Para compreender o Ramadão, ou o sentido da religião no mais íntimo do dia-a-dia – Por Paulo Mendes Pinto e Fernando Catarino
Sendo o quarto dos Pilares do
Islão, o Ramadão tem exactamente o nome do nono mês do calendário islâmico, para quem, como quase todos nós, segue o chamado Calendário Gregoriano, todos
os anos o Ramadão se "adianta" em virtude de seguir o ciclo lunar.
Este ano, esse mês de jejum muito
exigente será bastante duro para os crentes muçulmanos a viverem no hemisfério
norte. Começando no dia 27 de Junho, o Ramadão decorre ao longo do mês mais
quente e com dias mais longos.
Ditam os cânones que, enquanto
muitos de nós estaremos nas praias e nas esplanadas a beber alguma coisa
fresca, muitos muçulmanos estarão em meditação, em dedicação a Deus, através de
um jejum rigoroso, acolhido como parte da sua profissão de fé.
Etimologicamente, a palavra «ramadão» tem origem numa raiz árabe que
significa «estar a arder, queimar», talvez como alusão ao facto de o primeiro
Ramadão ter ocorrido exactamente no Verão, ou porque a mais comum imagem do
sacrifício seja através do fogo.
Este é o mês mais sagrado do
Islão, dedicado à prática intensa da oração, do recolhimento, da constante
lembrança da dedicação da vida a Deus. O jejum prescrito é para ser cumprido,
integralmente, desde a aurora até à noite, estando interdito o consumo de
comida e de bebida (salvo por razões de saúde), de fumar e de ter relações
sexuais. Apenas em condições de fragilidade se está dispensado desta obrigação.
Para o crente, o sentido profundo
do Jejum do Ramadão é o de um testemunho de gratidão para com Deus, através da
oferta do sacrifício físico, e constitui ocasião para uma peregrinação
interior, uma oração física.
E é exactamente esse o lado mais
actual de uma prática que marca tão vincadamente o dia-a-dia. De resto, o Islão
encontra-se muito mais ritmado pelo regular “re-lembrar” e “re-dedicar” de tudo
a Deus, pelo menos, através das cinco orações diárias obrigatórias, que a
maioria das confissões cristãs onde está muito mais marcada uma separação entre
o tempo sagrado e o tempo profano.
Jejuar é, num entendimento
académico tradicional, um misto de expiação, através de uma purificação, e de
dedicação, através da renúncia. Mas o jejuar, poucas vezes ocupa um tempo tão
imenso como no Ramadão.
Pela dimensão continuada deste sacrifício colectivo, o
Ramadão é também um instrumento de irmandade, de fraternidade, de comunhão numa
mesma natureza, o ser muçulmano.
Hoje, numa sociedade onde o tempo
e o espaço são os da individualidade, e onde o sucesso se mede na diacronia
curta dos resultados da bolsa ao fim do dia, os ritmos dos sacrifícios ligados
à alimentação medem-se apenas pelos atrasos com que chegamos às refeições.
Para
a maioria dos habitantes de Portugal, a prática do jejum religioso perdeu-se
há, pelo menos, duas gerações, exactamente quando se deixou de dar “Graças”
quando se iniciava a refeição.
A laicização do tempo implicou a
dessacralização da maioria das acções quotidianas. O mundo perdeu muito do que
de sagrado tinha na forma como os indivíduos e a sociedade a viam. De um mundo
“encantado” a diversos níveis de contacto com o divino, mesmo hierofânicos,
passámos para um mundo de prazeres imediatos, mas tantas vezes “desencantado”.
Os sacrifícios colectivos fazem
sentido exactamente no campo da fraternidade, no que coloca todos os indivíduos
num patamar de cidadania religiosa: irmãos perante uma ideia e prática de
divino. O Ramadão é a afirmação interior, familiar e pública da condição de
muçulmano. Fraternalmente muçulmano, não individualmente religioso do Islão.
Fonte: http://lifestyle.publico.pt
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