"O capitalismo como religião" - Por Fábio Py Murta de Almeida
O livro: “O capitalismo como
religião” chega ao público brasileiro no ano de 2013 sendo uma obra de quatro
mãos.
Não que tenha sido escrito por mais de uma pessoa: seu responsável fôra o
filósofo judeu-alemão Walter Benjamin. Contudo, na forma que o livro se
encontra, é um esforço editorial do franco-brasileiro Michael Lowy, radicado em
Paris como professor do École de Hautes Études en Sociences Sociales (EHESS).
Ele organiza a série de escritos avulsos de Benjamin, com o intuito de unir
fragmentos de momentos diferentes da vida do filósofo, mas que em conjunto
mostram o legado anti-capitalista do filósofo, até quando assumia o limiar
místico.
No livro, Michael Lowy também nos
brinda com uma introdução à vida e à obra do filósofo judeu alemão intitulada: “Walter
Benjamin, crítico da civilização”, que, além de apresentar a vida, informa o
lugar vivencial dos textos do filósofo, bem como se detém em cada fragmento com
seus interesses.
No exercício explicativo demonstra três eixos temáticos da
trajetória intelectual de Benjamin: a questão da prática, o problema da
modernidade individualista e a questão do novo romantismo. A fim de cumprir tal
intuito, o livro separou dezessete fragmentos na seguinte ordem:
Religião cultural
O texto que abre a organização
contém o título do livro: “O Capitalismo como Religião”, defendendo que o
capitalismo é uma religião cultural, com uma celebração de um culto sem sonho,
sem piedade.
Seu culto é baseado na culpa,
transformando a culpa em universal, expressando até a ideia da deidade em torno
da culpa. De forma simplificadora “o capitalismo é uma religião puramente de
culto, desprovida de dogma”, percebendo que ele “se desenvolveu como parasita
do cristianismo” (p. 23), não só demonstrado na base do calvinismo, mas nas
tendências cristãs ortodoxas. O fragmento: “Romantismo” (1913, produzido por
conta de um congresso da juventude) é voltado à comunidade, à juventude e
contra o individualismo moderno.
Benjamin conclama os jovens a desistirem do
romantismo falso ligado ao indivíduo, pois, para ele, “nada há de verdadeira no
que nos oferecem de dramas ou heróis da história, de vitórias da técnica e da
ciência” (p.54). O verdadeiro romantismo (esquecido da juventude) é um
indefinido, ligado à franqueza, aos nexos espirituais e da história do
trabalho.
Arte
No “Drama Barroco e tragédia”,
Benjamin compara dois estilos artísticos de época. Na tragédia, o herói morre
símbolo de ironia, pois “a morte é a imortalidade irônica; esta é a origem da
ironia trágica” quando “a morte constitui uma imortalidade irônica; irônica por
sua determinante desmedida; a morte trágica (...) isso é a expressão
propriamente dita da culpa do herói.” (p.61).
Já, o tempo do drama barroco é
finito, e em sua generalidade, não mística. Por outro lado, Benjamin retoma as
comparações do drama barroco e da tragédia em seu: “O Significado da Linguagem
no Drama Barroco e na tragédia” (1916), percebendo o trágico como legalidade do
discurso oral dos homens a partir do original humano. Nela, “cada discurso é
tragicamente decisivo, palavra por palavra é imediatamente trágica”.
No drama
barroco, o som impregna a obra com dois princípios que o ordenam
metafisicamente, circularidade e a repetição, pois, a “música é o círculo do
sentimento (...) que destrói a tranquilidade do anseio profundo que dissemina
as tristezas da natureza”. O “mundo do drama barroco é um mundo especial que
sustenta sua validade grandiosa e equivalente também frente à tragédia” (p.67).
Guerra
Na continuação, o fragmento: “As
Armas do Futuro” (1925) é escrito em decorrência dos confrontos e dos ocorridos
na I Guerra Mundial, quando utilizaram armas químicas (que ocasionaram as
bombas químico-nucleares da II Guerra).
Critica os métodos químicos destacando
o estado das cidades europeias antes e depois de sua utilização; entende que
antes nelas havia “cheiro parecido com o das violetas”, e com a utilização das
armas químicas “logo em seguida, o ar se tornará sufocante”.
Vislumbra o contrassenso
do projeto armamentista das nações quando “a França possui hoje pelo menos
2.500 aeronaves no serviço ativo à paz” (p.70). Para ele, o capitalismo moderno
do início do século XX constrói um dilema quando seu projeto de paz é armada, o
que se amplia no uso de gazes nos confrontos armados: “o gás mostarda corroeu a
carne e quando não acarreta diretamente na morte, produz queimaduras cuja cura
demanda três meses” (p.71).
Depois, Benjamin dá espaço aos
livros que mais marcaram sua vida até 1929. O que revela no texto: “Livros que
permanecem vivos”; o primeiro livro é Spatromishe Kunstindustrie de Alois
Riegl, no qual a partir do Império Romano Antigo percebe que toda descoberta
científica desenrola numa revolução procedimental.
O segundo é Eisenbauten de
Alfred Gotthold, quando relaciona a fundição do ferro do século XIX com a
história da construção das casas. O terceiro é Estrela da Redenção de
Franz Rosenzweig que trás uma proposta sistemática de teologia judaica, a
partir da intervenção da dialética hegeliana da obra de Herman Cohen.
A última
obra (e não menos importante) é a História e consciência de classe de
Georg Lukács, obra filosófica coesa do marxismo, uma reunião crítica à
filosofia e à luta de classes na direção da revolução concreta.
Literatura
Em 1929, escreve comentários aos
livros de E. T. A. Hoffmann e Oskar Panizza. Autores que se preocupam com o
social, o político e o religioso. Chama Panizza de teólogo, mesmo
contabilizando ataques radicais à igreja e papado, com posição irreconciliável ao
ofício teológico como E. T. A. Hoffmann que era artista e “despejava todo seu
escárnio e toda sua raiva”.
Hoffmann tinha afinidade com romances que giravam
em torno do “catolicismo medieval e, sobretudo do seu complemento, as missas
negras, a bruxaria e o satanismo” (p.136); assim, Benjamin se interessa por
temas negros, de protesto frente às religiões oficiais.
Ainda em 1929 escreve
uma resenha de “Brion, Bartolomé de las Casas”, onde desponta elementos
interessantes ao cristianismo da libertação quando, ao invés de o bispo manter
o “domínio sobre a Índia", ele "em nome do catolicismo" (...) se
contrapõe aos horrores cometidos em nome do catolicismo (p.172); no destaque, o
filósofo critica a forma das estruturas das grandes religiões. Entre 1930 e
1931 escreve “Crítica Teológica. Sobre Willy Haas, Gestalten der Zeit”
desenvolvendo traços de Kafka, Talmude, Kierkegaard, Tomás de Aquino, Pascal,
Inácio de Loyola.
Apropria-se de Kafka com direito a exegese da sua teologia da
fuga, embasado no contexto de uma teologia no romance criminal. Na obra, a
teologia tem um sentido pleno, levada pela arte com aspectos destrutivos,
quando a iluminação teológica determina a política quanto da economia.
Os últimos quatro artigos na
resenha são da década de 1930. O primeiro é do ano de 1931, “Um entusiasta da
cátedra: Franz von Baader”; escreve sobre Baader e suas conexões com Schelling,
caracterizando-o como "filósofo da natureza". Para Benjamin, Baader
pensava em direção ao infinito com uma máquina elétrica, uns escolásticos e
outros místicos. Ele penava pelo caminho dos românticos, passando pela vida
interior com nova paisagem intelectual, sendo ligado ao espiritualismo extremo,
chegando a estudar o montanhismo.
No primeiro momento, apropriava-se das
teorias físicas e industriais se aproveitando das teorias românticas da
natureza, para, posteriormente, se envolver ao universalismo contraposto
romântico da atuação congestionada de Goethe. Buscava com suas intervenções
cumprir metas de conciliação das esferas cristãs com as ações místicas e
politicamente estava à frente dos contemporâneos vislumbrando a “situação
social das classes trabalhadoras” com seu romantismo da práxis.
Romantismo
Em 1937, escreve: “Béguin, L’âme
romantique” quando enfatiza o romantismo alemão, como excelência de romantismo.
No escrito busca não perceber as teorias românticas como corretas, mas, como as
histórias que brotam de locais, espaços. Para ele, o romantismo completa um
processo que havia sido iniciado nos oitocentos com a secularização da tradição
mística, mesmo que Novallis seja uma afirmativa mística.
Afirma que o período
da secularização da tradição mística coincidiu com o desenvolvimento social e
industrial que colocou “em cheque a experiência mística perdendo o legado
sacramental” (p.144). No ano de 1938 produz dois textos “Instituto Alemão de
Livre Pesquisa”, e “Crônica dos desempregados alemães”.
No texto sobre o instituto
destaca seu legado interdisciplinar orientando os trabalhos na condição do
desenvolvimento social e de sua teoria. O instituto lutou contra o positivismo,
pois “considerava a sociedade burguesa como eterna e tratar suas contradições, tanto teóricas quanto práticas, como bagatela” (p.151).
Também foi algo de
Frankfurt o pragmatismo americano pela relação monolítica de teoria e práxis.
Isso por que o instituto tinha a pretensão de avaliar criticamente na
modernidade o conhecimento e a ciência. Agora, sobretudo nos trabalhos do
instituto, se tecem críticas ao conjunto da consciência burguesa percebendo na
figura de Robespierre a consistência de uma liderança burguesa, quando o
“terror no fim das contas, adere esse fantástico e há um fantástico, e há um
tipo de interiorização que é capaz de se manifestar como crueldade” (p.156).
No segundo texto de 1938, “Crônica
dos desempregados alemães. Sobre o romance Die Rettung, de Anna Seghers”,
reconhece que alguns romancistas feriam o privilégio burguês, entre eles,
Hamsun que “deixou de lado as ‘pessoas simples’ (...) que os êxitos que obteve
se deve em parte à natureza bastante complexa das suas pessoas humildes do
campo” (p.159), num tempo difícil pela quantidade de pessoas desempregadas no
país.
A autora avista os proletários que pouco significavam à época, por que
eram implicantes e tinham a iniciativa de viver como as outras pessoas. Por
isso, se afastavam deles mesmos, o que ocorreu em Findlingen - povoado
minerador. Sua esperança estava no jovem Lorentz, desempregado, que “deixou, no
povoado cinzento, o rastro luminoso que Bentsch jamais esquecerá” (p.162).
Essa
centelha de esperança do relato de Anna Sehers faz dela, aos olhos de Benjamin,
a "cronista dos desempregados alemães", cuja base é a fábula, o que
fornece a seu livro um toque romanesco. Além disso, percebe que para se
libertarem das amarras político-sociais a aposta de redenção seria nas crianças
proletárias, pois não “serão esquecidas tão cedo por nenhum leitor” (p.166).
Trajetória
Portanto, como foi escrito acima,
no livro: “O Capitalismo como religião” se percebe o esforço de se revisitar
outras fontes da rica e trágica trajetória de Benjamin. Novamente, saúda-se o
empenho de Michael Lowy em organizar um punhado de textos inacessíveis que
auxiliam a revelar mais do filósofo rebelde, que, já maduro, uniu o marxismo
com neo-romantismo (do drama, do trágico, da religião e da magia).
Como se vem dizendo desde a
apresentação, Lowy dá liga a massa de textos salteados de Benjamin, afinando em
mais sua compreensão. Com ela detalha-se com mais riqueza sua trajetória de
formação romântica na década de 1910, sua guinada marxista heterodoxa em 1924,
até sua súbita/trágica morte entre a Espanha e a França, em 1940.
Enfim, se
espera que com acesso a novos textos, artigos e resenhas de Benjamin, animem
tanto o vetor da popularização de suas ideias no Brasil, quanto o vetor
acadêmico. Pois, com novas fontes que se solidifiquem, surgem novas linhas de
pesquisas nas disciplinas mais prováveis, como Filosofia, Sociologia e
História; bem como também, ajude a depurar a atuação teórico/prática nos
movimentos políticos alternativos (como movimentos sociais) e nos ramos
embevecidos pelo cristianismo heterodoxo da Teologia da Libertação.
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