A intolerância dos tolerantes – Por Rodrigo Constantino
O título deste artigo vem de um
livro do teólogo canadense D.A. Carson, e pode parecer paradoxal à primeira
vista. Afinal, como pode haver tolerantes intolerantes?
Após uma reflexão,
porém, a ideia fica mais clara. Há um grupo cada vez maior de pessoas que, em
nome da tolerância, demonstra incrível intolerância com aqueles de quem
divergem. Carson argumenta que a “nova” tolerância representa uma forma
peculiar de intolerância. Antes, tolerar era aceitar a existência de pontos de
vista diferentes, conviver com eles, ainda que os combatendo.
Talvez o melhor exemplo dessa
tradição seja a frase atribuída a Voltaire, que teria dito para Rousseau: “Não
concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso
direito de dizê-lo.”
Vale notar que Voltaire considerava Rousseau um “poço de
vileza”. Isso é importante, pois o ato de tolerar era nobre justamente porque o
filósofo rejeitava claramente o pensamento e até a pessoa a quem estendia sua
tolerância. Tolerar era aceitar as diferenças, não abraçá-las como nobres em
si.
Hoje, significa aceitar os
diferentes pontos de vista como se fossem igualmente válidos, uma mudança que
parece sutil, mas tem grandes consequências práticas. Agora, o “tolerante”
precisa tomar qualquer opinião como verdadeira. Em vez de aceitar a liberdade
de expressão de opiniões contrárias, ele deve acatar todas essas opiniões.
Essa mudança de paradigma dentro
do próprio Ocidente vem pavimentando a estrada da possível destruição de seus
principais valores, assim como a cultura ocidental como a conhecemos. Não
precisamos apenas tolerar as ideias islâmicas, por exemplo, com o direito até
mesmo de combatê-las; devemos abraçá-las como igualmente válidas, ou “apenas
diferentes” das próprias ideias que fundaram a cultura de liberdade ocidental.
Thomas Sowell diz que há poucos
mais dogmáticos do que aqueles que falam em diversidade o tempo todo. Com
ironia, manda perguntar, da próxima vez que escutar um “progressista”
enaltecendo a importância da diversidade, quantos conservadores existem no
departamento de sociologia de sua faculdade.
Na verdade, os movimentos sociais
de “minorias” costumam demonstrar bastante intolerância com certos grupos, como
o de liberais e conservadores, principalmente os religiosos. A tolerância dos
“tolerantes” é bem seletiva e limitada, na prática. Podem demonizar as elites,
o homem branco ocidental, os ricos, os católicos, os “neoliberais”, e ainda
conseguem posar de defensores da diversidade e da tolerância depois.
Incoerente, não?
Algumas feministas destilam
verdadeiro ódio aos homens e às mulheres que se recusam a aderir ao discurso de
vitimização do “sexo oprimido”. Veganos não toleram aqueles que pensam que
animais podem e devem servir de alimento ao homem. Racialistas chamam de
traidores, com baba de ódio escorrendo pelo canto da boca, aqueles negros que
se recusam a aplaudir a segregação da humanidade com base na “raça”.
Membros do
movimento gay demandam mais tolerância, ao mesmo tempo em que repudiam com
veemência aqueles que simplesmente não gostam ou não querem perto de si
homossexuais. Onde está a verdadeira intolerância?
Todos são obrigados a achar
“lindo” o amor entre dois homens? Se fosse para usar o conceito tradicional de
tolerância, esses que não gostam ou sentem aversão (e não fobia) a gays teriam,
sem dúvida, que aceitá-los e manter o devido respeito como seres humanos que
são. Mas é só. Tolerar não deve ser sinônimo de gostar, aprovar, aplaudir ou
mesmo conviver. Discriminar é separar, selecionar, e todos devem ser livres
para escolher com quem querem compartilhar seus momentos.
Quem se coloca contra todo tipo
de discriminação ou preconceito é, no fundo, hipócrita. Bastaria uma reflexão
rápida e honesta para constatar que ele também discrimina e tem sua cota de
preconceitos. Talvez, contra liberais que escrevem neste jornal. Talvez, contra
um pastor evangélico. Talvez, contra um capitalista burguês que gosta de Miami.
Enquanto as escolhas forem
voluntárias e a segregação for pacífica, a tolerância está sendo praticada. Eu,
que abomino o socialismo, pois sacrificou a vida de milhões de inocentes
(inclusive os gays) no altar da utopia, tolero socialistas. Mas pretendo
continuar combatendo esta ideologia nefasta no campo das ideias, e selecionando
minhas próprias amizades, que englobam gays, por exemplo, mas não petistas.
Intolerância? Não. Apenas minha
liberdade de escolha. Esta que tantos “tolerantes” detestam, pois gostariam de
impor sua visão de mundo estreita e uniforme.
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Fonte: http://oglobo.globo.com
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