Mosteiro de São Bento lança site com acesso grátis a 60 obras raras digitalizadas – Por Monique Lôbo
Em 1582, monges beneditinos
portugueses fundaram o Mosteiro de São Bento da Bahia, o primeiro da nova
colônia e um dos primeiros fora da Europa.
Durante a imigração, os monges
trouxeram manuscritos, iluminuras, livros, documentos históricos, cartas,
testamentos, mapas, partituras musicais, desenhos e plantas de arquitetura que
hoje compõem o acervo da Biblioteca do Mosteiro de São Bento.
Algumas dessas preciosidades
agora estão disponíveis para o público geral. Depois de um processo de
restauração, o mosteiro lançou, ontem, o portal Livros Raros, que disponibiliza
uma valiosa coleção com 60 obras raras da biblioteca digitalizadas e que podem
ser acessadas gratuitamente através do site: www.saobento.org/livrosraros.
O projeto de recuperação, que
durou cerca de dois anos, contemplou obras dos séculos XVI ao XIX que tratam
não só de teologia como também de medicina, homeopatia, história, sociologia e
literatura. Além de português, há textos em latim, francês, galego, es panhol,
italiano e árabe, muitos não identificados em nenhuma outra biblioteca do
mundo.
Publicações como Comentario as
Sentenças de Duns Scoto, do Fr. Nicolau de Orbellis, de 1503; e Suma Theologica
Secundae, de São Tomas de Aquino, de 1534, os textos digitalizados mais
antigos, além da coleção Obras Completas de Luiz de Camões, de 1873; o
compêndio Cartas Selectas, de Padre Antônio Vieira, de 1856; o Index Librorum
Prohibitorum, do Papa Bento XIV, de 1764; e a Historia dos Judeos, de Flavio
José, de 1793, podem ser lidas com apenas alguns cliques.
“Essa ação iniciou em 2006, com a
seleção de algumas obras para pequenos projetos. Depois, percebemos a
necessidade de uma maior abrangência. Para isso, chamamos uma empresa de São
Paulo que usou tecnologias que nunca haviam sido usadas aqui”, conta a filóloga
e coordenadora geral do Centro de Pesquisa e Documentação do Livro Raro do
Mosteiro, Alícia Duhá Lose.
Desinfecção
A tecnologia, chamada “desinfestação por atmosfera anóxia”, parece coisa de filme de ficção. O livro é colocado dentro de uma bolha com um gerador de nitrogênio. O processo retira todo o oxigênio dos livros e extermina as pragas por asfixia. Enquanto algumas peças precisaram apenas de higienização, outras não tinham condições de sequer serem manuseadas e passaram por um processo de restauração ainda mais rigoroso.
Mônica Pedreira de Souza, uma das
responsáveis pela equipe de restauro, explica que cada livro levou entre um e
três meses para ser reparado. “O tempo de restauração depende do tamanho do
livro e do estado em que se encontra, se está mais destruído, corroído por
inseto, mofo”, completa.
Mônica revela que, depois de diagnosticar a condição
da obra, é feita a higienização e depois um teste de acidez, para atestar se o
livro vai passar por um banho de desacidificação ou a velatura, uma técnica de
aplicação de tinta transparente ou verniz.
“Depois, o livro recebe um banho
de água morna para retirar a sujidade e depois um banho para estabilizar o PH
com hidróxido de cálcio”, detalha. O livro ainda passa pela máquina de
obturação de papel, a secadora e, por fim, a prensa para planificar. “A única
coisa que não recuperamos é a capa, porque ainda não fazemos restauração em
couro”, diz Mônica.
Democracia
O arquiabade do mosteiro, dom
Emanuel d’Able do Amaral, revela que a ideia que culminou nesse projeto nasceu
em 1996, quando a biblioteca ganhou um novo espaço.
“Essa foi a primeira etapa
do que estamos vendo hoje. A segunda foi quando criamos o laboratório de
restauração, que era raro no Nordeste. E a terceira etapa do processo começou
com o trabalho do grupo de pesquisa da Faculdade São Bento e de outras
instituições que tiveram acesso ao material”, afirma.
Para dom Emanuel, o objetivo
principal da biblioteca, a segunda maior em acervo de obras raras do país, é
democratizar a informação e, principalmente, a cultura. “Não tem sentido ter um
acervo se ele ficar trancado e ninguém ver. Um livro que não é lido perde sua
finalidade. Em nosso país falta não só a partilha dos bens materiais, como
também dos bens culturais. E é isso que queremos: a democracia cultural”,
afirma.
A coordenadora do Centro de
Pesquisa do mosteiro, Alícia Lose, também celebra a iniciativa, pouco comum
para instituições religiosas. “É uma raridade estar vivendo esse momento.
Acervos eclesiásticos são privados, mas são de interesse público. Aqui temos
livros que remontam o século XVI, que vieram com os monges e ficaram mais de
400 anos trancados”, analisa.
O interesse de pesquisadores e
estudantes foi fundamental para que o projeto se consolidasse. “Foram 43
pessoas envolvidas diretamente, fora os muitos funcionários do mosteiro que nos
ajudaram e isso partiu da demanda. As pessoas pediam as obras e, para dar
acesso, digitalizamos. É assim que é feita a seleção. E depois disponibilizamos
no site”, diz Alícia.
“Esse é um trabalho feito para a
comunidade. Os livros continuam no setor de obras raras, preservados, mas podem
ser acessados por qualquer um e a qualquer hora. Pense que se um livro tivesse
alma, estaria chorando por estar preso sem poder ser lido. Mas agora ele não
vai mais chorar”, brinca o arquiabade dom Emanuel.
Acervo Geral
Acesso livre para consulta, de segunda a sexta, das 8h às 18h, e sábado, das 8h às 13h. Para empréstimo, somente para alunos da Faculdade São Bento da Bahia.
Acervo Obras Raras
Acesso para pesquisadores com a presença de funcionários da biblioteca. Acesso livre e gratuito no site www.saobento.org/livrosraros.
Arquivo Acesso apenas
mediante a autorização prévia. O arquivo conta com documentos importantes
denominados de Memória do Mundo da Unesco.
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