“A escola deveria incorporar a ecologia dos saberes” - Por Regiany Silva e Patricia Gomes
O sociólogo Muniz Sodré é um
defensor da diversidade.
Em suas obras, que orbitam pelos campos da
comunicação, cultura, sociologia e educação, ele exalta a necessidade do
reconhecimento das diferenças e de uma aproximação afetiva delas como forma de
se caminhar para a aceitação da pluralidade e se valorizar o Outro (em letra
maiúscula mesmo, para evidenciar a deferência).
Formado em direito, com
mestrado da sociologia da informação e doutorado em letras, Sodré é tido como
um dos mais importantes intelectuais brasileiros. Ao transitar pelo ambiente
acadêmico e o de saberes populares, ele faz o apreço ao diverso não ficar
restrito apenas a sua produção científica.
Prova disso é que Sodré, ao mesmo
tempo em que é professor emérito da UFRJ e já ocupou o cargo de presidente da
Biblioteca Nacional, é também mestre de capoeira e tem o título de Obá de Xangô
do Opô Afonjá, conferido a “protetores” de terreiro de candomblé. Em 2012, ele
publicou o livro: Reinventando a educação: diversidade, colonização e redes, em
que afirma:
“A ideia do ‘saber único’ termina recalcando uma parte importante
da realidade (…) seus efeitos são igualmente danosos no tocante à educação,
porque o monismo cultural impede o pluralismo”.
Para o estudioso, a educação
brasileira precisa ser reentendida, uma vez que ela foi concebida com base em
saberes eurocêntricos, descartando o potencial intrínseco aos outros povos que
constituem a diversidade do nosso país. Ele entende que a experiência que cada
aluno traz deve ser valorizada e compreendida na formação do que chama de
ecologia de saberes.
Em entrevista ao Porvir, o
intelectual falou da importância de os professores, figuras que considera
cruciais na formação do indivíduo, mudarem de papel. Em vez de transmissores de
conhecimento, eles devem assumir a função de tradutores das diversas linguagens
do mundo, que são ainda mais vastas quando se considera que o conhecimento tem
múltiplas origens.
Falou também de tecnologia como um espaço ao qual estamos
irremediavelmente ligados pela cultura digital. E criticou o currículo adotado
pelas escolas, que acabam criando seres competitivos, e não necessariamente
promovem a circulação de saberes.
O senhor diz que o professor deve
assumir o papel de iniciador nas linguagens do mundo. Como o professor se
prepara para apresentar a seus alunos tantas linguagens, que podem ser novas
inclusive para ele?
A docência como uma iniciação a
linguagens supõe uma pedagogia que não se define por inculcação de conteúdos,
mas pelo acolhimento da diversidade. Cada linguagem é um modo de ser do
conhecimento, que envolve cognição e ética. Isto vale para qualquer campo do
saber, até mesmo os mais especializados. Para tanto, o
iniciador-tutor-professor, qualquer que seja o nome, precisa de uma formação
diferenciada e uma reciclagem permanente. Tudo isto supõe também um status
especial para o docente.
Como a lógica de diálogo com a
tecnologia pode influenciar positivamente nos processos de aprendizagem?
Tecnologia é a razão ou a
linguagem da técnica. A consciência do homem contemporâneo é fortemente moldada
não apenas pelos objetos técnicos de que dispõe, mas principalmente por um
“coração” afinado com a ambiência tecnológica. Como toda aprendizagem começa a
partir da ambiência (família, meio natural etc.), o diálogo educacional incluirá
necessariamente os pressupostos tecnológicos do modo de existência.
O que falta para as escolas e as
famílias serem capazes de educar para o sensível e para a diversidade? Qual é a
importância da aproximação com o outro e do reconhecimento da diferença na
formação de cidadãos plenos?
A separação (platônica) entre
paideia (a cultura do logos) e paidia (jogo, a cultura do sensível) marca ainda
hoje profundamente a educação ocidental. Mas é a própria tecnologia que põe em
questão a pretensa superioridade lógica dos signos, das palavras (a ideia de
cultura como o sério ou o sisudo), expondo a parte importante do sensível nas
elaborações culturais. O conceito de cultura ecológica preconiza o dar-se as
mãos às diferenças.
O senhor costuma falar que a
escolarização precisa se desprender da ideia de escola. Como fazer com o que é
aprendido fora da escola também seja valorizado e convidado a entrar na sala de
aula?
Eu falo de desprendimento físico,
de escola entendida como centro imóvel de transmissão de conhecimento e
formação humana. Escola é, na verdade, uma forma moderna (assim como a
democracia e o mercado são formas) da socialização do saber. Essa forma não
deveria ser monológica, nem monocultural, e sim o processo de incorporação e
diálogo com todos os saberes circulantes num grupo humano qualquer. Seria essa
a ecologia dos saberes.
Em suas falas, o senhor fala da
necessidade da transformação de currículos e conteúdos. Quais são os conteúdos
que precisam ser considerados e/ou valorizados no currículo brasileiro?
Os currículos escolares são
geralmente absurdos: um sem-fim de matérias que o estudante esquece tão logo
ultrapassa as barreiras de acesso ao ensino superior. Todo esse absurdo
destina-se a preparar o jovem para a competição do teste. O conhecimento acaba
definindo-se pela capacidade de passar no teste. Aí não se avalia realmente o
saber, mas a competitividade do indivíduo, como se estivesse no mercado.
Fonte: http://revistaforum.com.br
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