Emir Sader relativiza poder evangélico no Rio de Janeiro - Por André Lobão
Em entrevista, o sociólogo diz
que falta de uniformidade compromete o potencial dos grupos religiosos.
“Vão ter expressões diferenciadas na eleição, mas não é tanto quanto se
anunciava em períodos anteriores”.
Emir Sader é cientista político e
sociólogo, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O ano
de 2014 apresenta eventos importantes no Brasil como Copa do Mundo e eleições. Isso pode significar continuidade ou mudança na política carioca?
Em conversa
com o Radiotube/A Voz do Trabalhador, Sader faz uma análise da conjuntura
política do estado.
André Lobão: Professor como
avaliar o quadro político no Rio?
Sader: O Rio de Janeiro
evidentemente está condicionado no seu quadro político pela perspectiva
eleitoral. Termina o segundo mandato do governador Sérgio Cabral e se abre a
possibilidade de alternativas e continuidades, ou não. É claro, que pela falta
de apoio popular, esse governo inicialmente teve um pique no primeiro mandato,
mas agora, no segundo, a situação se esgotou por várias razões, que podemos
analisar mais em detalhes. Então, se abre um marco de alternativas que
dificilmente vai incluir a continuidade do governo atual com a candidatura de
um secretário dele. Por isso, está em discussão o que o Rio de Janeiro quer
agora depois do governo Cabral.
André Lobão: Até que ponto o
governo federal terá influência na eleição do Rio?
Sader: É fundamental, pois a
política de governo do Brasil e, mais particularmente do Rio, está fundamentada
nas políticas sociais. Quer dizer, o Brasil ainda é o país mais desigual da
América Latina, o resgate da prioridade do social é marca mais importante do
governo federal. E foi a partir dela que foi possível reverter a situação no
Rio de Janeiro, especialmente nas zonas que eram controladas por
narcotraficantes. Daí acredito que “Brasília” tenha importância sim, se os
candidatos não valorizarem o que foi feito, vão ficar fora da realidade efetiva
do estado, mais aqueles que não proponham uma política de maior extensão e de
aprofundamento do que já foi feito também não serão aceitos pela população.
Porque amplas regiões como a Baixada Fluminense, por exemplo, não foram
contempladas com essas políticas sociais.
André Lobão: Isso quer dizer que
a política social é a maior demanda no estado?
Sader: Em todas as dimensões da
política social: habitação, transporte, educação, saúde, cultura… Esse conjunto
de políticas tem que ser prioritário para humanizar e democratizar o Rio de
Janeiro.
André Lobão: E o papel da classe
média nesse contexto eleitoral, vai ser fundamental no processo?
Sader: Provavelmente ela vai se
dividir, porque Zona Sul é uma classe média, Tijuca, e agora você tem o
crescimento dessa camada na Baixada Fluminense. Então, é difícil falar dela
como uma unidade. Acredito que esse eleitor vai favorecer esse tipo de política
social, pois ele será também beneficiado por isso. A classe média também é
vítima de planos de saúde escorchantes, da falta de qualidade da educação
pública e do sofrimento do transporte público, entre outras demandas. De alguma
forma ela estará mais sensível dessa vez para essas necessidades.
André Lobão: O chamado “poder
evangélico” pode ser decisivo?
Sader: É preciso relativizar. Em
primeiro lugar, não existe uma uniformidade nesse segmento. É pública a
existência de dois candidatos ao governo do estado ligados a essa corrente
religiosa como o Garotinho e o Crivella, isso já demonstra não existir um
objetivo unificado deles. Em segundo lugar, é um poder relativo. Eles podem ter
certa influência, mas não muito. Posso citar um caso importante como o ocorrido
com o Judiciário, que decidiu legalizar os casamentos homoafetivos. Se isso
fosse passar por uma discussão no Congresso, a Igreja interveria e os
deputados ficariam muito constrangidos. A sociedade brasileira recebeu muito
bem, as igrejas de diversos ramos nem sequer reagiram. Alguma ou outra fez uma
declaração, mas não se jogaram contra o que, a principio, são frontalmente
contra. E mesmo em relação ao aborto é um pouco duvidoso o efeito e influência
que esse segmento tem. Existe um certo pânico em relação a isso, mas não é
alguma coisa que se possa constatar efetivamente. Então, é uma corrente a se
levar em conta. Vão ter expressões diferenciadas na eleição, mas não é tanto
quanto se anunciava em períodos anteriores.
André Lobão: E o descolamento do
PT dos governos estadual e municipal?
Sader: Bom, acho que isso era
absolutamente necessário. Não se fez anteriormente por razões de ordem
nacional, por indicação da direção nacional do PT. O governo Cabral foi um
instrumento das políticas sociais do governo federal no Rio de Janeiro, mas
depois mesmo essas políticas se deterioram muito. O governo perdeu o pique e,
com a crise do ano passado, se desprestigiou enormemente. Então, é um descolamento
obrigatório , tem lógica sim ter estado e ter saído do governo estadual.
André Lobão: O movimento de
manifestações iniciado em junho de 2013 também terá influência nessas eleições?
Sader: Sim já tem. O próprio fato
da perda de prestigio do governo Cabral, que foi uma queda vertiginosa, é o
maior efeito desse movimento de junho. Principalmente das reações desastradas
feitas nessas manifestações por ordem do governador. Esse já foi o elemento
mais importante desse contexto. Foi o suficiente para deslocar o quadro que era
bem diferente antes de junho. Pode ser que usando o aparelho do estado em
alianças municipais eles consigam eventualmente consigam chegar ao segundo
turno, mas ninguém acredita que eles possam triunfar nas eleições com um
candidato e imagem relacionados ao Cabral.
Comentários