Para Boff, espécie humana precisa de mudança radical para sobreviver – Por Natália Fernandjes
Um dos mais respeitados filósofos e teólogos do mundo, Leonardo Boff esteve no
Teatro Municipal de Santo André para proferir palestra sobre os Desafios
Ambientais para a Humanidade.
Antes do evento, o pensador, que também é um dos
iniciadores da teologia da libertação (movimento da Igreja Católica que defende
a interpretação dos ensinamentos de Cristo voltados à resolução dos problemas
sociais), recebeu a imprensa para coletiva.
Durante o diálogo, que durou
pouco mais de uma hora e foi realizado em um hotel na região central da cidade,
Boff convidou os presentes à discussão de temas considerados ainda pouco
destacados, mas tidos como os principais problemas da atualidade: o aquecimento
global e, consequentemente, a falta de água doce no planeta. Segundo ele, está
claro que a causa das dificuldades é o sistema de desenvolvimento adotado pela
sociedade, o capitalismo. O modo de produção é duramente criticado pelo
pensador, tendo em vista seu caráter individualista e pelo fato de beneficiar
apenas pequena parcela da sociedade.
A visita de Boff é resposta a um
convite feito há pouco mais de um ano pelo MDDF (Movimento em Defesa dos
Direitos dos Moradores em Favela) da região. Autor de inúmeros livros e
vencedor de prêmios, o pensador e assessor de movimentos sociais participou da
redação da Carta da Terra, declaração de princípios éticos fundamentais para a
construção, no século 21, de uma sociedade global justa.
A partir dos anos
1980, começou a aprofundar a questão ecológica como prolongamento da teologia
da libertação, já que, segundo ele, não somente se deve ouvir o grito do
oprimido, mas também o grito da Terra, porque ambos devem ser libertados.
Quem observa o professor e
conferencista de fala mansa, aos 76 anos, nem imagina que ele já chegou a ser
condenado, em 1985, a um ano de silêncio obsequioso pelo ex-Santo Ofício por
suas teses no livro: ‘Igreja: Carisma e Poder’ (Record). Apesar de ter deixado
sua função de padre em 1992, nunca abandonou a teologia e se mostra otimista em
relação ao papa Francisco.
É por meio da religião, inclusive, que Boff acredita
ser possível encontrar saída para a crise na qual se encontra a humanidade. “A
função das religiões é dupla: a primeira é denunciar e a segunda, educar as
pessoas com valores importantes, como o respeito”, ressalta.
Confira a seguir
os principais trechos da entrevista.
DIÁRIO – Quais são os
desafios ambientais observados atualmente?
LEONARDO BOFF – Acho que são
dois os grandes desafios que a humanidade enfrenta. O primeiro é o aquecimento
global, que mostra que a terra está buscando um novo equilíbrio depois de
quatro séculos de superexploração. E a maneira de a Terra reagir é como todo
doente, pela febre. O segundo problema, que pode até ser mais grave, é a falta
de água doce. Só 3% de toda a água existente é doce e apenas 0,7% é acessível
aos seres humanos. O risco é que haja guerra para garantir o acesso às fontes
de água potável e de a espécie humana desaparecer, além de muitas outras
espécies que estão desaparecendo porque não conseguem se adaptar às
mudanças.
DIÁRIO – Então o senhor
acredita que capitalismo é o causador do problema?
BOFF – A partir do final dos
anos 1960 ficou claro que a causa da doença é o tipo de desenvolvimento que nós
temos, que produz duas injustiças: uma social porque cria população pequena com
enormes riquezas e grande pobreza do outro lado, e outra ecológica, que degrada
os ecossistemas por não respeitar seus limites. Dados atuais mostram que 175
pessoas possuem mais da metade da riqueza do mundo. No Brasil, 5.000 famílias
detém 43% da riqueza nacional. Nós vivemos numa sociedade malvada, como disse
Santo Agostinho.
DIÁRIO – É preciso mudar o
sistema econômico?
BOFF - A Carta da Terra diz:
estamos num momento crítico da história, numa hora em que a humanidade deve
escolher seu futuro. E a escolha é ou fazemos uma aliança global para cuidar da
terra e cuidar uns dos outros ou então arriscamos a alcançar a nossa destruição
e o fim da diversidade. O capitalismo não deu certo porque atinge a pequena
minoria da humanidade, que vive no paraíso. O resto vive no inferno ou no
purgatório. Não é um sistema humano. É uma das mais perversas invenções do
homem.
DIÁRIO – Estes temas já vêm
sendo debatidos nos fóruns mundiais?
BOFF – Hoje acho que a
resposta a isso seria uma governança mundial. Porque se os problemas são
globais, vamos tratar globalmente. Agora, toda governança global implica que
cada país renuncie um pouco à sua soberania. Nem a Rússia nem os Estados Unidos
nem a China querem renunciar. Em nenhuma reunião mundial sobre a questão de
água, alimentação e aquecimento global se chega ao mínimo consenso. Isso é
grave.
DIÁRIO – O senhor considera
que falta vontade política?
BOFF – Acho que atrás da
vontade política tem outro problema, que é de ordem antropológica. E quem está
denunciando isso é o papa Francisco. Ele diz que a crise econômica e financeira
que atingiu o mundo inteiro é uma crise antropológica. Porque você considera o
ser humano uma mercadoria que se usa e descarta quando acabou de usar. O
sistema do capital não ama as pessoas. Ama as habilidades e não a pessoa.
Enquanto perdurar essa compreensão, nós efetivamente não temos saída. Nós temos
que mudar. Nós estamos nas bordas da crise, ainda não estamos no coração da
crise.
DIÁRIO – De que forma essa
mudança é possível?
BOFF – Nós temos que
resgatar a inteligência mais ancestral dos seres humanos, a inteligência
emocional. A revolução é por pessoas sensíveis, afetivas, que se empenham com a
vida. Tem que ser como São Francisco (de Assis), que tinha relação de afeto, de
carinho, cuidado e proteção com a natureza. A cultura ocidental perdeu a
capacidade de sentir e se fez incapaz de chorar. Até 2008 havia 800 milhões de
famintos e, com a crise, subiu para 1,2 bilhão. Ninguém se move nos países a
fazer um fundo para ajudar. Essa mentalidade é suicida.
DIÁRIO – A partir desse
cenário é possível ter esperança?
BOFF – Eu acho que sim. Se
nós olharmos a história da humanidade, ela passou por 15 grandes crises e
sempre a vida triunfou. Acho que não será agora que nós vamos sucumbir.Temos
tecnologia, meios econômicos, só que nos falta o sentimento, o coração para
fazer. A alternativa que estão criando é que haja prosperidade, com crescimento
para os países pobres e a Europa e os Estados Unidos, que já cresceram,
poderiam investir na qualidade de vida.
DIÁRIO – Qual é o papel da
Igreja neste processo?
BOFF – A função das religiões
é dupla e esse papa está fazendo bem isso. A primeira é denunciar os riscos. E
segundo ela pode educar as pessoas com valores importantes da religião, como o
respeito. O papa, inclusive, já declarou que vai convocar uma assembléia
mundial das religiões sobre o tema vida no planeta. As igrejas estão
despertando para as suas responsabilidades. A marca registrada da teoria da
libertação é ‘sou pelos pobres e contra a pobreza’. O pobre é aquele que menos
direitos tem. Por isso, defendo os direitos humanos a partir dos pobres. O
maior biólogo vivo hoje, Edward Wilson, diz em seu último livro que nós só nos
salvamos se unirmos as duas forças maiores, que é a ciência e as religiões.
Fonte: http://www.dgabc.com.br
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