Espiritualidade e Libertação – Por Marcelo Barros
A ONU consagra o dia 20 de março
de cada ano como dia internacional de combate a todo tipo de escravidão.
Os
organismos internacionais calculam que, atualmente, nos mais diversos
continentes, quase 800 milhões de pessoas são, de alguma forma, vítimas dessa
desumanidade. Apesar de terem assinado, em 1948, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, quase todos os países do mundo convivem com isso.
A sociedade
dominante organiza o mundo de forma que alguns dos direitos humanos básicos são
sistematicamente violados. Governos e organizações da sociedade civil fazem
declarações de combate à escravidão, mas, na prática, sustentam uma organização
econômica que torna a maioria das pessoas mais frágeis e expostas a situações
semelhantes à escravidão.
Empresários com cabeça tecnológica e globalizada
convivem com as novas tecnologias, mas, em suas fazendas de soja ou de gado,
mantêm trabalhadores em regimes de trabalho forçado e condições desumanas de
sobrevivência. Empresas provocam crise econômica em vários países para manter
os salários astronômicos de seus dirigentes, mas se negam a garantir o emprego
justo a uma multidão de pais e mães de família.
Em um mundo assim, seria de
esperar que as Igrejas e religiões fossem pioneiras na defesa dos mais
empobrecidos, Infelizmente, em vinte e um séculos, as Igrejas, não somente não
conseguiram mudar essa realidade, como muitas vezes, na história, se tornaram
cúmplices e mesmo protagonistas dessa barbárie.
É como se, ao aderir à
religião, as pessoas vestissem a roupa do culto, mas não assumissem a proposta
ética da fé. Dois mil anos depois, a proposta do Evangelho de Jesus continua
ignorada e mesmo desmoralizada.
É mais penoso ainda constatar que quem mais
agride o evangelho e a mensagem de Jesus não são ateus ou inimigos da fé e sim
os próprios cristãos e até os ministros e pastores. Muitas vezes, eles aderem
ao aspecto cultual e religioso da fé, mas não a suas exigências éticas e
transformadoras.
Nos últimos tempos, tanto a
Igreja Católica, como algumas Igrejas evangélicas pediram perdão por esses
erros do passado. Na 2ª conferência geral latino-americana, em Medellin,
(1968), os bispos católicos latino-americanos se comprometeram com a causa da
libertação de toda a humanidade e de cada ser humano em todas as dimensões do
seu ser pessoal.
As tradições religiosas têm como
missão ajudar as pessoas a aprofundar o sentido mais profundo da vida e a
vocação de toda pessoa para o amor solidário. Só assim, o ser humano pode
percorrer o caminho para o Mistério último da essência de tudo, mistério que a
maioria das religiões chama de Deus.
O risco permanente é que, ao terem como
meta a união com o divino, as diversas tradições acabem por escamotear um
degrau fundamental. Tentam viver o divino sem se dar conta de que ele só se
encontra no próprio humano.
Todas as religiões reconhecem: o divino só pode ser
encontrado realmente no humano. O que Irineu, pastor da Igreja de Lyon ensinava
aos cristãos no século II vale para toda pessoa de qualquer religião e de todos
os tempos:
"Como você poderá divinizar-se se ainda nem se tornou humano?
Antes de tudo, garanta a condição de ser humano e, assim, poderá participar da
glória divina”[1].
[1] - Cf. IRINEU DE
LYON, Adversus Heresis, IV, 39 II, Patrologia Greca, citado por
LUCIANO MANICARDI, La vita secondo lo Spírito, in Exodo, n. 4. Ottobre-dicembre
2003, p. 35.
Fonte: http://site.adital.com.br
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