diferenciados para desenvolver planos institucionais ousados, afirmaram especialistas durante a abertura do simpósio Excellence in Higher Education.

O evento, que teve início na quinta-feira (23/01), é uma iniciativa da FAPESP em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e tem como objetivo debater os determinantes da excelência no ensino superior no Brasil e formular recomendações que poderão embasar políticas públicas.

A diferenciação no sistema de ensino, reconhecendo as instituições com vocação para desenvolver pesquisa de nível internacional, tem sido apontada pela ABC há pelo menos uma década, quando foi publicado o documento: “Subsídios para a Reforma do Ensino Superior”, lembrou Hernan Chaimovich, vice-presidente da ABC e assessor especial da Diretoria Científica da FAPESP.

“Diferenciar não quer dizer que uma parte do sistema é melhor ou pior que outra. Mas um sistema em que todas as partes são iguais em geral não funciona. Um sistema se caracteriza pela excelência de todas as suas partes, embora cada uma tenha função distinta da outra”, avaliou Chaimovich.

Para a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, o peso da ciência que cada universidade produz é um fator relevante e, portanto, o investimento não pode ser o mesmo para todas as instituições.

“A ciência, para ser de ponta, precisa de um investimento superior ao que está sendo feito no país. A sociedade precisa decidir em quais áreas devem ser feitos investimentos pesados e quais instituições têm perfil para trilhar esse caminho da internacionalização. Cada uma deve ter um perfil e uma área de excelência. Somente assim o Brasil vai se tornar capaz de pautar a ciência internacional e não apenas ser pautado”, opinou.
Cursos de nível internacional

Na avaliação do presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Jorge Guimarães, um dos possíveis critérios de seleção das instituições vocacionadas a atingir o status de classe mundial é o percentual de cursos de pós-graduação com conceitos 6 ou 7, considerados de excelência em nível internacional, na Avaliação Trienal dos Programas de Pós-Graduação.

“Temos a USP [Universidade de São Paulo] na frente, com 89 cursos [com conceitos 6 e 7], seguida pelo grupo formado pela UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro], UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais], Unicamp [Universidade Estadual de Campinas] e UFRGS [Universidade Federal do Rio Grande do Sul], que tem em torno de 30. Todas essas têm uma proporção de 40% dos cursos com conceito 6 e 7. Depois despenca. Se considerarmos apenas o conceito 7, a situação é ainda mais dramática”, afirmou.

Ao comentar os desafios que terão de ser enfrentados pelas instituições no caminho para desenvolver pesquisa de classe mundial, Guimarães destacou a necessidade de maior autonomia e sistemas eficientes de governança, internacionalização das operações de ensino e pesquisa (o que inclui aumentar o número de colaborações internacionais efetivas, maior mobilidade de alunos e pesquisadores, aumentar o número de cursos regulares oferecidos em outras línguas, atrair estudantes e pesquisadores estrangeiros e aumentar o número de publicações com parceiros internacionais), redução no número de horas que o estudante passa em sala de aula, investimentos em residências estudantis dentro do campus.

“Os alunos do Programa Ciência Sem Fronteiras estão nos mostrando a necessidade de não passar mais do que 14 horas em sala de aula por semana, desenvolver muitos trabalhos experimentais, ter tempo para estudar sozinho e convivência com colegas do mundo inteiro nas moradias do campus”, afirmou o presidente da Capes.

Ao falar sobre os desafios para alcançar a excelência em pesquisa, o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, comentou que, embora a produção científica brasileira tenha crescido significativamente nos últimos anos, o impacto dos artigos publicados continua abaixo da média mundial, atrás de países como Argentina, Espanha, China e Coreia do Sul.

“O que estamos fazendo de errado? Em algum momento o sistema parece ter entrado em um desvio buscando multiplicar a quantidade e não a qualidade”, avaliou Brito Cruz.

Segundo Brito Cruz, a exceção é a área de Física, na qual os artigos com participação de autores brasileiros apresentam impacto cerca de 60% maior que a média mundial. 

“A área de Física se beneficiou de colaborações internacionais em tópicos de interesse mundial, como o projeto do Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern), o Projeto Pierre Auger e outros da área de partículas elementares", avaliou.

Para mudar a tendência de queda observada nas curvas de impacto da ciência brasileira, Brito Cruz aponta quatro estratégias. A primeira é proteger o tempo do pesquisador contra atividades burocráticas, como gerência dos projetos de pesquisa, o que as universidades deveriam garantir oferecendo escritórios de apoio análogos aos Grants Management Offices de universidades estrangeiras.

Brito Cruz também ressalta a necessidade de desenvolver mais cooperações internacionais, aumentar a visibilidade e o impacto das revistas científicas brasileiras e estimular a qualidade e o mérito nos processos de seleção de financiamentos e de promoção de professores. 

“Isso significa, por exemplo, valorizar mais as citações que o artigo recebeu do que o fator de impacto da revista em que ele foi publicado na hora de analisar a produção científica de um pesquisador”, afirmou.

Renato Pedrosa, do Centro de Estudos Avançados (CEAv) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), defendeu a necessidade de autonomia para que as instituições definam internamente a forma de contratação e promoção de docentes, bem como a estruturação da carreira acadêmica.

Para Pedrosa, as instituições não devem ficar presas ao modelo de estatuto do funcionalismo público e deveriam poder desvencilhar, quando necessário, as atividades de ensino e de pesquisa, criando diferentes modelos de carreira acadêmica de acordo com a vocação de cada instituição.

“É possível ter um sistema grande no qual as universidades tenham missões diferentes e ainda continuem a ser universidades. Nós temos um modelo único e a avaliação do MEC [Ministério da Educação] é que todo mundo tem de virar algum dia a USP ou a UFMG ou a UFRJ. Mas não é possível fazer isso com todas as universidades brasileiras. Em nenhum lugar do mundo isso acontece”, afirmou Pedrosa.

Convênio entre FAPESP e Capes

Durante a cerimônia de abertura do simpósio, o presidente da FAPESP, Celso Lafer, anunciou a assinatura do convênio firmado entre a fundação paulista e a Capes visando à execução de um programa de concessão de bolsas de mestrado e doutorado em programas de pós-graduação stricto sensu e bolsas de pós-doutorado em instituições públicas e privadas sem fins lucrativos de ensino superior do Estado de São Paulo.

“O convênio representa uma convergência de recursos e de visão sobre a formação de pessoas altamente qualificadas para gerar conhecimento, sem o qual não há excelência no ensino superior. Estou convencido de que o conhecimento é uma variável crítica para a sociedade brasileira enfrentar seus desafios e de que a excelência em matéria de ensino superior é um componente essencial nesse processo”, disse Lafer.

Ainda durante a abertura, o vice-presidente da FAPESP, Eduardo Moacyr Krieger, destacou a preocupação da instituição com a excelência das universidades brasileiras. 

“Cerca de 80% da pesquisa feita no Estado de São Paulo e no Brasil ocorre no setor universitário. Portanto, temos a preocupação de que haja ambiente para isso. Espero que o resultado deste simpósio se some a outras vozes que clamam por mudança na estrutura das universidades brasileiras”, disse. 





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